A Geringonça termina em maioria absoluta do PS e fortalecimento da extrema-direita

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O PS é o vencedor das eleições legislativas de 2022, com uma surpreendente maioria absoluta, a quarta maior vitória de sempre (perto de 2.300.000 votos) e o segundo melhor número de deputados de sempre (já tem 117 deputados e pode conseguir mais 2 ou 3). Venceu em todos os círculos eleitorais, com excepção da Madeira, e, salvo raras excepções, sempre acima dos 40%. Este era um cenário que nem o próprio Costa previa, tendo chegado a afirmar à RTP, no início da noite eleitoral: uma maioria absoluta “não é previsível”.

A imprevisibilidade que caracterizou estas legislativas; as sondagens que, na última semana, colocavam o PSD a ultrapassar o PS; o previsível crescimento da extrema-direita; a possibilidade de a desmobilização do “eleitorado de esquerda” dar origem a um governo da direita, tal como aconteceu nas autárquicas em Lisboa; ou pior, a possibilidade de a direita vir a conformar governo com a extrema-direita, tal como aconteceu nos Açores, contribuíram para confinar este acto eleitoral à lógica do “voto útil”, acabando mesmo por suplantar o relativo desgaste que o Governo PS tinha acusado nas autárquicas de 2021, há escassos meses.

A este conjunto de factores, junta-se um outro, decisivo: o baixo nível de mobilização social dos últimos anos, factor para o qual muito contribuíram as direcções do PCP e BE, acomodados aos corredores do parlamento, colocou-os reféns da política do PS e reduziu-os à mera contabilidade eleitoral, acabando por cumprir um papel determinante na vitória do PS

De qualquer forma, atenção: PS, BE, PCP, PAN e Livre, partidos que apoiaram a solução governativa dos últimos 6 anos, mantêm-se os mais votados, mas perdem perto de 100.000 votos, enquanto PSD, CDS-PP, Chega e IL mantêm-se os menos votados, mas ganham cerca de 500.000 votos, face a 2019. A distância entre os partidos que têm apoiado o Governo do PS e os partidos da direita e extrema-direita, reduziu-se para menos de metade: de cerca de 1.157.000 votos aquela distância passou para 556.000 votos, agora. São menos cerca de 600.000 votos. 

Ou seja, o PS, por efeito da política dúbia de BE e PCP e do “voto útil”, absorve uma parte considerável do eleitorado da esquerda, conquistando uma maioria absoluta, mas à direita acelera-se o seu processo de recomposição, através da qual a extrema-direita e a IL conquistam mais 520.000 votos, à custa, sobretudo, da direita tradicional.

A estratégia de BE e PCP serviu para fortalecer o PS até conseguir a maioria absoluta…

No total do país, ainda sem a contagem dos votos dos círculos da emigração, o PS consegue mais 340.000 votos, enquanto BE e o PCP juntos perderam 356.000 votos, sugerindo uma massiva transferência de votos do BE e PCP para o PS e, eventualmente, algumas franjas, até para a direita. Esta é uma tendência que se regista desde a assinatura dos acordos que deram origem à Geringonça: fortalecimento do PS e enfraquecimento de BE e PCP, terminando agora com uma das maiores derrotas destes últimos e uma maioria absoluta do PS.

O BE perde 52% dos votos (260.000 votos) e 14 deputados, ficando com uma bancada parlamentar reduzida a 5 deputados. Nem o objetivo número um de se manter como terceira força política, à frente da extrema-direita, foi alcançado. Passa de terceira a quinta força política, atrás do Chega e IL. Fica até com menos deputados que o PCP, embora com mais votos. O tombo chega a ser superior ao de 2011, altura em que o BE também foi penalizado por ter chumbado o PEC IV que levou ao fim de outro Governo PS, liderado por José Sócrates. 

Esta foi a terceira derrota eleitoral seguida do BE, depois das presidenciais de há um ano, com Marisa Matias, e das autárquicas de Outubro de 2021, em que o partido conseguiu apenas quatro mandatos nas autarquias.

O “taticismo eleitoral” de chumbo de um OE do PS em tudo semelhante aos aprovados anteriormente, que Catarina Martins tenta negar, foi por demais evidente, tendo resultado numa derrota em toda a linha. O problema está na estratégia política do BE, de recorrente aproximação ao PS. Para a juventude e os trabalhadores torna-se confuso que o BE alimente expectativas nas governações do PS, quando isso lhe traz dividendos eleitorais, mas diga o seu contrário quando os resultados eleitorais lhe são desfavoráveis. Este não pode ser o caminho para a juventude e os trabalhadores que procuram uma alternativa de esquerda ao PS e à direita.

A CDU, nos últimos 6 anos, com um trajecto semelhante, sofre a maior derrota em legislativas. Perde quase 30% dos votos, quase 96.000 votos e metade da bancada parlamentar, ficando com 6 deputados. Não elege em Évora pela primeira vez. João Oliveira, ex-líder da bancada parlamentar, não é eleito e os Verdes deixam de estar representados no parlamento.

O PAN também sofre com o “voto útil” e, muito provavelmente, com as contradições que a sua direcção e linha política encerram. O oportunismo político de se disponibilizar a governar tanto com a direita como com o PS, assim como os negócios agrícolas que Inês Sousa Real mantém, não serviram para reforçar o resultado do PAN, antes pelo contrário. O PAN perde 53% dos votos e desce para os 82.000 votos, 1,53% do total, voltando a eleger apenas em Lisboa, tal como em 2015. 

O Livre, com uma política acrítica e de reforço das governações do PS, surfou a onda e acabou por beneficiar do próprio “voto útil”, conseguindo contrariar a tendência de queda à esquerda do PS e eleger Rui Tavares. Sem dúvida que a sua participação nos debates televisivos contribuiu positivamente para a exposição mediática e para o resultado alcançado, conseguindo 69.000 votos em termos nacionais, mais do que os 57.000 de há dois anos. 

O MAS, com uma política de exigência ao PS e à esquerda tradicional, é o outro partido da esquerda que consegue contrariar a tendência de queda. Olhando para os 8 círculos a que concorremos nas legislativas anteriores, identificamos um crescimento que ronda os 20%. No total, conseguimos 6.000 votos, um resultado modesto, que poderia ser mais expressivo, caso o peso do “voto útil” não tivesse sido tão avassalador. Este nosso crescimento, ainda que se mantenha num patamar modesto, pesado no contexto de uma dura perda da esquerda tradicional, parece demonstrar que o espaço para uma renovação à esquerda não só existe, como deve ser construído. Estamos convencidos que demos os primeiros passos nesse sentido.

Quanto ao PCTP/MRPP, com uma dinâmica completamente oposta à do MAS, mantém a tendência de paulatina extinção eleitoral, tendo concorrido apenas a 9 círculos e conquistado 10.800 votos. Uma última nota para o ADN, partido negacionista, que procura acoplar com o descontentamento que alimenta este tipo de movimentos por todo o mundo, mas que em Portugal não representam mais de 0,19%, 10.000 votos. 

… e fortalecer a extrema-direita

À direita, a sua recomposição dita uma dura derrota para os partidos tradicionais e um lamentável crescimento da extrema-direita e IL. O PSD consegue mais 41.000 votos, mas regista o quarto pior resultado em legislativas, com uma diferença de 14 pontos percentuais, menos 748.000 votos, face ao PS. Em número de deputados, o PSD fica com 76, podendo chegar a 78 (com a emigração). Praticamente o mesmo que tinha. Desta forma, Rui Rio, ainda que não tenha ainda assumido a sua demissão, afirmou que não tem mais argumentos que lhe permitam continuar à frente do partido. Quanto ao CDS-PP, a noite eleitoral confirmou a catástrofe anunciada: teve apenas 87.000 votos, sem eleger qualquer deputado. Francisco Rodrigues dos Santos demitiu-se na própria noite eleitoral.

Quanto à IL que, em 2019, se tinha estreado em eleições, com 1,29% dos votos, precisamente 67.681, agora, disparou: conseguiu 268.414, mais do que o CDS-PP há dois anos. Conquistou 8 deputados, em quatro distritos, tantos quantos hoje tem a CDU. A IL passou em dois anos para quarto partido do Parlamento. E superou bastante, até, o número de votos de Tiago Mayan nas presidenciais de janeiro de 2021 – 134.484 votos.

O Chega sobe ainda mais do que a IL e conquista um resultado que nos deve colocar em alerta. Passa de 67.826 votos, em 2019, para perto de 386.000 votos, mais, sensivelmente, 117.000 do que os liberais. É a terceira força política no Parlamento, com 7,15% dos votos (a fasquia mínima que tinha traçado) e 12 deputados – eleitos em Lisboa, Porto, Aveiro, Braga, Faro, Leiria, Santarém e Setúbal. Mesmo assim, Ventura perde votos face ao que tinha conseguido nas presidenciais: menos 111.000 do que nessa altura. A extrema-direita autoritária e antidemocrática consolida-se no parlamento, naquilo que ficará conhecido como uma das maiores ingenuidades do regime em que vivemos: permitir que organizações de extrema-direita antidemocráticas e que perfilham a ideologia fascista concorram a eleições.

Portanto, a direita está mais dividida, mas reforça as suas alas mais autoritárias e mais neoliberais, sobretudo, à custa dos seus representantes tradicionais

Para concluir, a concentração de votos no PS e a derrota da direita tradicional expressa nitidamente que a memória dos anos de chumbo da Troika e do último Governo PSD/CDS-PP está bem presente, tendo motivado uma importante mobilização eleitoral para que a direita não volte a governar, muito menos em acordo com a extrema-direita.

Ainda assim, o resultado da lamentável adaptação de BE e PCP ao governo do PS está à vista: António Costa consegue o pleno, mesmo após 6 anos de governação e a acusar algum cansaço e desgaste; BE e PCP sofrem mais uma dura derrota eleitoral, tendo-se aberto o caminho ao crescimento da extrema-direita e dos liberais. 

Fica difícil acreditar que António Costa irá, agora, com maioria absoluta, resolver muitos dos problemas que não teve interesse em resolver nos últimos 6 anos. Se esta desconfiança se confirmar, a possibilidade de um governo da direita tradicional coligada com a extrema-direita tornar-se-á uma realidade cada vez mais palpável no decurso da próxima legislatura.

À esquerda do PS exige-se uma reflexão dos últimos 6 anos e um reforço das mobilizações da juventude e trabalhadores que permitam resolver a precariedade, a especulação imobiliária, a crise ambiental e a opressão estrutural. É urgente uma renovação da esquerda tradicional e esse processo pode ter-se iniciado.

A todos os que se identificaram com a Renata e com o projecto do MAS, apelamos a que nos venham conhecer e ajudar a construir a renovação da esquerda tradicional que tanto precisamos.

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