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A falta de alternativas nos Estados Unidos da América

Numa altura de pandemia e de agravamento da situação económica e social, em que o povo americano anseia por políticas que defendam os seus interesses e não os dos multimilionários, nenhum dos principais candidatos das elites, Trump ou Biden, é capaz de oferecer uma política à altura.

Apesar de uma governação desastrosa para o povo americano e para o mundo, não há certezas de que Trump perca as eleições. Até porque Biden não é uma alternativa viável. O resultado está completamente em aberto. A instabilidade e explosividade que atravessam a situação política dos EUA demonstram a incapacidade das classes dominantes em lidar com os problemas que elas próprias criam.

 

A explosividade da crise social e económica

A pandemia trouxe consigo uma desaceleração brutal da economia mundial que, claro, afetou também os EUA. Em Abril, o desemprego no país explodiu de 4,4% para 14,7%, a percentagem mais alta desde a grande depressão dos anos 30. Num país sem um serviço público de saúde, o desemprego massivo não significa apenas uma perda do rendimento mensal das famílias, mas também a perda do seguro de saúde prestado pelo empregador, isto enquanto uma crise de saúde deflagra pelo mundo. Os trabalhadores responderam a esta súbita instabilidade com importantes greves em setores cravados de precariedade1234. Greves ao trabalho e greves ao pagamento das rendas. Em Abril, quase ? dos arrendatários não foi capaz de pagar a renda. Como forma de salvar os lucros no meio do colapso económico e de salvar a sua própria pele, a administração americana lançou os mais fortes bailouts (injecções de dinheiro nas grandes empresas e sistema financeiro) de sempre, e foi obrigada a estabelecer um programa de Rendimento Básico Universal (RBU) de 1.200$/mês.

Perto do final do mês seguinte, a 28 de Maio, George Floyd é assassinado às mãos da polícia de Minneapolis. Infelizmente, este tipo de acontecimentos não é novidade para os americanos. Aliás, a frase “I can’t breathe” tinha também sido a última a ser proferida por Eric Garner, que foi morto numa situação semelhante à de George Floyd, em 2014. Fartos da brutalidade policial, da desigualdade económica, e de uma pandemia que afeta desproporcionalmente a população mais pobre — sobretudo negra —, os jovens e povo americano saíram à rua em protestos massivos por todo o país, nos últimos meses.

Estes protestos carregam um teor bem mais radicalizado que os seus antecessores: uma das principais palavra de ordem dos manifestantes é “defund the police” e “abolish the police”. A actuação violenta e racista da polícia, que devia defender os direitos e interesses do povo, passou a ser questionada abertamente nas ruas do centro do imperialismo. Esta radicalização das manifestações obteve duas respostas diferentes por parte da burguesia americana. Por um lado, Trump e os Republicanos intensificaram a repressão policial e tentaram criminalizar os manifestantes, apelidando-os de “violentos anarquistas” e “agitadores externos”, chegando mesmo a denominar a “antifa” (que não é uma organização) como organização terrorista; por outro lado, os Democratas têm tentado capitalizar o sentimento de contestação das manifestações, ao mesmo tempo que vão ajudando à sua desmobilização, fazendo limitadas concessões em alguns Estados ou adoptando posições simbólicas, e, em geral, tentando branquear o significado de “abolish the police” — como foi o caso da cidade de Minneapolis que chegou mesmo a adoptar a expressão.

Apesar de uma diminuição da percentagem de desemprego depois do pico em Abril, os trabalhadores continuam numa situação altamente precária. O programa de RBU terminou agora em Agosto. Um em cada cinco americanos inscreveu-se para programas de apoio ao desemprego e 40% dos arrendatários está em risco de ser despejado.

No passado dia 23 de Agosto, teve lugar outro caso mediático de brutalidade e racismo policial. Jacob Blake, jovem negro, afro-americano, foi alvejado 7 vezes, nas costas e à queima-roupa, pela polícia, à frente dos seus filhos. Este incidente veio energizar, em parte, as manifestações que, na realidade, não se tinham dissipado completamente. Motivados pelos discursos fanáticos e estapafúrdios de Trump, milícias armadas de extrema-direita apareceram nos protestos para “defender a propriedade privada”, e teveram o apoio da polícia que lhes agradeceu o seu serviço. Durante a manifestação, um dos membros dessa milícia, Kyle Rittenhouse, de 17 anos, apoiante assumido de Trump, matou dois manifestantes, em frente à própria polícia sem que tenha sido sequer imediatamente detido. Kyle apenas foi detido no dia seguinte, depois da pressão social que se foi formando.

 

As eleições: duas alternativas, nenhuma solução

A 3 de Novembro, os EUA terão novas eleições. As opções apresentadas ao povo americano refletem a crise das elites americanas e a decomposição do seu sistema político. Por um lado, o projeto ultrarreaccionário e autoritário de Trump, e, por outro, o projeto neoliberal de “nada vai fundamentalmente mudar” de Joe Biden. Durante uma pandemia que põe a nú o fracasso do sistema de saúde americano, Biden recusa um serviço de saúde universal e gratuito — algo que uma boa parte do povo americano não só quer como precisa. O sistema capitalista, com as suas tendências à concentração de riqueza e aumento da desigualdade, é incapaz de resolver a pobreza. Desta forma, e de maneira a controlar a revolta dos de baixo, tem a necessidade de criminalizar e encarcerar os crescentes setores empobrecidos que ele próprio vai gerando. Os EUA são o exemplo máximo destas tendências e Biden foi um dos responsáveis pelo crescimento exponencial da população prisional americana, devastando os sectores mais pobres da sociedade americana, entre os quais se destacam as comunidades negras.

Joe Biden não parece estar a afastar-se desta política. A sua escolha para Vice-Presidente, a “top cop” Kamala Harris, tem também um percurso político muito duvidoso. Kamala, uma mulher negra, segue a linha identitária a que o partido Democrata se tem adaptado desde a eleição de Obama, sem que isso tenha qualquer correspondência com os anseios da população pobre e negra nas ruas. O seu percurso demonstra uma desumanidade implacável. Enquanto foi attorney general (uma espécie de Ministra da Justiça) da Califórnia, Kamala lutou por manter presos na cadeia e usá-los como mão-de-obra barata; prendeu pais, de famílias pobres, pelo abandono escolar dos filhos; encarcerou uma mulher trans numa prisão masculina e contrariou a decisão federal de lhe providenciar uma cirurgia de mudança de sexo. Claramente, esta escolha serviu para tentar cobrir o espaço político dos sectores mais conservadores das elites e da sociedade americana, enquanto tenta iludir as massas nas ruas com a imagem de uma mulher negra. Mesmo assim, a ala política supostamente mais progressiva, capitaneada por Bernie Sanders e Ocasio-Cortez, dentro do partido Democrata, tem prestado o seu apoio incondicional a Biden.

Por sua vez, a estratégia de Trump tem sido o apelo ao autoritarismo de um presidente que quer representar a “lei e ordem”, ou seja, mais repressão policial das manifestações e um uso discricionário do poder do Presidente. Tem “brincado” com a ideia de descredibilizar o método de votação por correspondência ou com a ideia de não aceitar o resultado das eleições em caso de derrota, ou ainda sugerir que apenas os “verdadeiros americanos” poderiam votar. Tem atacado Joe Biden por ser um “radical de esquerda” e diz ser o único capaz de proteger a américa do “socialismo”. Claro que estes ataques não refletem remotamente a realidade, são apenas espantalhos do retrógrado imaginário americano como forma de galvanizar as bases mais reacionárias e de descredibilizar os movimentos populares que se erguem por todo o país.

Como fica claro, a burguesia americana é incapaz de responder às necessidades mais básicas do povo e das suas camadas mais empobrecidas como são o acesso universal a um sistema de saúde digno ou de resolver as crescentes desigualdades. Foi o carácter ilusório do Governo Obama, e a sua incapacidade para resolver as desigualdades crescentes, que meteu Trump no poder. O passado de Joe Biden demonstra que não será diferente.

Para um setor importante da sociedade dos EUA, vai ficando cada vez mais claro que qualquer tentativa de reformular o partido Democrata é uma ilusão. Os ativistas que animaram a campanha de Bernie Sanders, e de outros deputados que o têm acompanhado, estão a caminhar no sentido de romper com o partido Democrata e juntar-se a outros partidos, organizações, coletivos e sindicatos, para formar um novo partido dos trabalhadores capaz de quebrar o monopólio do sistema bipartidário americano. A construção desta nova alternativa não poderá trazer uma solução às actuais eleições mas será, sem dúvida, um passo estratégico e decisivo para a classe trabalhadora dos Estados Unidos e do mundo. Este é o caminho.

Fora Trump!

Fim da brutalidade policial!

Por um partido independente ao serviço classe trabalhadora americana!

 

Bruno C.


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