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Face Oculta: é preciso denunciar arquivamento das gravações Sócrates-Vara, exigir a sua divulgação e a abertura de inquérito parlamentar

arton292O arquivamento das oito certidões extraídas do processo Face Oculta que continham conversas telefónicas entre Armando Vara e José Sócrates, decidido pela Procuradoria-geral da República, é uma medida que visa impedir a investigação das relações entre o primeiro-ministro e a teia de corrupção que envolve a política e a economia portuguesas. Nessas conversas, o juiz de instrução criminal de Aveiro e o procurador titular do inquérito, João Marques Vidal, entenderam haver indícios de crime de atentado contra o Estado de Direito. Segundo os jornais, as conversas versariam sobre a compra de parte da TVI à Prisa e as formas de ajudar o dono do Grupo Controlinveste, proprietário do Diário de Notícias, Jornal de Notícias e TSF.

Armando Vara é político do PS, foi secretário da Administração Interna do governo de António Guterres, administrador da CGD e vice-presidente do Millennium BCP, por indicação do governo Sócrates. O seu passado não é recomendável: quando secretário da Administração Interna, criou a Fundação para a Prevenção e Segurança, que mais tarde descobriu-se ter feito campanhas para o governo sem passar por concursos públicos. Depois de ter sido constituído arguido do processo Face Oculta, Vara demitiu-se do cargo de vice-presidente do BCP, sem deixar, contudo, de receber os 30 mil euros de salário.

O Face Oculta investiga crimes económicos envolvendo o empresário de Tomar Manuel José Godinho. Já há 18 arguidos neste processo, entre os quais o presidente da Redes Energéticas Nacionais (REN), José Penedos, também do PS, e outros quadros médios e superiores de outras grandes empresas com participação do Estado, como a Galp, a EDP e a Refer. A investigação, segundo a imprensa, estaria a revelar que Manuel Godinho teria fechado negócios com essas empresas através de contactos com Armando Vara e outros arguidos, que, em troca, receberiam dinheiro do empresário de Tomar.

Todos estes elementos são mais do que suficientes para indicar que as conversas entre Sócrates e Vara seriam fundamentais para esclarecer como se processa a rede de corrupção que envolve o governo e as suas empresas. É evidente que a decisão do procurador-geral da República, Pinto Monteiro, de arquivar as gravações sob a alegação de que não têm relevância criminal é uma decisão política, cujo objectivo é impedir que José Sócrates seja envolvido no processo e possa, inclusive, ser obrigado a deixar o governo.

Mas não são apenas os altos magistrados da Justiça portuguesa, como Pinto Monteiro e Noronha Nascimento, presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que estão tentar defender o governo Sócrates. De Cavaco Silva – que se disse impedido de falar em público sobre processos judiciais – ao presidente da Sonae, Belmiro de Azevedo – que procura desvalorizar o processo Face Oculta dizendo “não ligo nada a isso, aquilo ainda é pior que as novelas da SIC ou da TVI” –, há um muro de silêncio no sentido de proteger Sócrates e evitar que seja formalmente envolvido no processo.

Ao contrário do que vêm argumentando vários políticos, o problema enfrentado pela Justiça portuguesa não é a fuga de informação ou a quebra do segredo de Justiça. É só nesses casos, pelo contrário, que a população fica a saber a verdade sobre os governantes, políticos e empresários. O verdadeiro problema enfrentado pela Justiça é a instrumentalização de que é alvo pelos governos, como está a ocorrer agora com o processo Face Oculta.

Os partidos de esquerda com assento parlamentar, o Bloco de Esquerda e o PCP, devem denunciar esta medida da Procuradoria-geral da República e exigir, pelo contrário, a divulgação das escutas e a abertura de um inquérito parlamentar para investigar as supostas ligações de Sócrates com a teia de corrupção e tráfico de influência endémica no País.

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