Sem casa não se estuda, estudantes protestam contra a precariedade no ensino superior

No passado dia 21 de março, quinta-feira, cerca de 2 mil estudantes saíram às ruas de Lisboa numa manifestação para reivindicar sobretudo o direito à habitação, o fim das propinas, o aumento do número de bolsas e de psicólogos nas faculdades.

Desde a Lei Cristas (Novo Regime do Arrendamento Urbano) não é surpresa, para qualquer setor social que trabalhe, o aumento da renda, a instabilidade de saltar de casa em casa, ou a perda de poder em relação aos senhorios. Estes problemas tornam-se obstáculos à sua educação na situação dos estudantes. A formação profissional e a procura do saber tornam-se dificultados pela condição de viver em quartos cada vez mais pequenos, ou cada vez mais longe das universidade e centros urbanos, para conseguir pagar uma renda acessível. O contexto é tal que para muitos, “acessível” é a renda que se consegue pagar estando a trabalhar.

Fazendo as contas, um estudante deslocado paga 70€ de propina, 300€ por um quarto, 150€ de alimentação, 30€ de contas o que totaliza 550€ mensalmente. Aqui não estamos a incluir os materiais de estudo, a ida ao cinema ou teatro, nem os gastos das festividades, cervejas e lazer.

Em 9 anos o preço do quarto arrendado duplicou em Coimbra, quase que triplicou em Lisboa e chegou mesmo a triplicar no Porto. É urgente inverter esta dinâmica, por todas as famílias que sofrem com ela, e no caso dos estudantes porque não só degrada a sua saúde mental, como também os faz arredar pé do país à primeira oportunidade, sendo que o seu sacrifício até à entrada no mercado de trabalho é recompensado com um salário que não faz frente a esta escalada de preços.

Pouco a pouco vai-se esbatendo a barreira entre trabalhador e estudante à medida que se tornam trabalhadores-estudantes, e na mesma medida se pauperiza a sua condição: passamos do trabalho ocasional ao fim de semana para o part-time nas grandes superfícies, passamos do quarto digno à masmorra sem janela, tornamos os livros em PDFs, perde-se bares, cantinas e espaços de expressão cultural para os interesses da privatização e do lucro. Poupa-se onde se puder poupar, e quando chegam as novas gerações (oriundas de uma escola em frágeis condições) normalizam um ensino superior insuficiente, carecido e desgastante.

Não será apenas com o PNAES (Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior) que conseguiremos colmatar os quartos em falta, sendo que até hoje apenas se cumpriu com 3% das 18 mil camas prometidas, e há pelo menos 120 mil estudantes deslocados. É necessário reverter a permissividade da habitação para o turismo e devolvê-la às famílias e alunos que vêm a instabilidade a assolar a sua vida. É necessário, tal como entoaram milhares na passada quinta-feira, cumprir com os direitos conquistados por Abril, e tal só será possível pela forte mobilização unitária entre estudantes e outros setores da sociedade por medidas que revertam a situação para larga maioria da população e façam frente aos planos de austeridade que a direita recém eleita irá impor. Basta de migalhas.

A manifestação teria corrido muito bem, em força e unidade, não tivessem os próprios organizadores criado uma barreira humana para cortar o acesso a cerca de 100 estudantes que foram colocados na cauda da marcha por terem reivindicações diferentes (mas não contraditórias) daquelas acordadas pelas várias associações organizadoras. Estas reivindicações faziam referência à crise climática e à defesa e libertação do povo Palestino.

Difícil de entender o porquê sendo que para muitos, além da crise económica que atravessamos, preocupa a crise climática que se faz sentir cada vez mais a cada ano que passa. Dificilmente consideramos que este problema preocupa qualquer outra faixa etária como preocupa os estudantes. Dificilmente esquecemos a greve mundial pelo clima, que há 5 anos encheu várias cidades do país com dezenas de milhares de alunos exigindo que fosse declarado o estado de emergência climática e implementadas políticas que fizessem frente a esta calamidade.

Para o caso da Palestina não será necessário recuar tanto tempo. Vimos nos últimos meses, ainda que em menor quantidade, centenas de estudantes, de norte a sul do país, a organizarem-se com outros setores sociais para combater e informar contra a propaganda Sionista gerada e transmitida massivamente por toda a Europa e América do Norte. Muitos foram aqueles que refletiram sobre a destruição massiva de Gaza, sobre as universidades e escolas arrasadas, sobre os estudantes palestinos que lançaram reptos de ajuda para os seus colegas mundiais, pedindo que as classes académicas, com fácil acesso a conhecimento, os ajudassem, lutando nos seus países para que se rompesse o “NÃO” redondo ao cessar-fogo.

Num mundo globalizado, num Portugal em que os jovens fogem para fora, num mercado com pouca autonomia nacional, é indispensável um olhar internacional. É lamentável que os próprios organizadores tentem escolher a dedo quais são as palavras de ordem permitidas na manifestação, que temas possam ser reivindicados e pior, façam uso da força para impedir que colegas seus protestem a seu lado em frente à Assembleia da República. Ao desempenharam o papel repressivo da polícia para assegurar a hegemonia do movimento, não só desmascaram as suas verdadeiras intenções como desvirtuaram a (bela e forte) manifestação que foi. Há que defender a liberdade ideológica e reivindicativa para manter a unidade entre todos os estudantes.

A questão da habitação em Portugal, da emergência climática e da opressão sobre a Palestina têm todas a mesma velha origem. São vários os sintomas da falência do capitalismo, e enquanto a bola não cai, quem dirige o mundo reorganiza-se preparando-se para mostrar a face mais cruel para a população, mais exploradora de quem trabalha e mais opressora das minorias. O antídoto é conhecido em teoria, mas difícil de o pôr em prática: só uma força organizada pode combater uma força organizada.

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