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A pandemia deixa evidente a importância estrutural dos serviços públicos


Já são praticamente 100 mil novos desempregados desde o início da pandemia, sobretudo entre os trabalhadores e trabalhadoras mais precárias. Os bancos alimentares estão a apoiar 440 mil pessoas, mais 60 mil que antes da pandemia. O Banco de Portugal (BdP) prevê uma quebra média dos salários perto dos 10%, com maior peso sobre as funções onde os salários já são mais baixos.

 

Os profissionais de saúde e de educação estão a ser esmifrados até ao tutano. Os trabalhadores das grandes cadeias de super e hipermercados, por exemplo, são pressionados a aderir a bancos de horas, sob a promessa de que poderão vir a gerir mais convenientemente os seus horários e vida pessoal, prescindindo do pagamento das horas extra que lhes são devidas.

O teletrabalho instalou-se, atomizando cada trabalhador e alienando a capacidade de resposta sindical. A saúde mental degrada-se rapidamente, transformando-se num grave problema social. Os micro e pequenos empresários de sectores como o da restauração, assim como os seus trabalhadores, estão com a corda na garganta e saem à rua em desespero. Esta é a crise social e económica que se aprofunda por trás dos anúncios diários de novos infectados.

Por sua vez, os grandes grupos económicos e financeiros aproveitam para operar grandes “reestruturações”. Assim que acabaram as limitações impostas pelo layoff simplificado, começaram os despedimentos colectivos nas grandes empresas, emagrecendo as suas estruturas como forma de proteger os lucros dos accionistas. Os números de despedimentos colectivos já são os mais elevados desde 2014, envolvendo milhares de postos de trabalho. Segundo o jornal Expresso, a banca e seguros, o sector farmacêutico, a hotelaria, os serviços, o comércio e os transportes lideram os processos de despedimentos.

As medidas do Governo Costa, mais preocupado com o controlo do défice e com as injecções de capitais públicos na banca, são circunstanciais, insuficientes e tardias. É incompreensível, mas a mão invisível do mercado que nos trouxe à crise que atravessamos desde 2008 continua a merecer toda a confiança dos governos da UE. A força de trabalho, os serviços públicos e o sistema produtivo são sacrificados, enquanto as injecções na banca e o pagamento da dívida e dos seus juros são sagrados. O Estado social e os direitos democráticos e laborais dão lugar ao Estado policial, como forma de conter o descontentamento popular. É necessário romper com este ciclo!

Se a esquerda parlamentar não construir uma oposição efectiva e independente a este tipo de governação, não poderemos esperar outra coisa que o crescimento da extrema-direita. PSD e CDS-PP acabam de demonstrar, através das eleições nos Açores, que não terão qualquer problema em conformar uma aliança com a extrema-direita autoritária e racista para chegar ao poder.

O PCP marca passo ao lado do PS mas o BE dá um sinal positivo ao votar contra o último Orçamento do Estado para 2021, rompendo com a política que tem seguido nos últimos 6 anos. Este caminho deve agora assumir um caracter estrutural e ter um reflexo nas ruas, através da mobilização. Isso exige que, independentemente do resultado da auditoria ao NB, o BE, mas também o PCP, se oponham a qualquer nova injecção de dinheiros públicos na banca privada. Os accionistas privados da Lonestar, que detêm 75% do NB, que assumam as suas responsabilidades.

No imediato, o dinheiro público que tem sido enterrado na banca privada é necessário para investir nos serviços públicos; é necessário na garantia de um apoio digno, no valor de um salário mínimo, durante 1 ano, para todos os que perderam rendimentos ou o emprego; e é necessário para apoiar as micro e PME que conservem os empregos afectados pela pandemia.

Em termos estruturais, aquele dinheiro é necessário para a reconversão produtiva e energética da nossa economia, criando milhares de empregos, com direitos e salários dignos. Isso implica produzir no país boa parte daquilo que compramos às grandes potências europeias, assim como implica acabar com a pobreza e precariedade que assola mais de 20% da nossa força de trabalho.

A pandemia deixa evidente a importância estrutural dos serviços públicos, universais e de qualidade. Os privados, movidos pelo lucro, não têm vocação para satisfazer necessidades tão básicas e essenciais como a saúde, a educação ou o transporte quotidiano. É urgente investir nos nossos serviços públicos, requisitar publicamente todos os hospitais privados, assim como formar e contratar mais profissionais, com carreiras e salários dignos.


Editorial da Revista Ruptura 157, Dezembro 2020

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