Plano de Costa traz Mais Especulação

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O novo pacote “Mais Habitação”, apresentado pelo Governo PS, no valor de €900 milhões, devia servir para, pelo menos, amenizar a crise habitacional. Infelizmente, parece que não é assim.

António Costa identifica que o problema dos preços e rendas exorbitantes se deve à falta de oferta, pelo que se propõe a “aumentar a oferta de imóveis para habitação; agir para a simplificação dos processos de licenciamento; assegurar que há mais casas no mercado de arrendamento[1]. Esta é precisamente a mesma abordagem que a direita faz ao problema. Montenegro, do PSD, no seu recém apresentado programa “um novo caminho para a habitação”, também identifica que o “problema é sobretudo de falta de oferta”[2].

Este é o diagnóstico conveniente aos interesses dos fundos de investimento imobiliário, construtoras e turismo, ávidos de continuar a construir e a lucrar, mas não podia ser mais ao lado. De acordo com a Associação Nacional de Proprietários, em 2011, o excesso de casas já existente na altura iria quase dobrar: de 1 milhão passaríamos para 1,9 milhões de casas vazias[3]. Ora, no presente ano de 2023, estima-se que existam precisamente 1,8 milhões de casas vazias no país[4]. Segundo, Luís Mendes, investigador no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, Portugal “regista um superavit de habitações, o maior na União Europeia”[5].

Se não faltam casas, porque é que o PS e a direita nos querem convencer de que a raiz do problema é precisamente a falta de casa? É o diagnóstico conveniente ao interesse primordial de não só não restringir a especulação imobiliária, sobretudo, de grandes fundos de investimento, grupos hoteleiros e construtoras, como dar-lhe uma boa ajuda através de recursos públicos.

Para não tabelar preços, nem rendas, nem taxas de juro, nem controlar camas turísticas, nem o surgimento de novos hotéis, Costa aponta, tal como a direita, que o problema deve ser resolvido através da subsidiação pública dos interesses privados. Ora, vejamos o que Costa nos propõe:

1 – Facilitar licenciamento; disponibilizar terrenos do Estado para nova construção; e facilitar a conversão de imóveis comerciais para fins habitacionais

Para acelerar o licenciamento, tal como a direita propõe a “disseminação de estímulos para construção e promoção imobiliária [6], o PS assume que passarão a ser os projetistas, qual advogado em causa própria, a assumir o licenciamento da obra por si projetada.

Para além disso e também à semelhança daquilo que a direita propõe com “um incremento da construção modular [7], o Governo PS disponibilizará – ao que parece, sem custos associados – terrenos para construção de novas habitações modulares, assim como simplificará processos para a conversão de edifícios comerciais em edifícios habitacionais. Aqui, a direita vai mais longe e propõe ainda desobrigar as construtoras de criarem áreas verdes em loteamentos porque, justifica – espantemo-nos: “os municípios não têm capacidade, nem recursos financeiros, para assegurar o investimento e a manutenção destes espaços”[8].

Num país em que a qualidade da construção e o ordenamento do território são, como sabemos, dos piores da Europa, estas medidas só prometem mais problemas. Nenhuma destas medidas contribuirá para baixar preços ou rendas, mas o sector imobiliário e da construção agradecem, pois será mais simples, mais barato, assim como mais lucrativo, construir e comercializar casas de baixa qualidade.

2 – Financiamento público de obras em casas devolutas ou com baixas condições; financiamento público da conversão de Alojamento Local para arrendamento habitacional; financiamento público das rendas que superem 35% dos rendimentos da família

Mais uma vez, à semelhança daquilo que a direita propõe com o “regime excecional de eliminação ou redução dos custos tributários em obras de construção ou reabilitação em imóveis destinados a habitação permanente”[9], o Governo PS disponibilizará €150 milhões públicos para financiar os municípios a realizarem obras em casas devolutas ou com baixas condições, medida irrelevante uma vez que tal não só já é possível ser feito pelos municípios, como o valor alocado é irrisório para tanta casa devoluta no país. Já para não falar da dúvida sobre quem irá usufruir dos benefícios extraídos das casas recuperadas. Os municípios irão suportar os custos da recuperação de casas para os seus proprietários beneficiarem de rendas ou da sua venda, contribuindo para a especulação imobiliária?

Para além disso, será ainda criada uma taxa zero de IRS sobre rendimentos prediais, a aplicar aos proprietários que transformem os seus alojamentos locais em arrendamento habitacional. Esta é uma medida igualmente insignificante, uma vez que os lucros extraídos de um alojamento local, aos preços existentes, continuarão bem acima de tal benefício fiscal, para além de este benefício ser apenas mais uma transferência de recursos públicos para os proprietários, sem que exista qualquer controlo dos preços ou das rendas.

A acrescer, será ainda financiado com recursos públicos o pagamento das rendas que superem 35% dos rendimentos familiares, até um máximo de €200/mês. Esta é uma medida que, a ser implementada, poderá beneficiar muitas famílias no imediato, mas que a prazo e sem o devido controlo do valor das rendas, apenas contribuirá para o seu aumento, numa mera transferência de recursos públicos para os inquilinos que, por sua vez, transferirão tais valores para os senhorios.

3 – Taxa de juro fixas sem teto máximo e financiamento público dos juros dos créditos à habitação

Tal como a direita propõe uma “maior aposta na taxa fixa”[10], Costa defende que “todos os bancos têm de oferecer no seu portfólio créditos a taxa fixa, nos créditos à habitação”. No entanto, estes podem fixá-la no patamar que melhor lhes convier, de acordo com as suas perspetivas de lucro. As taxas de juro não sofrerão assim qualquer tipo de controlo, antes pelo contrário. Com taxas de juro em crescendo, os bancos tenderão a oferecer as taxas de juro fixas o mais alto possível.

Para além disso, Costa compromete-se com o subsídio em 50% a taxas de juro dos créditos à habitação até aos €200 mil. Tal como o subsídio às rendas, o subsídio aos juros dos créditos à habitação poderá beneficiar muitas famílias no imediato, mas, a prazo e sem o devido controlo dos preços das casas e das taxas de juro, apenas contribuirá para o seu aumento, numa mera transferência de recursos públicos para os bancos, entidades que já registam lucros astronómicos.

4 – Estado arrenda casas aos senhorios e compra casas a proprietários

O Governo propõe que o Estado arrende a casa de um proprietário para, de seguida, a arrendar a um inquilino, suportando a gestão do arrendamento e, inclusive, poder pagar “antecipadamente a renda do ano seguinte [ao proprietário] correndo por conta própria o risco da cobrança da renda”[11]. É o sonho de qualquer senhorio: receber rendas em adiantado, sem incorrer no risco de incumprimento do inquilino, uma vez que, mesmo em caso de incumprimento, o Estado compromete-se a substituir o inquilino no pagamento ao senhorio. Tudo isto, a “rendas acessíveis”, termo que o Governo não se atreve a quantificar, continuando ao critério da especulação.

Para além disso, Costa propõe ainda que o Estado compre casas aos proprietários, conferindo-lhes isenção do imposto sobre as mais-valias imobiliárias obtidas com a venda. Para além da borla fiscal, a que preço irá o Estado comprar casas? Aos absurdos preços de mercado, distribuindo mais-valias? E como irá o Estado gerir um parque habitacional crescente, sem ter hoje capacidade para gerir convenientemente o que já possui?

São propostas absurdas, logo a começar pela impossibilidade de o Governo PS as poder colocar em prática, isto sem falar no esbanjamento de recursos públicos que tais medidas exigiriam sem resolver qualquer problema na habitação.

Apesar das evidentes semelhanças entre as propostas de Costa e da direita, é precisamente com estas últimas medidas que a direita procura convenientemente polarizar a opinião pública em torno do fantasma de uma suposta “expropriação de casas”. Costa não se propõe a expropriar seja o que for. Costa não se propõe sequer a uma política de habitação pública, quanto mais à expropriação e gestão pública de casas.

O que Costa propõe é fazer algo semelhante ao que fez no Novo Banco, sem qualquer ameaça sobre a propriedade privada: suportar os riscos e custos dos proprietários e entregar-lhes os benefícios em adiantado. Em momento algum, esta medida poderá vir a assumir um caracter “compulsivo”, como a direita nos quer fazer crer, a começar pelo facto de Costa não ter qualquer o interesse político em fazê-lo. Para que é que Costa iria comprar tal guerra, num país com 75% de proprietários e 25% de inquilinos?

Tal como procurámos demonstrar, o pacote “Mais habitação” é, tão e somente, mais especulação, pois não trará qualquer controlo sobre preços, rendas, taxas de juro, camas turísticas ou a construção de novos hotéis. Este pacote subsidiará, com recursos públicos, a especulação imobiliária existente.

É preciso parar a especulação de grandes fundos imobiliários, construtoras e bancos. Colocar um fim à Lei Cristas e exercer o controlo público do mercado imobiliário e de arrendamento. É preciso tabelar preços das casas e fixar as rendas em 30% do salário. É preciso investimento sério em habitação pública, sobretudo na reabilitação, com a devida expropriação, de edifícios devolutos. É preciso controlar as taxas de juro dos bancos. É preciso definir um nível máximo de hotéis e unidades de alojamento local, assim como um número máximo de estadias, por habitante. Em síntese, é preciso fazer aquilo que Costa quer evitar: domesticar o mercado em função do interesse público.


[1] https://expresso.pt/economia/economia_imobiliario/2023-02-16-Rendas-creditos-proprietarios-Airbnb-saiba-como-vai-funcionar-cada-uma-das-15-medidas-para-a-habitacao-94f6d5ff

[2] https://expresso.pt/economia/economia_imobiliario/2023-02-15-O-PSD-apresentou-um-pacote-de-medidas-para-a-habitacao-mas-os-especialistas-tem-algumas-reservas-dc22d3e5

[3] https://www.proprietarios.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=147&Itemid=133

[4] https://amensagem.pt/2023/02/06/casas-vazias-lisboa-promover-habitacao-publica-mobilizar-devolutos/

[5] https://expresso.pt/economia/economia_imobiliario/2023-02-15-O-PSD-apresentou-um-pacote-de-medidas-para-a-habitacao-mas-os-especialistas-tem-algumas-reservas-dc22d3e5

[6] https://expresso.pt/economia/economia_imobiliario/2023-02-15-O-PSD-apresentou-um-pacote-de-medidas-para-a-habitacao-mas-os-especialistas-tem-algumas-reservas-dc22d3e5

[7] idem

[8] idem

[9] idem

[10] https://expresso.pt/economia/economia_imobiliario/2023-02-15-O-PSD-apresentou-um-pacote-de-medidas-para-a-habitacao-mas-os-especialistas-tem-algumas-reservas-dc22d3e5

[11] https://expresso.pt/economia/economia_imobiliario/2023-02-16-Rendas-creditos-proprietarios-Airbnb-saiba-como-vai-funcionar-cada-uma-das-15-medidas-para-a-habitacao-94f6d5ff

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