Bazuca falhada autárquicas 2021

Autárquicas 2021: PS castigado, BE e CDU pagam caro e Lisboa insufla a direita

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A tónica dos resultados autárquicos acabou marcada pela inesperada vitória da coligação de direita, capitaneada por PSD/CDS-PP, em Lisboa. Este resultado, é uma dura derrota para o PS, acabando mesmo por ofuscar o facto de este não ter deixado de ser o partido mais votado (cerca de 1,7 milhões de votos – mais 21.000 votos que a coligação de direita) e com mais câmaras conquistadas (149 câmaras, mais 35 que o PSD), a nível nacional.

A vitória em Lisboa, pela coligação de direita, é acompanhada pela recuperação de um importante conjunto de câmaras, de onde se destacam Coimbra, Funchal, Barcelos e Portalegre, ficando o PSD com 114 câmaras e o CDS-PP com as 6 câmaras que já detinha. Para o PSD, este resultado, ultrapassa o número de câmaras ganhas nas duas últimas autárquicas em que era liderado por Passos Coelho.

É desta forma que, ao centro, se parece conformar uma espécie de empate político em que PS ganha, mas não encontra motivos para festejar, por contrapartida da coligação PSD/CDS-PP que, não sendo a mais votada, consegue alcançar um resultado acima daquilo que era expectável, levantando o espectro de uma possível mudança de ciclo político. No seguimento do resultado das últimas eleições regionais dos Açores e das recentes eleições autárquicas, esta é uma hipótese sobre a qual devemos seriamente ponderar e actuar, sobretudo se, para além de PS e PSD/CDS-PP, olharmos para os resultados dos restantes partidos.

À esquerda, CDU e BE sofrem importantes derrotas. A CDU, não deixa de ser a terceira força política autárquica, mas perde 81.000 votos, a nível nacional, registando o seu pior resultado. Nas últimas autárquicas tinha perdido 10 importantes câmaras. Agora, volta a perder mais 5 (sobretudo para o PS), entre as quais se destaca Loures. Não consegue recuperar nenhuma das importantes câmaras que tinha perdido em 2017, de onde se destaca Almada e Barreiro. Mantém Évora, por 300 votos face ao PS, e mesmo em Lisboa, onde a CDU afirma que a sua influência está a crescer, João Ferreira apenas consegue mais 1.500 votos que em 2017, conservando os 2 mandatos de que já dispunha. Quanto ao BE, perde cerca de 33.000 votos e passa de um total de 12 para 4 mandatos, a nível nacional. O Porto, onde conquista 1 mandato, deverá ser dos poucos elementos positivos destas autárquicas para o BE.

Em sentido inverso, boa parte dos votos perdidos pelo “centrão” e suas coligações (perdem perto de 250.000 votos, face a 2017) ou foram ganhos para a abstenção ou terão sido conquistados pelo Chega e Iniciativa Liberal (IL). Estes dois partidos concorreram a eleições autárquicas pela primeira vez, tendo o Chega conquistado cerca de 206.000 votos e o IL 64.000. Apesar de o Chega ficar longe daquilo a que se tinha proposto: “ser a terceira força política autárquica”, à frente da CDU e do BE, e de ficar igualmente longe dos 500.000 votos, das Presidenciais, consegue ficar à frente do BE, superando os melhores resultados deste último, a nível nacional. Já o IL, apesar de não ter conseguido conquistar nenhum mandato a nível nacional, tem um primeiro resultado autárquico com alguma relevância: aproximadamente metade dos votos do BE. Portanto, a extrema-direita demonstra capacidade eleitoral, também em autárquicas, elemento que não deve ser descurado.

O que revelam os resultados autárquicos?

Estes resultados impõem uma reflexão, com consequências para o conjunto do país. A primeira consideração que se impõe é que, apesar de se manter como o partido mais votado, o PS é evidentemente castigado nestas eleições. Para além de perder Lisboa, perde um total de 12 câmaras e as candidaturas autónomas do PS perdem perto de 250.000 votos, a nível nacional.

Só em Lisboa, o PS, mesmo coligado com o Livre, perde cerca de 25.000 votos, face a 2017. A mudança sociológica da base eleitoral do PS e da esquerda, em Lisboa, é um factor pertinente, fruto de uma política, nacional e municipal, desastrosa, virada para o turismo e especulação imobiliária que empurrou uma parte da sua base eleitoral para fora da cidade, mas não explica o fundamental. Se assim fosse, como explicamos que o executivo da CML continue a ser composto por uma maioria do PS, CDU e BE? O problema é mais profundo e não se resume a Lisboa.

Os resultados autárquicos deixam transparecer um desgaste do PS, a nível local e nacional, superior ao temos vindo a caracterizar e com evidentes consequências para o Governo. O Governo PS está desgastado, depois de 18 meses de uma pandemia mundial que exigiu uma resposta diária. Se é verdade que o Governo PS conseguiu ir gerindo com relativo sucesso a crise pandémica, não é menos verdade que importantes erros se foram acumulando, aos quais se junta o insuficiente reforço dos serviços públicos e dos apoios a trabalhadores e pequenos negócios. Vivendo num país entregue ao turismo e à especulação imobiliária e tendo sido precisamente estes dos sectores mais afectados, é de esperar que a insatisfação face ao Governo PS tenha aumentado, sobretudo entre as classes médias e pequenos negócios, sem excluir as classes mais baixas. Ainda para mais quando sabemos que Portugal foi dos países que menos gastou com apoios no combate aos efeitos da pandemia, a nível europeu.

Os maiores beneficiados da pandemia são precisamente as grandes empresas que, à boleia das leis laborais deixadas pela Troika e nunca revertidas pelo PS, aproveitam para despedir em barda: Galp, Santander, BCP, Saint-Gobain Sekurit, Efacec, etc. Nem a TAP, sob intervenção estatal, escapou a milhares de despedimentos. Durante a campanha autárquica, António Costa bem tentou, oportunisticamente, distanciar-se dos despedimentos destas grandes empresas, denunciando o despedimento da Galp, em Matosinhos, mas o tiro saiu-lhe pela culatra. Este episódio pode mesmo ter sido o melhor retrato das eleições autárquicas.

A segunda conclusão é a de que o desgaste do Governo PS é extensível a CDU e BE, uma vez que o têm apoiado. Há 6 nos atrelados ao PS, sem um vislumbre de projecto alternativo, sem conformarem uma oposição digna desse nome, sem uma perspectiva de futuro para o país que não seja a anual negociação orçamental, sem uma estratégia de mobilização social em torno de uma verdadeira melhoria das nossas condições de vida, BE e CDU pagam caro. As ruas estão à mercê da extrema-direita e de pequenos grupos lunáticos que as vão ocupando. A esquerda parlamentar tem contribuído para a desmoralização e desmobilização da sua base social de apoio que, ora foge para o PS, ora se entrega à abstenção. Por arrasto, toda a esquerda acaba por pagar o preço da política de conciliação do BE e CDU com o PS.

Estes são os elementos de fundo pelos quais PS, BE e CDU são castigados nestas eleições. A precariedade, os problemas de habitação, o fraco investimento nos serviços públicos e os baixos salários estão por resolver, há 6 anos, por um Governo que se diz de esquerda. E não há perspectivas de que tais problemas se venham a resolver.

Em terceiro lugar, com esta política, o desgaste teria de chegar em algum momento e parece que quem o capitaliza, infelizmente, é a direita e extrema-direita que, por falta de oposição à esquerda, se conseguem colocar como a única oposição existente. Há quem se esforce por distorcer esta relação e afirme que a esquerda não tem qualquer responsabilidade no crescimento da extrema-direita. No entanto, ela revela-se, um pouco mais, todos os dias.

O quarto elemento importante é que, por contraditório que seja, a direita tradicional supera as suas próprias expectativas, mas mantém os elementos de crise e reorganização dos seus sectores mais reaccionários. Em Lisboa, por exemplo, Moedas não criou nenhuma onda de apoio que fizesse prever a vitória. Moedas é um candidato pouco carismático; que entrou, várias vezes, em contradição com as políticas de que fez parte, durante o Governo Passos Coelho; e que se apresentou como mero negativo das políticas de Medina, chegando mesmo a utilizar o falso espantalho do “socialismo”, à boa maneira da extrema-direita. A sua campanha política foi fraca, sem qualquer visão de futuro. Para o confirmar, verifiquemos os resultados absolutos: apesar de aparecer com uma coligação de direita, que juntou 5 partidos, Moedas conseguiu apenas mais 2.800 votos quando comparada com as duas candidaturas de PSD e de CDS-PP/MPT/PPM, de 2017. Para além disso, actualmente, Moedas consegue apenas mais 2.300 votos que Medina, quando este, conforme já referido, perdeu cerca de 25.000 votos. Podemos ainda acrescentar a aproximação desesperada de PSD/CDS-PP à política da extrema-direita, seja através do discurso de ódio racista e da política do policiamento, seja através da perseguição à suposta “subsidiodependência”, seja pelo recurso a candidatos acabados de sair de populares programas televisivos, tal como Suzana Garcia, na Amadora, cujos resultados deixaram muito a desejar. PSD/CDS-PP beneficiam, portanto, mais do desgaste político e soberba do PS que do seu próprio mérito. Reflexo disso, são os consideráveis resultados da extrema-direita.

Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos, duas direcções fragilizadas, procurarão agora retirar todos os dividendos deste resultado, extrapolando-os a nível nacional e mantendo os seus aparatos internos o mais estáveis possível. No entanto, é preciso manter as devidas distâncias entre eleições autárquicas e legislativas. Assunção Cristas foi precisamente vítima de uma vertigem semelhante, nas últimas eleições autárquicas e legislativas. É necessário ter em conta a popularidade que o Governo PS vai demonstrando. Assim como é necessário perceber como é que Moedas vai governar a cidade de Lisboa, uma vez que PSD e PS têm, ambos, 7 mandatos cada, e que os restantes 3 mandatos foram atribuídos à CDU e BE.

Estaremos na presença de uma mudança de ciclo político?

A disjuntiva que as eleições autárquicas levantam é a seguinte: pode vir a reproduzir-se um governo nacional composto pela direita e extrema-direita, semelhante ao governo regional dos Açores? Ou, estamos na presença de um mero percalço autárquico do PS, não estando em causa um novo Governo PS?

O impressionismo não é bom conselheiro, pelo que, neste momento, desaconselha-se uma resposta categórica a esta disjuntiva. Sob o espectro de uma crise social e económica, ainda muitos elementos da realidade se podem alterar e amadurecer. O resultado autárquico destabilizará o PS a ponto de o seu aparente desgaste se acelerar? A direita tradicional conseguirá superar a sua crise? BE e CDU continuarão a apoiar o PS, deixando a oposição entregue à direita e extrema-direita? A mobilização social da classe trabalhadora assumirá maior protagonismo na situação política?

Embora o PS pareça sair relativamente prestigiado do combate à pandemia, disponha de uma “bazuca” para implementar e tendo sido o partido mais votado nas autárquicas, o seu resultado demonstra que a política seguida até aqui está sob escrutínio e pode ter atingido os seus limites. Por outro lado, neste momento, o resultado autárquico contribui para que as condições de um possível governo da direita e extrema-direita sejam mais favoráveis que antes.

Se assim for, o que é que BE e CDU irão fazer? Continuar atrelados ao PS? Está visto que os mais penalizados por esta política, são os próprios. É fundamental que BE e CDU rompam definitivamente com a política de conciliação com o PS. As eleições regionais dos Açores e as presentes eleições autárquicas de Lisboa são importantes avisos daquilo que pode vir a acontecer a nível nacional.

É preciso retomar uma política exigente face ao Governo PS, que melhore efectivamente as nossas condições de vida e de trabalho. O PRR já está a avançar, mas a esquerda decidiu alhear-se da sua implementação. Para que vai servir tanto dinheiro? Vai servir para uma transformação produtiva do país, emprego com direitos e sustentabilidade ambiental? Uma esquerda exigente será fundamental para que assim seja. O MAS está disposto a ajudar na sua construção.

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