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A situação na Belarus

A Belarus tem estado a ferro e fogo com protestos desde que se realizaram as eleições de 9 de Agosto onde Lukashenko foi declarado vencedor com 80%.

Num processo eleitoral considerado fraudulento por grande parte da população, marcado por prisões de candidatos opositores na véspera do ato eleitoral, por regime não ter permitido quaisquer observadores independentes ou internacionais, pela perseguição a ativistas durante a campanha, pela enorme presença da polícia e exército nas ruas e pelo o derrube da internet no país no dia das eleições. Lukashenko já vinha a enfrentar o descontentamento popular pelas medidas que vinha a aplicar, agora com a fraude eleitoral e a repressão dos protestos, que conta já com mais de 12.000 presos, centenas de pessoas torturadas e relatos de violações às mulheres nas prisões, caiu a gota que fez transbordar o copo.

A Belarus, com mais de 9,5 milhões de habitantes foi parte da URSS até 1991, ano em que declarou a sua independência. Desta forma, evitou ver aplicada a mesma receita neoliberal que foi aplicada na Rússia e em outros ex-estados soviéticos, isso viria mais tarde pela mão de Lukashenko. Esta é a razão de fundo da Belarus não ter vivido o mesmo processo de venda ao desbarato das empresas estatais e perda de condições de vida que os seus vizinhos assistiram nos anos seguintes à queda da União Soviética. Desta forma existem ainda grandes sectores económicos estatais, grande nível de industrialização e mantiveram-se algumas conquistas sociais de antes da restauração capitalista.

 

O regime de Lukashenko

Lukashenko está no poder desde 1994, e há 26 anos que exerce o poder com mão de ferro com um regime marcado por forte repressão e ausência de liberdades políticas e sindicais. Este seria o seu 6º mandato à frente do país. Ele e o seu regime não são nem a continuidade do “sistema soviético” nem defensores das suas conquistas. Lukashenko capitaneou um processo de privatização acelerado nos últimos anos, com um sistema de golden shares parecido com o que o Governo português usou em tempos para poder continuar a narrativa de que mantem controlo estatal sobre as empresas, facilitou o investimento estrangeiro quer da EU quer da Rússia, aumentou significativamente a dívida externa, aplicou uma brutal reforma de pensões onde aumentou a idade da reforma, cortou apoios sociais, tem mantido um implacável ataque aos direitos laborais promovendo os contratos temporários, facilitando despedimentos e generalizando a precariedade, provocando um aumento do desemprego e a perda de rendimentos das famílias. O valor dos salários na Belarus é hoje cerca de metade do da Ucrânia e um terço do da Polonia, estando o país é cada vez mais dependente da Rússia e da EU. Também a gestão da pandemia no país foi desastrosa devido à resposta negacionista de Lukashenko que aconselhou sauna e vodca para combater o vírus. Como podemos ver, as eleições foram o rastilho, mas o barril de pólvora é a crise económica e social que se vive.

O regime critica qualquer protesto usando a tese de que as manifestações são dirigidas pelo estrangeiro e são uma ingerência nos assuntos do país. É uma retórica usada constantemente, normalmente sobre a UE ou os EUA mas às vezes também sobre a Rússia, quando há contestação às suas políticas. Esta tese é também repetida internacionalmente por várias organizações, entre elas o PCP, que se colocam ao lado do regime acusando os protestos de serem organizados e financiados pelo imperialismo europeu e que Lukashenko é o garante das conquistas do período soviético. Várias organizações referem ainda que os manifestantes andam com a bandeira que os colaboracionistas nazis usaram, esquecem-se de referir que foi também a bandeira da República Popular Bielorussa em 1918, bandeira do país de 1991 a 1995 e foi usada várias vezes como bandeira em manifestações por liberdades democráticas pelo que hoje em dia é mais entendida pelo povo como um símbolo contra a repressão do regime do que algum nacionalismo exacerbado, na verdade o nacionalismo de extrema direita não tem força na Belarus. É verdade que o imperialismo europeu está na disputa pela direção do processo, como sempre está nestes casos, mas não o dirige e a sua presença no terreno não faz com que as reivindicações e os protestos deixem de ser válidos e justos, pelo que devem ser apoiados buscando uma saída independente para a classe trabalhadora com o seu próprio programa. Por outro lado, apoiar Lukashenko não é solução, ele não é um campo progressivo contra a ingerência imperialista, pelo contrário, tem sido o responsável de uma política de dependência económica desastrosa, quer da Rússia quer da EU, que está a ser paga com a perda de direitos e condições de vida da sua população, ele não é o guardião das conquistas sociais, é quem as tem estado a destruir.

 

A dependência do país

A relação da Belarus com a Federação Russa está longe de ser uma saudável relação de apoio mútuo e cooperação, é uma relação de dependência sufocante e de saque. A infraestrutura de oleodutos da era soviética permite à oligarquia russa ter o monopólio do fornecimento energético do pais sendo totalmente dependentes deles para combustível. Por outro lado, esse combustível comprado a preços subsidiados é em parte revendido ou transformado em produtos refinados para exportação a preços de mercado, sendo uma das maiores rendas do país. Ao mesmo tempo a Federação Russa é o maior mercado da Belarus, Grande parte da produção agrícola e da indústria automóvel vão para a Rússia, e controla o mercado da UEE, destino de grande parte do que sobra da produção e como se não bastasse, a indústria da Belarus tem grande dependência de componentes russos para continuar a funcionar. O déficit comercial entre os dois países é de mais de 9 biliões por ano, um saque permanente que se traduz em dar tudo em troca de combustível. Estes são os elementos através dos quais a pressão de Putin é exercida, como tantas vezes aconteceu através da ameaça de corte de gás ou do fim dos subsídios russos à energia, e permite à oligarquia russa agir como se fossem donos do país, rebaixando a Belarus à condição de uma mera possessão comercial. Esta dependência da Rússia não impediu aumentar também a dependência do país do capital financeiro ocidental, usando empréstimos comerciais concedidos pela banca europeia, permitindo o acesso e por vezes controle de grandes empresas do estado por parte de bancos e empresas da UE.

 

A oposição

Svetlana Tikhanovskaya, uma professora de inglês sem experiência política, surge como candidata da oposição após seu marido Siarhei Tsikhanouski, um conhecido youtuber que pretendia concorrer, ter sido preso dois dias depois de ter anunciado a sua candidatura em maio. Apoiada pelo imperialismo europeu e por capitais ucranianos, esta candidata acabou por capitalizar o descontentamento por força de ser a única alternativa eleitoral. Após o início dos protestos e como estes não acalmavam, criou o conselho de coordenação para superar a crise política sem mudar nada substancial, por isso o seu plano passa por negociar com o regime. No entanto este conselho de coordenação não eleito não tem ainda força social, apesar de Tikhanovskaya ter ganho algum prestígio nas mulheres que estiveram na vanguarda das mobilizações devido aos ataques machistas de Lukashenko, que afirmou que “uma mulher não é capaz de gerir a Belarus”.

No plano económico pouco tem dito. Propõe privatizações e dar sustentabilidade à economia prometendo pacotes de investimento da EU, o que levará a um aumento da dependência e controle do capital europeu sobre o país, e ao mesmo tempo a manutenção das relações com a Rússia. Na verdade, não há grande diferença no plano económico com o que Lukashenko tem vindo a fazer, continuar com as privatizações e aprofundar a dependência do capital estrangeiro.

 

Sobre os protestos

Os protestos e greves têm tido um caracter espontâneo e são essencialmente coordenadas nas redes sociais, a velha oposição perdeu muito prestígio antes das eleições e o recém-criado e autonomeado conselho de coordenação não tem capacidade para controlar o processo, por isso os protestos começaram contra a vontade da líder da oposição que era contra as greves. Temos assistido a manifestações, greves, protestos, com a participação de mulheres com as suas pautas, estudantes, classe trabalhadora organizada por fábrica, e nessas manifestações não se vê bandeiras da EU nem se ouvem slogans pró-europeus, apesar de existir no país muita propaganda liberal e nacionalista.

Apesar dos sucessivos pedidos da oposição para não sair à rua, não fazer greves, para negociar com Lukashenko, para não reagir à violência da repressão policial, os manifestantes no essencial têm ignorado estes apelos e avançado na sua organização e nas suas reivindicações. Inicialmente eram as reivindicações democráticas que eram comuns aos manifestantes como fora Lukashenko, por democracia e liberdade de organização e pelo fim da repressão, mas com o tempo, e com a formação de comités de greve em muitas fábricas, em alguns casos nasceram sindicatos das assembleias de greve, as reivindicações começaram a ficar mais avançadas, começado a exigir o fim e reversão das privatizações, mais direitos laborais, mais apoios sociais e serviços públicos de qualidade. Os protestos contra a violência policial tornaram-se tão massivos que a polícia teve de abrandar com a repressão após greves em mais de 100 empresas e um aumento de resistência nas ruas. Depois das greves começaram a multar e prender quem participa nos protestos e a despedir quem dirige as greves, o que resultou em mais ódio pelo regime e até atos de sabotagem nas empresas que despedem. A repressão não fica sem resposta.

Tem também havido manifestações de apoio a Lukashenko, mas o regime mobiliza poucas dezenas de milhares nas contagens mais generosas, contando com o apoio do partido comunista Bielorusso que está de pedra e cal no apoio ao regime, enquanto as manifestações espontâneas, mesmo com a oposição a apelar à desmobilização, têm centenas de milhares. A base de apoio de Lukashenko está principalmente na Burguesia do sector industrial, na enorme burocracia estatal e na cúpula dos órgãos de repressão, tendo mais apoio na população mais velha e especialmente no mundo rural.

Mais uma vez o grande obstáculo é a crise de direção revolucionária. Num país esmagado pela oligarquia Rússia e pelo imperialismo europeu, onde ainda existem sindicatos estatais (pró Lukashenko) a disputar a consciência dos trabalhadores, a questão mais importante é a questão do poder, quem pode disputar o poder a Lukashenko? existe algo que possa dar uma saída para a classe trabalhadora da Belarus independente da burguesia? O elemento mais avançado da realidade é a criação de comités de greve, no entanto isto ainda é algo muito confuso. Os organismos que estão a ser criados são ainda muito inorgânicos, mas são algo que não existia anteriormente, precisam ainda de se coordenar e centralizar mais para poder em aspirar a ser uma alternativa de poder, é preciso tempo para haver a oportunidade de se criarem partidos e sindicatos independentes dos sindicatos estatais.

A oposição subiu a parada lançando um ultimato com três exigências: Demissão de Lukashenko, fim da violência e libertação dos presos políticos. Caso não sejam cumpridas, ameaçam com uma greve geral no país, cortes de estradas e um boicote às lojas estatais. Terminou no passado dia 25, o prazo dado como limite pela oposição para Lukashenko sair do poder ou enfrentar a greve Geral. O regime aconselhou a população a não participar nas manifestações pois não foi dada autorização para nenhum protesto. Existiu outra vez uma forte presença das forças de segurança nas ruas, a internet foi outra vez derrubada e 12 estações de metro foram fechadas na capital. Mais de 100.000 pessoas saíram à rua para protestar pacificamente em Minsk e foram recebidas com gás lacrimogéneo, granadas de atordoamento, agressões e prisão em mais uma violenta resposta das autoridades. Apesar de a perda de legitimidade de Lukashenko frente a grande parte da população ser clara, ainda é uma incógnita como se vai desenvolver o processo e se as greves e protestos vão ter sucesso. O que é certo é que com o argumento da situação pandémica, o regime fechou as fronteiras com a Letónia, Lituânia, Polonia e Ucrânia, usando como desculpa a situação pandémica nos países vizinhos, e alterou o ministro do interior numa tentativa de responder aos protestos que classifica de terroristas.

Lukashenko diz que só sairá do palácio morto pois sabe que tem um forte aparato burocrático, militar e policial cujas cúpulas o apoiam e goza ainda com o auxílio de Putin, que já garantiu 1,5 biliões para ajudar Lukashenko a manter o poder, reprimir os protestos e manter a relação de dependência com a oligarquia russa, sendo que grande parte deste valor vai para pagar dívidas com a Rússia e o restante para o aparato repressivo. Apesar de tudo isso, Lukashenko teme os protestos, teme acima de tudo as greves e a organização espontânea de comitês de greve nas empresas que fogem ao controlo da oposição e dos sindicatos estatais leais ao regime. A solução só pode estar no aprofundar das lutas pelo derrube de Lukashenko e na criação de organizações independentes da classe trabalhadora com um programa anticapitalista para uma Belarus independente da oligarquia russa e do imperialismo europeu.

Fora Lukashenko e todos os responsáveis pela repressão.

Liberdade para todos os presos políticos.

Belarus independente da oligarquia russa e do imperialismo europeu.

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