Obama e Putin

EUA e Rússia assinam acordo para dividir a Síria e derrotar a revolução

O governo russo e estado-unidense anunciaram este Sábado (10/09) um acordo para a Síria que implica, a partir de segunda-feira (12/09) um cessar-fogo entre o regime de Bashar al-Assad e as várias facções de grupos rebeldes.

O cumprimento do acordo não está de todo assegurado. A força aérea Síria bombardeou várias zonas de Alepo nessa mesma segunda-feira, antes da hora de início do cessar-fogo, matando dezenas de civis nessa localidade. Em teoria, o acordo inclui todos os grupos implicados no conflito com excepção: do autoproclamado Estado Islâmico da Síria e do Leste (ISIL), também conhecido como Daesh (acrónimo em árabe), e o grupo Jabhat Fateh al-Sham (Frente da conquista do Leste) – antes conhecido como frente al-Nusra, a organização oficial da Al-Qaeda no país – considerados grupos terroristas pelos dois países.

Aparte do cessar-fogo, prevê-se a criação de um centro de informação e operações conjunto das duas potências com o objectivo de trocar informação e coordenar ataques a zonas supostamente controladas pelo Estado Islâmico e a Jabhat Fateh al-Sham.

O acordo dá-se no marco de uma importante vitória do regime, que conseguiu a evacuação de Daraya (cidade na periferia de Damasco considerada um dos mais importantes bastiões dos rebeldes), bem como a retoma de zonas cruciais em Damasco e Alepo. Numa visita recente a Daraya, acompanhado pelos seus ministros, Assad afirmou que não pensava na demissão e que “reunificaria” o país sob o seu comando destruindo todos os “terroristas” (termo usado pelo ditador para referir-se a toda a oposição, seja militar ou civil).

Após pronunciar estas palavras desafiadoras e macabras, ordenou o bombardeamento de várias zonas do país e proibiu, durante as primeiras horas da “trégua”, a entrada de ajuda humanitária em zonas ocupadas de Alepo (calcula-se que vivam mais de 250.000 civil nas zonas ocupadas da cidade).

Recentemente, os rebeldes tinham recuperado partes de Alepo e reaberto as linhas de abastecimento às zonas libertadas ao regime, mas o exército sírio, com o apoio da força aérea russa, voltou a controlá-las.

Só durante o mês de Agosto o regime matou mais de 500 civis e utilizou cerca de 2000 barris explosivos em bairros de Alepo e na região do Rif, tendo atacado 5 escolas, 8 hospitais e 3 centros operativos dos capacetes brancos, grupo de defesa civil que desencarcera vítimas dos escombros após os bombardeamentos e, assim, salva vidas.

As zonas preferidas dos helicópteros mortíferos de Assad são as zonas comerciais e residenciais, bem como terrenos agrícolas. Para além disto, utilizou cerca de 300 bombas de fósforo em vários pontos do país. O venenoso gás de cloro também foi usado duas vezes no último mês. Toda esta informação está presente num relatório do Instituto Sírio para a Justiça.[1]

Numa entrevista à BBC, Faysal Mekdad, ministro dos Negócios Estrangeiros sírio, declarou que o uso de barris explosivos por parte do regime, amplamente documentado por diversas fontes, é uma mentira difundida pelas “forças ocidentais e pelos países do golfo” para desestabilizar o país. “Os barris explosivos não existem”, assegurou o ministro.[2]

O acordo entre EUA e Rússia não tem em vista pacificar a Síria nem tampouco atenuar o drama das centenas de milhares de pessoas em situação de extrema pobreza e em risco de vida, senão pelo contrário, tenta fortalecer e consolidar as posições conquistadas recentemente pelo regime sírio (apoiado pela Rússia, Irão e Hezbollah) e derrotar a revolução que resiste, ainda que com debilidades e contradições, a mais de cinco anos de total isolamento. Cada vez mais se vislumbra a hipótese da divisão do país com a criação de várias zonas sob a influência de diferentes países.

Não à intervenção militar turca na Síria

A Turquia participa indirectamente no conflito sírio desde o seu início. Mais de um milhão de sírios e sírias cruzaram a fronteira entre os dois países em busca de refugio. A Turquia passou aliada de Assad a defender a sua saída à medida que os protestos pacíficos iniciados em 2011 se converteram num conflito armado e a situação se complicou com o surgimento de novos grupos e combatentes extremistas no país, alimentados em grande medida pelo próprio regime de Assad para semear o terror e derrotar o ímpeto transformador e revolucionário dos protestos.

Erdogan viu no conflito uma oportunidade para fortalecer as suas posições religiosas e alargar a sua esfera de influência. Desta feita, a lira turca já é utilizada em zonas do norte da Síria como moeda principal. A Turquia deixou de colaborar com a ditadura Síria para se aproximar da oposição, tendo inclusive permitido que os comandantes do Exército Livre da Síria dirigisse as suas operações a partir da Turquia.

Não obstante, o “apoio” à oposição síria sempre foi bastante formal, sobretudo a início, e nunca se traduziu na entrega de armas ou medicamentos às brigadas independentes e laicas que lutavam contra o exécito sírio. A Turquia forma parte do grupo “Amigos da Síria”, impulsionado pela França, que foi, na altura, uma tentativa de parte das grandes potências mundiais de controlar e dirigir a transição no país, já que o derrube de Assad parecia, na altura, iminente.

Por outro lado, há fortes indícios que a Turquia permitiu, através do relaxe do controle de fronteiras, a entrada de combatentes muçulmanos que viriam a engrossar as fileiras do Daesh, aparte de ter comprado petróleo ao grupo terrorista a preços muito inferiores aos de mercado. O Daesh cumpria uma função vital para a Turquia ao actuar como barreira ao avanço das forças curdas lideradas pelo PYD, partido irmão do PKK turco.

Esta atitude de “participação indirecta” no conflito mudou recentemente com a entrada do exército turco na Síria a 24 de Agosto com o objectivo de tomar a cidade de Jarablús, na fronteira entre os dois países, ao ISIL. Na intervenção recorreu-se a tanques aviões e forças especiais do exército, além do apoio, inclusive financeiro e de armamento, a grupos militares sírios. Tomaram várias cidades na fronteira, atancando não só o grupo terrorista, mas também as forças curdas do PYD.

A participação directa da Turquia no conflito cria um problema para os EUA, já que o PYD é um dos seus principais aliados na região, mas a Turquia forma parte da NATO e cumpre um papel determinante neste momento na contenção do fluxo de refugiados sírios a caminho da Europa. A trégua acordada entre os EUA e a Rússia tem seguramente também a ver com mais este factor somado ao conflito.

A interferência de qualquer potência militar na revolução síria deve se rejeitada. A Síriatransformou-se num enorme tabuleiro onde diversos países disputam entre si a influência no Médio Oriente. EUA, Rússia, Irão, Arábia Saudita, Turquia, Qatar, entre outros, financiam grupos e enviam armas e soldados para a Síria. É um verdadeiro genocídio de conhecimento público. Nenhum destes países, não obstante, actua realmente para atenuar o sofrimento do povo. Todos pensam unicamente nos seus interesses económicos nacionais. A única solução possível e viável é a derrota militar do regime sírio e para tal é necessário armar os grupos rebeldes que lutam contra Bashar al-Assad e o Daesh, as duas principais forças contra-revolucionárias activas neste conflito.

O plano de transição apresentado pela oposição síria

A oposição síria reunida no HNC (Alto Comité de Negociação, sigla inglesa) apresentou um plano de transição na Síria que prevê seis meses de negociações com o regime, um ano e meio de período de transição, eleições com supervisão da ONU e a aprovação de uma nova constituição.

Aparentemente, trata-se de um plano feito com a melhor das intenções, mas infelizmente não é assim. Primeiro, porque é um plano completamente inviável, dado que Damasco já reiterou inúmeras vezes que não negociará com os “terroristas”. Segundo porque o HNC tem nenhuma ou pouca influência sobre os grupos que actuam no terreno na Síria e são uma espécie de marioneta nas mãos de EUA, Reino Unido e Arábia Saudita. Por último o plano não reconhece o direito de autodeterminação aos curdos, e insiste em falar de uma Síria única e unida, o mesmo discurso do regime Sírio sobre o tema.

Por outro lado, e para complicar ainda mais a situação, existem problemas muito graves com o principal partido curdo, o PYD, apoiado pelos EUA e pela UE. É inegável que jogam um papel importante na libertação dos territórios curdos, mas fazem-no de forma autoritária, sem permitir qualquer tipo de contestação à sua liderança e aliando-se, se lhes convém, com quem for, para alcançar os seus objectivos imediatos.

Aliam-se a Assad num momento, recebem apoio dos EUA e da UE, juntam-se a brigadas do Exército Livre da Síria quando lhes interessa, mas levam a cabo limpezas étnicas quando conquistam uma cidades, expulsando os árabes, e reprimem os grupos que chocam com as suas políticas.

A derrota de Assad é condição essencial para pacificar o país

Reafirmamos que o principal responsável pela barbárie em que se transformou a Síria é o regime sangrento de Bashar al-Assad. Enquanto este genocida continuar no poder, não há saída política possível. Já lá vão mais de cinco anos de barris explosivos, armas químicas, assédios a populações inteiras, detenções em massa, violações, torturas e manipulação mediática.

Isto tem que acabar já e para isso é necessário defender o derrube imediato de Assad e a entrega de armas, não apenas de armamento ligeiro como acontece, mas de equipamento antimisseis e outro armamento pesado para que os grupos rebeldes se possam defender dos helicópteros sírios e dos aviões russos.

Por outro lado, repudiamos as intervenções militares de EUA, Rússia, França Turquia, Irão e demais países envolvidos no conflito sírio. Todos eles são cúmplices do regime de Assad e do Estado Islâmico. Estão todos juntos para derrotar a revolução do povo por justiça, democracia e dignidade.

Devemos exigir também a entrada de ajuda humanitária em todos os cantos do país que vivem este assédio permanente há mais de cinco anos.

[1] http://syrianjustice.org/en/

[2] http://www.bbc.com/news/world-middle-east-37294532

Por Gabriel Huland e Fabio Bosco

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