A crise já acabou?

A crise já acabou?

A crise já acabou?O governo Sócrates e alguns economistas burgueses, secundados por parte da imprensa, têm divulgado com grande alarde que a crise económica atingiu o seu pico e agora tende a amainar. Será verdade? Não é isto o que está a sentir, no bolso e nos salários, quando os há, a maioria da população.

Existem alguns elementos, de facto, que sugerem uma tendência à reversão da crise, como as pequenas recuperações da economia em alguns países centrais, como Japão, Alemanha e França, ou o crescimento da China, que depois de descer a 6% prevê-se alcançar os 8%. As encomendas na indústria da zona euro registaram, em Junho, uma recuperação superior à esperada, com a maior subida mensal dos últimos 19 meses. Alguns analistas dizem que dados como estes apontariam no sentido de uma recuperação não apenas conjuntural, mas que significariam já uma saída da crise, que seria, portanto, menos profunda que a de 1929.

É preciso ver o outro lado da moeda. Há dados que apontam na direcção oposta, como a manutenção da queda do PIB (Produto Interno Bruto) nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, Espanha e Itália; o consumo, em geral, continua a cair; o investimento privado não subiu, com o imobiliário comercial a começar agora a entrar em crise; e se o aumento do desemprego abrandou, não há recuperação dos postos de trabalho. A taxa real de desemprego nos Estados Unidos atinge 16% da população activa. Além disso, é preciso lembrar que a crise de 29 não registou uma queda constante, mas teve pequenas recuperações ao longo dos pelo menos nove anos que durou.

É verdade que os governos conseguiram reverter o colapso completo do sistema financeiro, mas continua a não haver crédito ao consumo e ao investimento. Para resumir, há uma diminuição no ritmo de queda, mas não há uma recuperação rápida e sustentada. Pelo contrário, está colocada a possibilidade de novas e grandes quedas na economia mundial.

Esta é a opinião, por exemplo de Nouriel Roubini, economista e professor da Universidade de Nova Iorque que ficou famoso por ter alertado para a eclosão da actual crise. Ele opina que esta pode registar uma evolução em forma de “W”, isto é, depois de uma rápida recuperação haveria uma recaída. Isto aconteceria quando os governos começarem a retirar os estímulos que injectaram nas economias. O Prémio Nobel da Economia em 2001 Joseph Stiglitz, por sua vez, considera que o mundo só entrará em recuperação económica dentro de quatro anos e que a tímida melhoria verificada actualmente é apenas uma “ilusão”.

Em Portugal

O crescimento de 0,3% do PIB no segundo trimestre deste ano, em relação ao primeiro, é praticamente o único indicador a alimentar a ilusão alardeada por Sócrates e sua equipa de que o pior já passou. Os demais não causam tão boa impressão. As encomendas à indústria portuguesa recuaram 27,7% no segundo trimestre deste ano face ao segundo trimestre do ano passado; a venda de casas em leilão por incumprimento das prestações do crédito subiu 30% no primeiro semestre; o défice do Estado no primeiro semestre cresceu 284% em relação a igual período de 2008, devido à redução de receitas e agravamento da despesa; e os processos de insolvência em Portugal aumentaram 29,4% no primeiro semestre de 2009, face a período homólogo de 2008; etc.

O mais grave é que o desemprego não pára de crescer. Se forem contabilizadas as pessoas que trabalham poucas horas e as que não procuraram trabalho nas últimas semanas de Agosto, o desemprego atinge 11,2% da população economicamente activa, isto é, 635 mil pessoas. Entre os que têm emprego, mais de 15 mil estão ou estiveram desde Janeiro em regime de lay-off, isto é, com o contrato de trabalho suspenso e a receber cerca de menos 20% do salário.

É desta forma – descarregando a crise nas costas dos trabalhadores – que empresários e governo querem ultrapassá-la. Porque a banca, generosamente auxiliada pelo governo Sócrates, vem registando lucros, mesmo em tempo de crise. Os quatro maiores bancos privados portugueses apresentaram no final do primeiro semestre uma subida dos lucros de 17,4% em relação a 2008, o que corresponde a 4 milhões de euros de lucros por dia. Por outro lado, os impostos pagos pelos bancos desceram 16,7%.

Lutas no Verão

Se a reacção dos trabalhadores portugueses frente aos variados ataques da patronal e do governo ainda não atingiu o nível necessário para fazê-los retroceder isso não significa que não haja lutas. Neste Verão, mobilizaram-se, entre outros, os estivadores de Lisboa, os trabalhadores do Arsenal do Alfeite contra a ameaça de precarização; os corticeiros da região Norte contra o desemprego e os salários em atraso; os operários da Faurecia, a maior fornecedora da Autoeuropa, contra o lay-off; os próprios operários da Autoeuropa contra a retirada de direitos; e os trabalhadores da Groundforce, numa greve com quase 100% de adesão, mas que foi rapidamente suspensa pelos sindicatos com o argumento de que a patronal tinha cedido às suas reivindicações.

Cristina Portella

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