“Not My King”: Protestos em Inglaterra contestam monarquia

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Este fim-de-semana, centenas de pessoas saíram às ruas de Londres para protestar contra a coroação do rei Charles III. No entanto, estes protestos não se limitaram apenas à capital, tendo sido realizados outros semelhantes em Glasgow, na Escócia, e em Cardiff, no País de Gales. Os manifestantes foram vistos com cartazes onde se liam mensagens como “Not my king ” (Não é o meu Rei), “King parasite” (Rei parasita) “Pay nurses, not nonces” (Paguem os enfermeiros, não pedófilos) e “Abolish the monarchy, feed the people” (Abolir a monarquia, alimentar o povo).

O movimento republicano no Reino Unido defende a abolição da monarquia e a instauração de uma república com um chefe de Estado eleito. Os defensores do movimento argumentam que a monarquia é uma instituição desatualizada e antidemocrática, baseada no privilégio e não no mérito, e que perpetua um sistema de desigualdade social. Criticam também o custo da monarquia para os contribuintes e os vastos privilégios e influência da família real. Este movimento tem ganho força nos últimos anos, sobretudo entre as gerações mais jovens, que são mais céticas em relação às instituições tradicionais e à ideia de privilégio herdado. No entanto, continua a enfrentar desafios significativos, incluindo a popularidade enraizada da monarquia e o facto de qualquer alteração constitucional importante exigir uma vontade política e um consenso significativos.

A Polícia Metropolitana de Londres declarou ter efectuado 52 detenções durante a coroação, entre as quais vários organizadores do protesto, incluindo o líder do grupo anti-monárquico “Republic”, Graham Smith. Isto na sequência da recente aprovação da “Lei da Ordem Pública”, que foi aprovada à pressa, mesmo a tempo de reforçar os poderes da polícia antes da coroação.  Note-se que o projecto de lei visa abertamente grupos como “Black Lives Matter”, “Extinction Rebellion” e “Just Stop Oil”, e fornece um pretexto ainda mais amplo para uma ação mais forte contra manifestantes pacíficos em particular. Vários ativistas ambientais (principalmente da “Just Stop Oil”) também foram presos, o que é irónico, uma vez que o novo rei tentou apresentar-se como um ambientalista convicto e suposto apoiante de ações de combate às alterações climáticas. 

Esta coroação tem lugar no contexto de uma grave crise económica. Embora o governo tenha prometido um “evento reduzido”, também se recusou a apresentar um valor real para o custo da coroação, com estimativas dos meios de comunicação britânicos que dizem que pode variar entre 50 milhões e mais de 100 milhões de libras (56 milhões a 112 milhões de euros). Entretanto, as pessoas da classe trabalhadora lutam para fazer face a uma crise de custo de vida e a uma inflação cada vez mais elevada. Os bancos alimentares registam um número recorde de distribuição de pacotes de alimentos, os serviços públicos estão a falhar na sequência de anos de austeridade e de um esvaziamento propositado dos seus recursos e financiamento, e cada vez mais enfermeiros, professores, condutores de comboios e outros trabalhadores fazem piquetes de greve por melhores condições de trabalho e salários. 

O próprio rei Charles III goza de numerosos privilégios e benefícios, para além do facto de a sua coroação ser financiada por fundos públicos, incluindo imunidade em relação a muitas leis, a capacidade de vetar a legislação, uma fortuna substancial e um subsídio anual de cerca de 330 milhões de libras (372 milhões de euros) do erário público. No entanto, é também um grande proprietário de terras, com um vasto império imobiliário que inclui palácios, uma série de casas, locais históricos e atrações turísticas, e vários parques empresariais. Além disso, o império de Charles inclui 305 000 hectares de terras ricas em minerais, das quais a Crown Estate tem direitos de extração de carvão, ouro, prata, calcário e muito mais. 

Enquanto rei, Charles é também proprietário de mais de metade da costa britânica e de praticamente todo o fundo marinho (bem como de quaisquer recursos aí encontrados), valendo em conjunto cerca de 2 mil milhões de libras. A dimensão da riqueza e das propriedades de Charles levou muitos a questionar a relevância da monarquia e a necessidade de o público continuar a apoiá-la. Os manifestantes criticaram a acumulação de grandes quantidades de terras e propriedades por parte do rei, especialmente tendo em conta a atual crise económica e as lutas dos jovens e da classe trabalhadora britânica. O facto de a riqueza de Charles só ter aumentado desde que assumiu o trono apenas veio alimentar os seus argumentos e, em última análise, não se trata apenas de um rei coroado, mas de um magnata do imobiliário de proporções épicas. De facto, se tivermos em conta a sua fortuna pessoal, Charles é, de longe, o investidor imobiliário mais rico do mundo.

A monarquia não é apenas uma família, mas uma instituição, e a coroação simboliza o elitismo inerente e a acumulação de riqueza não merecida na Grã-Bretanha moderna, que contrasta fortemente com as lutas dos que têm baixos rendimentos e tentam fazer face às despesas. O evento também destaca a realidade de que a mediocridade muitas vezes prospera entre os privilegiados e poderosos, e que o país ainda não se reconciliou totalmente com a violência do colonialismo. Solidariedade para com todos os que protestaram contra a coroação, em particular para com os que foram detidos, bem como para com os movimentos antimonárquicos e republicanos do Reino Unido e de toda a Commonwealth.

Thomas Bloomfield
(Militante do MAS)

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