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Call-Centers durante a crise pandémica

 

Os call-centers são, já desde antes da pandemia, focos de doenças respiratórias e todo o tipo de viroses pois sempre foram locais com pouca higiene e limpeza.

Com muita gente confinada em espaços por vezes exíguos que chegam a funcionar 24h por dia 7 dias por semana, sem arejamento natural com o ar condicionado ligado durante todo o dia sem qualquer tipo de manutenção, onde existe falta de higiene nos espaços comuns como os de refeição, há poucos elevadores em edifícios muitas vezes com mais de 10 andares sobrelotados e têm poucas casas de banho face ao elevado número de pessoas. O COVID-19 foi apenas a gota de água num sector onde ter doenças por causa do trabalho é uma constante, sejam elas físicas ou psicológicas.

Em vários locais de trabalho onde as condições de insalubridade são maiores existiram paralisações selvagens pois a situação era insustentável, em muitos casos troca-se de computador pelo menos uma vez ao dia (em algumas empresas chega a ser partilhado por mais de 6 trabalhadores num único dia), não existe limpeza dos equipamentos (cadeiras, auriculares, pc’s, ratos, postos de trabalho), não existe álcool gel ou esgota ainda durante a manhã e a resposta que os trabalhadores ouvem quando questionam essas mesmas condições são ameaças para voltar para a linha. Essa é a única preocupação dos recursos humanos pois os serviços estão subdimensionados o que não é bom para nós enquanto trabalhadores nem para as pessoas que atendemos. Várias empresas chegaram a tentar abafar situações de infeção por COVID-19 para que não se parasse de laborar e teve de se chamar a DGS para que interviesse.

A Greve marcada pelo STCC, que terminou dia 5 de abril, permitiu que muitos colegas pudessem afastar-se destes autênticos focos de infeção e permanecer em casa à espera do teletrabalho que de forma faseada e desigual, mas muito mais acelerada do que estavam dispostos a fazer antes destes processos de luta, está a ser implementado.

Se os problemas iniciais tinham a ver com as condições de higiene e segurança no trabalho, e em alguns sítios esses problemas ainda se mantêm, neste momento surgem outros novos relativos à implementação do teletrabalho. Há empresas a dar todo o tipo de desculpas para não o implementar, algumas não querem pagar subsídio de refeição, recusam-se a pagar custos relativos à implementação e toda uma panóplia de irregularidades que nada nos surpreendem vindo destas empresas.

Além disso, estar em teletrabalho retira poder reivindicativo aos trabalhadores, os que sempre laboraram em regime de teletrabalho sabem sobejamente que o nível de abuso é maior dado o seu isolamento dos outros colegas e das estruturas sindicais e os níveis de assédio são em muito superiores aos níveis, já de si altos, que existem dentro dos edifícios de call-center.

Estando os trabalhadores mais isolados as entidades patronais usam e abusam tentando impor um novo patamar de relação com o trabalhador que implica mais autoritarismo. A título de exemplo, uma das ameaças mais comuns, a par da de despedimento, é a ameaça de o trabalhador voltar ao local de onde saiu por risco de infeção caso baixe a produtividade, numa atitude que só pode ser descrita como de “a bolsa ou a vida”.

É fundamental neste período que os trabalhadores vençam o isolamento e não se acomodem a esta nova situação pois sabemos que quando isto passar, e pode levar muito tempo ainda, os call-centers vão continuar a ser foco de doenças. É importante que a DGS e a ACT não façam inspeções só quando existe uma pandemia, e por vezes a contragosto, mas sim sejam o garante de que condições de que a higiene e a segurança no trabalho são direitos. Não basta estar escrito na lei, têm de existir factualmente.

Por outro lado, o sector dos call-centers, com quase 100.000 trabalhadores em Portugal na sua esmagadora maioria subcontratados por empresas de trabalho temporário, tem outros problemas muito sérios sendo provavelmente os mais sérios a precariedade e os baixos salários, que não permitem a várias gerações (hoje em dia já não é só um emprego temporário para jovens) ter uma vida digna. Só com a união dos trabalhadores deste sector e mostrando a coragem que demonstraram perante as entidades patronais neste processo, que claramente venceram forçando as empresas a implementar o teletrabalho em tempo recorde quando não o queriam fazer, podemos mudar a situação em que nos encontramos.

Unidos somos mais fortes e cada vez mais sabemos isso

 

Nuno Geraldes, operador de call-center e dirigente sindical do STCC

Artigo originalmente publicado em Frente Unitária Antifascista

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