O problema não é a “maioria absoluta”, é o governo PS

As recentes eleições no Estado Espanhol representaram um tsunami político, com o PSOE a perder os seus principais municípios, capitais de província e regiões autónomas. Os seus parceiros no governo, Unidas Podemos, que formavam uma espécie de geringonça à espanhola, perderam 64,4% dos votos, enquanto que a direita tradicional se reforçou muito e  a extrema-direita duplicou de votação, passando a condicionar as decisões para a composição de uma alternativa ao governo pela direita após as eleições, antecipadas para daqui a 2 meses.

António Costa e o PS não ficam certamente indiferentes a este resultado. O seu governo tem sido o principal alvo de grandes manifestações e fortes greves, que se acentuaram neste ano, depois dos grandes protestos protagonizados pelos profissionais da Educação. O aumento do custo de vida, os pacotes com meras migalhas, a contínua destruição dos serviços públicos, tudo isto leva a que o PS esteja em queda livre nas sondagens e, na mais recente, já seja ultrapassado pelo PSD.

O Governo responde com repressão à contestação social. Os pesados serviços mínimos que impuseram aos profissionais da educação e aos trabalhadores judiciais são disso exemplo. Por outro lado, Costa continua, como tem feito desde 2015, a servir os interesses dos grandes grupos económicos. A recente alteração aos certificados de aforro – depois do pedido do chairman do Banco CTT, João Moreira Rato, para que o estado acabasse com este mecanismo – é apenas o exemplo mais recente. 

Por isso o seu Governo não tenta realmente controlar a inflação, visto que o controlo dos preços iria afetar negativamente os lucros das grandes superfícies. Assim chegamos à situação atual, com a destruição do poder de compra dos trabalhadores – através do aumento dos preços e da desvalorização salarial causada pela inflação –, enquanto os bancos e principais grupos económicos acumulam lucros extraordinários.

Esquerda parlamentar insiste no papel de boa conselheira

O fracasso da esquerda espanhola não deve ter sido recebido com surpresa pela esquerda portuguesa, que já viveu o mesmo descalabro há um ano e meio, refletindo-se não só no seu desgaste eleitoral, como na própria capacidade de mobilização dos partidos da esquerda parlamentar. Um dos exemplos mais notórios é a angariação de fundos do Bloco, que só consegue pouco mais de 8 mil euros, alcançando 10% do objetivo. Tal como o MAS tem afirmado, participar num Governo que defende os grandes interesses, ou apoiá-lo a uma “distância de segurança”, prejudicará sempre a própria esquerda.

Apesar dessa lição, a esquerda parlamentar continua a insistir na experiência fracassada da geringonça. Ainda no início do ano, Paulo Raimundo dizia que o PCP estava disponível para formar Governo com o PS. Paulo Raimundo continua a dar “raspanetes” ao governo, mas limita-se a isso, enquanto que a CGTP mantém as lutas dos trabalhadores divididas, garantindo a proteção do Governo. Por outro lado, no discurso de encerramento do congresso do Bloco, Mariana Mortágua falava de “um novo ciclo de incertezas, em que se instalou um poder absoluto”. Mortágua tem criticado a maioria absoluta, mas não o PS.

Tanto para o BE como para o PCP a fórmula é simples: o problema do atual governo é não fazerem parte dele. Mas muitas das políticas que o PS aplica hoje são as políticas que o PS aplicava no tempo da Geringonça. Não vimos, durante a geringonça, a recuperação dos serviços públicos, não vimos a retirada das leis laborais da troika, não vimos revogação dos vistos gold, uma recuperação efetiva do valor dos salários, etc. Voltar a insistir no papel de “boa” conselheira do Governo PS ou, imitando os seus companheiros espanhóis, integrar o Governo, não só não leva à resolução dos problemas da classe trabalhadora, como leva à destruição, tanto a nível eleitoral como organizativo, da esquerda.

Extrema-direita não pára de crescer. É preciso dar força à esquerda independente do PS

Entre as políticas que apenas servem os interesses dos senhores do dinheiro e a súplica permanente do Bloco e do PCP para voltarem a trabalhar com o PS, a extrema-direita aparece como a oposição pública ao governo e, por isso, não para de crescer. Ventura percebe o vazio deixado pela esquerda e, por isso, começa a tentar ocupar o seu lugar, colocando-se como o porta-voz do descontentamento contra as políticas de António Costa.

Infelizmente, foi o Chega que mais frontalmente atacou os lucros excessivos da banca – posição hipócrita de um partido que foi financiado por vários capitalistas com ligações ao falido BES. Agora, o Chega vai aproveitando a falta de mobilização da CGTP para construir um sindicato de extrema-direita, à semelhança também do que fizeram os seus correligionários do Vox no estado espanhol. Não é com o apoio ou a integração em governos que representam os interesses dos patrões e dos multimilionários, sejam eles mais ou menos progressistas, que se consegue governar para os trabalhadores e combater a extrema-direita. 

Os exemplos ibéricos mostram que essa unidade só leva ao enfraquecimento da esquerda e ao crescimento da extrema-direita, enquanto a vida dos trabalhadores se degrada. Perante uma esquerda parlamentar acomodada e cada vez mais ao centro, é preciso construir uma alternativa assente na mobilização dos trabalhadores e dos jovens, na luta por melhores condições de vida e de trabalho, contra as injustiças e a corrupção. O MAS coloca-se ao serviço das classes trabalhadoras, dos jovens e dos oprimidos para fazer parte da construção dessa esquerda de combate independente, anticapitalista e audaz, que não se verga nem aos interesses dos grandes grupos económicos, nem à chantagem do PS.

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