Explosão da geringonça

Qual o preço de 6 anos de Geringonça?

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As eleições autárquicas de Setembro fizeram amadurecer a situação política nacional. Como referimos aqui1, não só acusaram um desgaste do Governo PS superior ao esperado, como castigaram duramente a esquerda, seu pilar de apoio, abrindo portas à recomposição da direita.

A dura punição autárquica sofrida pelo PCP foi a gota de água, de uma série de derrotas eleitorais, que o levou a fazer o seguinte cálculo: mais vale romper imediatamente com o apoio ao Governo PS, aguentar as consequências eleitorais que daí advierem, serenar a insatisfação interna e poder retomar um lugar na oposição, com vista a uma possível recuperação eleitoral mais adiante, que manter o apoio ao Governo PS, definhando paulatinamente, com consequências indefinidas para daqui a 2 anos. Este foi o mesmo cálculo já feito pelo BE há 1 ano, com o chumbo do OE2021.

O cálculo eleitoral explica que PCP e BE, que tanto agitaram o fantasma da direita para justificar o seu contributo para a aprovação de 6 Orçamentos do Estado do PS, sejam agora os mesmos que chumbam o OE2022, em tudo semelhante aos anteriores, abrindo a possibilidade para um cenário ainda pior: um governo da direita com a extrema-direita.

Num contexto de dissolução da Assembleia da República e convocação de novas eleições legislativas, um governo da direita com a extrema-direita pode não ser um cenário certo, mas é um dos possíveis, com algum grau de probabilidade. Certo é que BE e PCP pagarão caro pela sua inconsistência programática, incoerência política e calculismo eleitoral. Certo é que a extrema-direita crescerá significativamente. Certo é que, na dança do passa-culpas, o PS sairá beneficiado. Veremos se a direita tradicional se consegue recompor. O Presidente da República Marcelo está cá para ajudar nessa tarefa.

Daqui podem resultar ainda outros dois cenários. Ou um reforço do PS, sem conseguir conquistar a maioria absoluta, beneficiando do voto útil à esquerda para evitar um retorno da direita ao poder. Ou uma maioria absoluta do PS. Embora improvável, é neste cenário que o PS apostará tudo.

Seja qual for o cenário que se venha a concretizar, onde nos trouxe a Geringonça?

Manteve-se o programa de completa desregulação laboral deixado pela troika. Ter emprego em Portugal não significa escapar à pobreza2. Mais de um terço dos pobres, em Portugal, são trabalhadores. Os salários não são só muito baixos como a sua evolução não permite melhorar as condições de vida. O poder de compra dos trabalhadores está pior que há dez anos3. A carga fiscal alcançou os 34,8% do PIB, em 2020, superando o “enorme aumento de impostos” de Vítor Gaspar que tinha deixado a carga fiscal nos 30,4%, em 2015. Não houve qualquer reversão da razia de privatizações e destruição dos serviços públicos a que a direita nos submeteu. O investimento nos serviços públicos, dos últimos 6 anos, não chegou sequer para reverter o seu desgaste4. A intervenção estatal na TAP ou na Efacec apenas serviram para, tal como no NB, tapar, com recursos públicos, os erros de gestão e/ou corrupção das suas administrações. Não evitaram sequer os milhares de despedimentos. Hoje fica claro que o programa de “virar a página da austeridade” da Geringonça nunca foi cumprido.

Há quem prefira fechar os olhos e agarrar-se à crença de que a realidade não é a acabada de descrever, convencendo-se de que a Geringonça é o melhor caminho para evitar um possível governo da direita e extrema-direita. A realidade prova exactamente o contrário. Estamos convencidos de que foi precisamente esta solução governativa, sem uma séria oposição à esquerda da parte de BE e PCP, que tem, agora, como resultado o reforço do PS, a oportunidade de recomposição da direita e a abertura do espaço para o crescimento da extrema-direita. Em suma, a Geringonça foi um bálsamo para o regime, iludindo os trabalhadores e mantendo-os desmobilizados.

A direita e a extrema-direita não se combatem com pequenas variações ao seu programa. Para isso, os trabalhadores explorados e oprimidos preferirão os originais. Combatem-se com a mobilização da classe trabalhadora. BE e PCP devem assumir-se como uma alternativa viável ao PS e à direita, comprometendo-se com a efectiva defesa dos interesses dos trabalhadores e sectores mais empobrecidos da sociedade. A sua confluência é urgente e necessária. Ninguém compreenderá que tenham juntado esforços para apoiar o PS e não sejam capazes de juntar esforços em torno de um projecto de esquerda para o país. Da nossa parte, declaramos toda a disponibilidade para possíveis confluências. Ou é isso, ou não resta alternativa que não seja renovar a esquerda.

1 http://mas.org.pt/index.php/2021/09/30/autarquicas-2021-ps-castigado-be-e-cdu-pagam-caro-e-lisboa-insufla-a-direita/

2 https://rr.sapo.pt/artigo/francisco-sarsfield-cabral/2021/04/16/mas-e-boas-noticias-sobre-salarios/234812/

3 https://www.dn.pt/edicao-do-dia/16-dez-2020/poder-de-compra-dos-portugueses-esta-pior-do-que-ha-dez-anos-13142802.html

4 https://www.jornaldenegocios.pt/economia/financas-publicas/detalhe/investimento-publico-nem-chega-para-repor-desgaste

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