Capitolio dos EUA

Midterms 2022 surpreendem e deixam Trump sob pressão

As eleições intercalares dos EUA realizaram-se num contexto marcado pela inflação galopante, aumento das taxas de juro, empobrecimento repentino das classes trabalhadoras e crise económica, assim como pela decisão de acabar com o direito ao aborto no país, tomada pela maioria ultraconservadora do Supremo Tribunal dos EUA, no Verão passado. De acordo com as sondagens feitas, estas são, no presente momento, precisamente o conjunto de principais preocupações do povo norte-americano.

Os elementos de crise económica que têm vindo a desgastar a Administração Biden faziam prever aquilo que Trump prognosticou como “onda vermelha”, sugerindo uma esmagadora vitória dos Republicanos, sobretudo, daqueles por si apoiados. No entanto e surpreendentemente, inclusive para o partido Democrata, a realidade não demonstrou ser bem assim.

Contra o padrão histórico, segundo o qual o partido a governar perde as eleições intercalares; contra as expectativas de que a baixa aprovação da Administração Biden poderia dar uma vitória folgada aos Republicanos; contra a galvanização de Trump que prometia uma forte mobilização eleitoral, os Democratas conseguem conquistar um importante resultado eleitoral.

Os resultados das eleições intercalares dos EUA, apurados até ao momento, permitem afirmar que, contra todas as expectativas, os Democratas mantêm o controlo do Senado com, pelo menos, 50 lugares e o voto de desempate da vice-Presidente Kamala Harris. Também contra o que era expectável, a margem com que os Republicanos conquistarão o Congresso, a confirmar-se, será mínima. A acrescer, em todos os 5 Estados (Kentucky, Michigan, Vermont, Montana e Califórnia) que levaram a votos propostas de legislação que defendem o direito ao aborto, as mesmas saíram vencedoras. Nem Trump, nem o trumpismo saem destas eleições fortalecidos.

Mais de 90% dos candidatos republicanos que foram a votos, tinham o apoio de Donald Trump, demonstrando bem a sua influência sobre o partido. Embora mais de 200 candidatos trumpistas tenham sido eleitos, sobretudo para cargos estaduais, foram muitos os candidatos aos principais cargos à Câmara dos Representantes, mas também a senadores ou governadores que perderam, pelo que a narrativa da conspiração em torno da alegada fraude eleitoral, nas Presidenciais de 2020, perde força, perde legitimidade. Fica a sensação de que esta narrativa, adoptada pelos candidatos trumpistas aos principais cargos terá mesmo sido punida pelo eleitorado. Especial menção seja feita à derrota de praticamente todos os candidatos a governadores que alimentaram a narrativa de fraude eleitoral. 

Por sua vez, a derrota de muitos dos candidatos trumpistas parece fortalecer, momentaneamente, a ala mais moderada do próprio partido Republicano para afirmar que Trump não será o melhor candidato às Presidenciais de 2024. Os resultados eleitorais intercalares acabam por confirmar e reforçar a derrota eleitoral de Trump nas Presidenciais de 2020 e, consequentemente, sem a tão aguardada “onda vermelha”, nem Trump, nem a sua narrativa, saem fortalecidos. 

Tal como para Trump e o seu movimento político, esta é uma derrota também para os seus financiadores. De acordo com o Expresso, “a tendência mais clara destas midterms é a influência dos bilionários da tecnologia, ao mesmo tempo que o dinheiro gasto em publicidade nas plataformas digitais cresce desmesuradamente”. Peter Thiel, por exemplo, trumpista assumido que acumulou milhões com o PayPal e o Facebook, tem vindo a aumentar a sua influência sobre o sistema político americano. Este é um dos indivíduos que defende publicamente que “não concorda que o voto seja universal, que o melhor sistema político é a oligarquia e que a forma mais saudável para uma empresa operar é em monopólio”. Outro exemplo, é Elon Musk que, assim que tomou posse como Presidente do Twitter, rede social que acaba de comprar, apelou diretamente ao voto nos Republicanos. 

Os resultados intercalares conferem aos Democratas do Senado o poder para rejeitar projetos de lei aprovados pela Câmara, continuando a deter o poder para definir assim a sua própria agenda. Biden reforça, inevitavelmente, a sua posição dentro do partido, assim como a confiança da sua Administração, mas este resultado reflecte mais a rejeição de Trump que propriamente a aprovação da Administração Biden, precisamente como nas Presidenciais de 2020. 

O que contribuiu para estes resultados?

Apesar da crise económica mundial que atravessamos e que vai desgastando a Administração Biden, a decisão de acabar com o direito ao aborto nos EUA, tomada pela maioria ultraconservadora do Supremo Tribunal, numa clara subtração de direitos democráticos, parece ter assumido uma importância decisiva. 

Esta decisão entrou em choque directo com o movimento popular dos EUA mais mobilizado dos últimos anos, quer seja o movimento feminista, quer seja a juventude que tem precisamente lutado contra os efeitos da crise económica e a opressão estrutural que ameaça muitos dos direitos democráticos conquistados. Este movimento surgiu, com força renovada, logo no início da eleição de Trump, em 2016, foi potenciado pelo assassinato de George Floyd, em 2020, e tem vindo a alimentar importantes lutas sindicais nos EUA, no sector da educação, da saúde, mas também dentro de gigantes tecnológicos como a Amazon ou a Google, por exemplo.

Parece-nos que é daqui que se notou uma considerável inscrição eleitoral e votação por parte de muita juventude e de mulheres que, assistindo a uma clara ameaça aos seus direitos democráticos, fizeram uso dos candidatos democratas, mesmo que neles não depositem total confiança, para derrotar os trumpistas ultraconservadores. 

É este mesmo movimento que trouxe, novamente, mais um importante reforço da representação eleitoral da ala mais à esquerda do partido Democrata — que ganhou maior projeção com a campanha de Bernie Sanders, ainda em 2016. Desde esse ano, esta ala tem formado o “Squad“, que passa agora de 6 para 8 eleitos na Câmara de Representantes, e consegue ainda eleger 2 importantes aliados para o Senado, John Fetterman, na Pensilvânia, e Peter Welch, no Vermont.

A sociedade americana está completamente dividida e polarizada. A crise das suas classes dominantes não permite encontrar uma forma estável de domínio. Tando os Republicanos, como os Democratas atravessam uma profunda disputa, entre si e no seu próprio interior, cujo desfecho é imprevisível. 

Biden conquista aqui uma vantagem ténue para ir mantendo o apoio militar à Ucrânia, abordar a disputa com a China com maior confiança e assegurar o isolamento internacional do bolsonarismo. No entanto, tenhamos a clara noção de que Biden está a utilizar a Ucrânia como mero pretexto para fortalecer a aliança militar da NATO e enfraquecer as suas potências oponentes mais directas. Para além disso, Biden não tem interesse em avançar com um sistema de saúde público e universal, pois isso entra em choque com as gigantes seguradoras privadas, nem tem interesse em estabelecer um salário mínimo digno para o povo dos EUA. O partido Democrata capitaliza a mobilização em torno da defesa dos direitos democráticos, por oposição a Trump, mas não será o garante de qualquer direito democrático, tal como nunca o foi.

O trumpismo sofre aqui uma importante derrota eleitoral, mas não sai destruído e a situação política americana está em disputa aberta, sem desfecho estável à vista, sobretudo, para as classes trabalhadoras. A classe trabalhadora continua sem uma liderança, com influência política considerável, que represente os seus interesses. A questão que se coloca ao “the Squad” é o que farão com o seu reforço eleitoral e projeção nacional. Urge a construção de um partido de massas que reflicta os interesses das mulheres, dos jovens e dos trabalhadores que mais se têm mobilizado nos EUA.

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