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O que mudou na vida de um operário das OGMA?


No âmbito da Campanha Nacional “Se o País cresceu, Quero os meus direitos de volta!”, o MAS entrevistou Igor Constantino, operário das OGMA, que fez um retrato das condições de trabalho na empresa e um balanço das suas evoluções após 2 anos e meio do Governo PS apoiado por PCP e BE.

 

MAS: Nos últimos dois anos e meio, temos sido governados por um Governo PS que conta com o apoio do PCP e BE, uma solução inédita. O que mudou na tua vida nestes últimos 2 anos e meio?

Igor Constantino: Muito pouco. Em Dezembro de 2017, sobre o meu salário bruto de 817€ (852€ com subsídio noturno) descontava para o IRS 11%. Quando chegou a minha quota parte da tão esperada redução da carga fiscal, este ano, passei a descontar 10,6%, para além dos 11% para a Segurança Social. Foi uma redução 0,4%, cerca de 3€.

Para complementar este rendimento líquido de cerca de 670€, ao fazer algumas horas extra, facilmente passo a descontar acima dos 16% para o IRS. Tudo isso continua quase idêntico ao governo anterior. O valor pago pelas horas extra continua exactamente igual. Se estiver de baixa até 3 dias, contínuo a receber zero. Mais dias, os mesmos 55% que antes. O efeito é o desejado: mesmo sem condições para desempenhar as suas funções por motivos de doença, a grande maioria vai trabalhar.

O custo da habitação em Lisboa continua a crescer sem fim à vista. Das tais rendas acessíveis da Câmara de Lisboa, ainda estamos todos à espera. Mesmo na periferia onde trabalho, continua a ser caro demais viver sozinho. Em Lisboa, há muitos como eu: a viver num quarto, em casa partilhada.

Pago mais de passe, cada vez há mais atrasos e continuo a não ter transporte público em alguns horários do trabalho. O que já apareceu da parte do Estado, foi um parquímetro à porta para pagar mais uma taxa.

As propinas estão congeladas. Só para pedir transferência de uma instituição para outra ou equivalências, há uma montanha de burocracias e respectivas taxas. Continua a haver o mesmo problema de sempre: se a bolsa de acção social só vem no 2º semestre, as pessoas começam a trabalhar. Começando a trabalhar, nunca mais têm bolsa!

Contínuo a não ter médico de família, a pagar taxas moderadoras, a esperar meses por consultas de especialidade o que na prática as inviabiliza e a não ter serviço público de medicina dentária, bem como outras especialidades.

 

MAS: O que mudou no teu local de trabalho?

IG: Nas OGMA, as condições de trabalho têm vindo a piorar. Perdemos uma série de benefícios. Mudaram-nos o horário para recebermos menos subsídio nocturno. Diminuíram o tempo de refeição para meia hora e as pausas para 10 minutos. A tabela salarial continua congelada, já há 6 anos, apesar de a empresa apresentar lucros e ter uma participação de 35% de capital do Estado Português, através do Ministério da Defesa. A precariedade continua a ser regra. Os novos trabalhadores estão um ano por uma Empresa de Trabalho Temporário a contratos mensais, seguidos de mais 2 contratos de um ano pela empresa. Nesses 3 anos estamos sujeitos a tudo. Não poder marcar férias, não poder faltar por doença, não recusar fazer horas extra, cumprir todas as metas de produção por mais absurdas que sejam.

Com a saída de muitos trabalhadores experientes para outras empresas ou para fora do país, a precariedade é regra. Somos muitas vezes uma maioria de trabalhadores contratados a prazo em muitas equipas. Os contratos de trabalho temporário continuam a ser assinados alegando aumentos extraordinários de produção, mesmo trabalhando nós na produção de um avião que se faz há 22 anos e sendo uma empresa com quase 2.000 trabalhadores, que está sempre a contratar.

A empresa continua a marcar todas as férias, em muitas secções, podendo nós marcar apenas 4 dias. Continua a não existir descanso compensatório pelas horas extraordinárias, eliminado pelo anterior governo. O que faz cá muita falta, pois desde o início começamos a fazer dezenas e às vezes centenas de horas extraordinárias por mês. A única forma de ter direito ao descanso compensatório (uma vez terminado o contrato ETT), é assinando o Acordo de Empresa, que depois permite à empresa trocar-nos de horário quando bem atende, todos os meses, inclusive passar-nos para um horário de terça a sábado, sem qualquer compensação ou subsídio de turnos.

A ACT não põe cá os pés há anos, mesmo apesar de várias denúncias de violações de direitos laborais, e de questões de segurança e saúde. A última vez que cá esteve foi, convenientemente, durante as férias!

Continua a não existir um Acordo Colectivo de facto, que defenda os nossos direitos. E o Acordo de Empresa anteriormente em vigor, vai caducar em breve.

As OGMA não têm o futuro assegurado. O Governo PSD/CDS-PP, em 2004, privatizou as OGMA por €10 milhões a uma multinacional brasileira, a Embraer, quando a TAP, então pública, oferecia €40Milhões! Passaram mais 2 Governos PS, um PSD-CDS, e hoje de novo PS, e a TAP entrou em ruptura justamente por ter investido numa empresa de manutenção brasileira no Brasil, a Varig, (porque o Estado não lhe vendeu as OGMA), e a Embraer foi a semana passada comprada pela Norte-Americana Boeing.

As OGMA, empresa de Manutenção e Fabricação Aeronáutica, diminuiu muito a sua ligação à TAP e à Força Aérea Portuguesa e ficou fortemente dependente de manutenção de aviões Embraer. Agora, como ficamos? Nas OGMA, com esta gestão privada luso-brasileira, com muita presença do partido do Ministro da Defesa que privatizou as OGMA, o CDS-PP, tudo piorou. As condições de trabalho, mas também a qualidade do trabalho realizado, graças a um modelo assente na precariedade, falta de investimento em formação, e foco em lucros rápidos e prémios de produção para as chefias.

As OGMA, tal como a TAP, precisam de voltar a ser 100% públicas. Como é que num país em que o turismo cresce tanto, com cada vez mais aviões a aterrar cá, todos os dias, esta empresa não fabrica aviões civis para Portugal, nem faz a maior parte da manutenção das companhias aéreas a operar em Portugal? Se a TAP e as OGMA forem geridas em nome do interesse público, com o apoio da banca nacional (que já quase não existe), a manutenção e fabricação aeronáutica pode ser toda feita cá, gerando empregos de qualidade, com pessoal qualificado.

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