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Orçamento de Estado 2021: na generalidade, o jogo político dominou

Editorial – 1 de Novembro de 2020

Mesmo a atravessar uma das piores crises sociais, as negociações do OE2021, na generalidade, revelaram que as preocupações eleitorais dos partidos parlamentares estão acima dos problemas que as famílias e as micro e PME atravessam. É doloroso assistir a tal espetáculo.

Costa aposta em manter a ilusão de que está à frente do governo que tem permitido “recuperar rendimentos e direitos”. Para o fazer, não precisa sequer de o afirmar, já que aquelas palavras são de Pedro Filipe Soares, líder da bancada parlamentar do BE, na sua intervenção durante o actual debate do OE20211. Ora, a realidade é que os rendimentos se têm mantido estagnados, nos últimos 5 anos, e os direitos têm estado sob constante pressão do PS. Basta referirmos que a legislação da Troika não só foi mantida como foi aprofundada pelo PS, com o alargamento do período experimental.

É precisamente aqui que reside a contradição insanável da direcção do BE, assim como do PCP. A esquerda parlamentar tem contribuído, com o seu apoio ao longo dos últimos 5 anos, para a ilusão de que o Governo PS, está ao serviço da “recuperação de rendimentos e direitos”, sem que tal tenha acontecido.

Não foi o PS que abdicou do seu programa e da sua matriz, cujo resultado tem sido, entre a distribuição de algumas migalhas, a estagnação salarial, o enterrar de milhares de milhões de recursos públicos na banca privada, o aumento da precariedade, o aumento de impostos, a estagnação do investimento nos serviços públicos, a manutenção de uma dívida pública gigantesca, tudo ao serviço do cumprimento das imposições da UE. BE e PCP é que abdicaram significativamente do seu programa e matriz nos últimos 5 anos, abandonando a oposição à esquerda.

No entanto, a esquerda parlamentar já identificou que a crise social é dura, pelo que o seu quinhão eleitoral está em risco se não voltar a ocupar, pelo menos, algum espaço da oposição. Parte das suas bases exigem-no e o crescimento da extrema-direita evidenciam-no. Estes elementos forçam a um maior distanciamento da esquerda parlamentar face ao PS.

Não sendo o OE2021 qualitativamente diferente dos seus antecessores, a esquerda parlamentar tem grandes dificuldades em justificar o distanciamento de um caminho que, até aqui, apoiaram como supostamente sendo o de “recuperar rendimentos e direitos”. BE e PCP são vítimas da sua política. Ficaram reféns do PS, entregando-lhe o poder de controlar a narrativa: se a esquerda parlamentar não ajudar a aprovar o OE2021, semelhante aos seus antecessores, será responsabilizada por uma crise política, lembra constantemente Costa.

Uma ilusão só é desmascarada com os factos da realidade, mas como isso exigiria que BE e PCP assumissem que a sua política tem sido um erro, para se distanciar do PS, a esquerda parlamentar é forçada a malabarismos deploráveis: ou (i) ajudar a aprovar o OE2021 do PS, nem que seja através da abstenção, invocando “importantes” conquistas – caminho seguido, neste momento, pelo PCP; ou (ii) não aprovar um novo OE do PS sob a justificação de que é o PS que se está a distanciar do caminho percorrido nos últimos 5 anos – opção seguida, neste momento, pelo BE. A direcção bloquista apostou na táctica mais arriscada e acaba como o principal alvo do PS. Já a direcção do PCP, bem mais escaldada nas urnas, vai mantendo a parcimónia e discrição, recebendo elogios do PS, como recompensa. Ora, nem o OE2021 aprovado irá além daquilo que o PS estará disposto a conceder, nem o PS se está a afastar do caminho percorrido nos últimos anos.

PS, BE e PCP vão exercitando malabarismos políticos para segurar os seus eleitorados. Não afastamos completamente a hipótese mas será difícil que o OE2021 venha a ser chumbado pela esquerda parlamentar. Fruto do caminho de conciliação com o PS, BE e PCP serão chamados a pagar o preço de uma crise política.

Quanto à direita e extrema-direita, a contribuição para o OE2021 é nula2. Não têm propostas. Não têm programa. Não têm liderança. Limitam-se à posição de espectadores de bancada e à lamúria de que os OE só são negociados à esquerda. O PSD reduziu a sua posição à exigência de um pedido de desculpas da parte de António Costa (!?), imagine-se.

 

Mas afinal, quais são as principais medidas contidas no OE2021?

Na Saúde, o Governo PS compromete-se com o investimento de 805 milhões, o que não representa qualquer acréscimo face ao que já foi executado no ano de 2020. Ficamos na mesma. Promete a contratação de mais 4.200 profissionais de saúde, dos quais, pelo menos 2.200 já trabalham no SNS com contratos precários. Ora, o reforço será inferior à metade daquilo que é anunciado, já para não falar que as contratações têm sido arrastadas no tempo até acabarem cativadas, como tantos outros investimentos públicos.

Para as escolas estão prometidos mais 3.000 funcionários, em janeiro de 2021. O ano lectivo começou em Setembro de 2020 e existem já inúmeras escolas a fechar por falta de condições de distanciamento, higiene e segurança. O primeiro período escolar está entregue ao “salve-se quem puder”.

Quanto a investimento substancial em transportes públicos, que permitam o distanciamento nas deslocações entre a periferia e o centro das cidades, nem uma palavra. Quem paga, com a sua saúde e rendimentos, serão os trabalhadores e trabalhadoras mais precários e mais pobres.

Quanto ao novo apoio social, que custará €450 milhões aos cofres públicos, destinado aos trabalhadores independentes, trabalhadoras domésticas e desempregados sem protecção social, o mesmo não é de €502. Aquilo que está no OE2021 é que os beneficiários do apoio não fiquem a receber menos de €502, valor, refira-se, abaixo do salário mínimo. Este benefício limita-se a complementar o rendimento daqueles trabalhadores cujo valor está abaixo dos €502. É um valor de miséria já para não falar na bateria de condicionantes para lhe ter acesso.

Entretanto, não haverá alterações à lei laboral, pelo que os despedimentos e a precariedade continuarão em barda; o layoff simplificado dará lugar a um novo programa através do qual os salários dos trabalhadores, com redução de horário a 100%, serão pagos a 80%, mas exclusivamente pela Segurança Social. Ou seja, subtilmente, o Governo utilizará as reformas futuras para pagar os salários actuais, beneficiando sobretudo as grades empresas; e continuaremos a injectar milhões de dinheiro público no Novo Banco, pois ainda que o dinheiro injectado no Novo Banco não saia directamente do OE2021, será contabilizado no défice orçamental. Ou seja, em última instância, o Estado responsabiliza-se pelo pagamento dos milhões injectados.

Como se pode ver, as principais medidas do OE2021 são incipientes ou inteiramente erradas, não existindo sequer garantia de que venham a ser completamente executadas. As nossas vidas estão à frente dos lucros das grandes empresas. Precisamos de mais e melhor:

– Fim das injecções de dinheiro público na banca, canalizando esse dinheiro para a reconversão produtiva e energética da nossa economia, criando milhares de empregos, assim como é necessário proibir os despedimentos;

– Investimento efectivo nos serviços públicos: mais profissionais, melhores condições de trabalho no SNS, escolas e transportes públicos, assim como é necessário proceder à requisição pública de todos os hospitais privados;

– Rendimento social de emergência a quem está sem qualquer rendimento, igual ao SMN, durante 1 ano;

– Apoio imediato, a fundo perdido, às micro e PME que conservem os empregos afectados pela pandemia.

 

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