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Greve dos motoristas: “geringoncismo” e cálculos eleitorais ferem a democracia

Editorial – 17 de Agosto de 2019

Como força política de esquerda que somos, consideramos que aquilo que está a ser feito com o direito à greve de todos nós, por intermédio da greve dos motoristas, exige uma reflexão do papel do Governo Costa e das forças políticas e sindicais que o têm suportado, BE, PCP e CGTP. Tendo a noção das limitações do nosso alcance, não poderemos deixar de endereçar a nossa leitura dos acontecimentos a todos aqueles que não se revêm no posicionamento político de PCP, BE e CGTP.

O Governo Costa mostra que está disposto a tudo para esvair o direito à greve. Aconteceu com professores, estivadores e enfermeiros. Volta a acontecer agora com os motoristas.

Prefere intoxicar a opinião pública até à náusea, durante semanas, alimentando o alarme social. Prefere denegrir e criminalizar aqueles que justamente lutam para acabar com os salários de miséria e jornadas de trabalho diário de 12h/14h/16h. Prefere esgotar o direito à greve através da imposição de “serviços máximos”. Prefere forçar o trabalho de quem faz greve, além das 8h diárias. Prefere ameaçar de prisão quem exerce o seu direito à greve. Prefere comprovar a veracidade de baixas médicas de alguns motoristas, colocando em causa a idoneidade dos médicos. Prefere arregimentar as forças armadas para fazer o trabalho de quem está em greve. Prefere manipular-nos, a todos, através de negociações com sindicatos que nem sequer aderiram à greve. Prefere dividir os sindicatos em greve, isolar, amesquinhar e humilhar os mais determinados em conquistar melhores condições de vida. Prefere enrolar os grevistas com a mediação de negociações ocas, apelidando-as de “históricas”. Prefere tirar da boca de quem trabalha para entregar aos bolsos do poder económico e político. Prefere gritar que “o tempo da greve acabou”, qual regime autoritário e ditatorial.

Parece que vale tudo, excepto aceder às justas e sensatas reivindicações de quem luta! Vale tudo, mesmo após os motoristas se disponibilizarem a negociar, com a mediação do Governo. Esta é uma ameaça ao mundo laboral, ao sindicalismo combativo, a toda uma sociedade que se exige democrática.

A esquerda “geringoncista” cala

Infelizmente, não é só o Governo PS que tem contribuído para este espetáculo degradante. As direcções de PCP, BE e movimento sindical tradicional, acomodados aos órgãos de poder e amarrados ao Governo PS, escolheram fingir-se de mortos através de aparições esporádicas, eleitoralmente calculadas, murmurando as gritantes limitações do direito à greve.

A direção do PCP só admite greves que sejam feitas pelas direções dos seus sindicatos, sempre com a menor perturbação possível para o Governo que apoia (houve greve nos registos e notariado? Houve, mas ninguém deu conta). Toda a luta que lhe é alheia, é por si obscurecida. A direção do PCP faz coro com o Governo Costa e acusa os grevistas, fora dos seus sindicatos, de serem os responsáveis pelo Governo limitar o direito à greve1 (!?!). Tamanho absurdo foi ainda rematado com a acusação de que a greve do SNMMP “procura atingir mais a população que o patronato”. Não foi tudo! A FECTRANS, filiada da CGTP, não fez mais que boicotar a greve dos motoristas e alcançar um acordo com os patrões cuja única proposta certa é a de continuidade das negociações.

Catarina Martins, em nome da direção do BE, veio a público sussurrar que a requisição civil, decretada pelo Governo, era um erro, sugerindo, sem se comprometer em demasia com as aspirações dos motoristas, que a solução seria a negociação. Francisco Louçã, agora elevado a conselheiro de Estado, não arrisca o apoio expresso aos motoristas, dedica-se antes a aconselhar estrategicamente Costa que, não tendo evitado antecipadamente a greve, precisa de dosear o crescendo de emoção pública, pois o “6 de Outubro ainda vem longe”. João Teixeira Lopes, outro dirigente do BE, durante o seu espaço de comentário na RTP 3, do dia 14 de Agosto, dá destaque ao boicote da FECTRANS dissimulado de “acordo histórico”. Assume e justifica a “prudência” da esquerda parlamentar, pois, nas suas palavras, os sindicatos em greve são “manobristas” e “populistas”, essa categoria que pode servir para diabolizar qualquer coisa que nos seja estranha, pois teriam como “principal alvo o sindicalismo tradicional”. A ser verdade, fica difícil perceber este raciocínio perante a dureza e a desproporcionalidade do Governo face aos sindicatos não alinhados com a CGTP. Ou será que o Governo e o sindicalismo tradicional partilham o mesmo interesse de continuidade do próprio Governo? O posicionamento do BE é de tal forma paradoxal que dentro da sua direção se levantaram, justamente, vozes como a de Pedro Soares, deputado parlamentar, contra a falta de acutilância da esquerda em defender as reivindicações dos motoristas.

Boaventura Sousa Santos, referência de alguns setores de esquerda, decide fazer eco da desonestidade intelectual de um dos directores do Expresso, João Vieira Pereira2, e presentear-nos com uma comparação entre a actual greve dos motoristas, em Portugal, e o blackout de patrões de empresas de transporte, manobradas pela extrema-direita chilena e pelos EUA, que contribuiu para derrubar o Governo Allende, na década de 1970, no Chile (!!).

Se do Governo Costa já se podia esperar uma resposta com tiques autoritários (recordemos como a greve dos estivadores foi furada pela polícia e trabalhadores estranhos ao porto de Setúbal), não podemos deixar de lamentar a situação degradante a que as direções de BE e PCP entregaram os motoristas, as suas reivindicações e os direitos constitucionais de todos nós. Tal como diz o deputado do BE, Pedro Soares, criticando a sua própria equipa de trabalho, “o ‘geringoncismo’ embotou o raciocínio político de muito boa gente, que já não sabe colocar-se com clareza de um dos lados das lutas, perdeu gume no combate político e deixa-se submeter ao pânico da contabilidade dos votos”. Esta é a postura que engorda o PS, assume Pedro Soares, mas não só. É a postura que, acima de tudo, descredibiliza completamente a esquerda e empurra trabalhadoras e trabalhadores para os braços da direita e da extrema-direita, todos dispostos a utilizar estes acontecimentos para impor a revisão da lei da greve.

O MAS tem estado presente nos piquetes de greve dos motoristas, apoiando-os com aquilo que podemos, dentro das nossas infinitas limitações. Aí conseguimos perceber do que são feitos estes homens e mulheres, quais os seus problemas e as suas aspirações. Os motoristas estão a ser criminalizados e o nosso direito à greve está a ser esvaziado por um governo que se diz de esquerda, coisa que as direções de PCP, BE e CGTP têm o dever de clarificar e combater com todas as suas forças, no parlamento e, sobretudo, nas ruas.

A bem da defesa do direito à greve, é preciso colocar um fim à requisição civil; é preciso colocar um fim aos “serviços máximos”. O Governo tem de aceder às reivindicações dos motoristas em greve! Fim dos salários de miséria! Fim das brutais horas extraordinárias! Nem um passo atrás!

 

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