Governo vira costas à educação

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O Ministro da Educação (ME), João Costa, muito se tem esforçado por fazer de conta que não entende os reais motivos pelos quais cada vez mais profissionais da educação lutam juntos em defesa da dignidade das suas carreiras e da sobrevivência da escola pública. Quem ouve as suas declarações, bem como as do Primeiro Ministro (PM), António Costa, fica com a sensação de que a greve por tempo indeterminado que vem, desde dezembro, paralisando escolas de norte a sul do país, não passa de um grande mal entendido em torno de um conjunto perfeitamente inocente de propostas sobre o modelo de recrutamento e gestão do pessoal docente. 

A verdade é que a proposta do ministro para contratação e colocação de professores através de conselhos locais de diretores indicados pelas câmaras municipais, com base em critérios dúbios e pouco transparentes, foi “apenas” a gota de água e que a luta partilhada pelo pessoal docente e não docente (professores, auxiliares de ação educativa, educadores, psicólogos, entre outros) é movida por reivindicações muito mais antigas e profundas em torno da dignificação e valorização das carreiras, bem como pela necessidade urgente de resolver a falta de profissionais e de condições nas escolas. É por isso que a luta dos profissionais da educação não é, nem deve ser, uma luta apenas de quem trabalha nas escolas, pois o que está em causa é a garantia de acesso a um ensino digno, de qualidade e público para todos, independentemente da sua condição. Assim, a luta pela escola pública deve, sim, ser também dos pais, dos alunos e de todos os que querem um país com cada vez mais qualificação, maior e melhor acesso à educação e esperança no futuro.

A verdade é que, por mais que o governo PS tente pintar uma qualquer outra realidade para ganhar a simpatia da opinião pública,  as escolas estão em greve porque a situação é grave: porque recusam um projeto de país em que o recrutamento nas escolas venha a ser feito com base em cunhas ou outros compadrios, sob influência do poder das câmaras municipais e diretores; porque exigem melhores salários, pois os atuais são baixos e, combinados com o aumento do custo de vida, não dão para viver com um mínimo de qualidade, muito menos sem apoios para quem se vê obrigado a deslocar-se, com custos acrescidos de renda e/ou transporte; porque lhes é negado o direito à progressão nas carreiras, através de mecanismos de “quotas” e avaliações injustas, bem como à contagem integral de todo o tempo que efetivamente trabalharam; porque são essenciais, mas também desvalorizados, sobrecarregados e desrespeitados pelos sucessivos governos PS/PSD.

Mesmo que o atual governo PS venha a deixar por escrito um compromisso em não avançar com nenhuma etapa do processo de municipalização do ensino (com ou sem instauração de conselhos locais de diretores), os profissionais da educação sabem – e têm-nos dito – o mais importante: falta tudo o resto. Com a recusa em reconhecer que esta luta é sobre muito mais do que um modelo de recrutamento, o governo escolhe conscientemente virar costas à educação e, tendo em conta recentes desenvolvimentos, parece preparar-se para, inclusive, tentar dar-lhe um coice.

A luta dos profissionais da educação aponta o caminho

O governo do PS continua, lamentavelmente, com a orientação de muitos outros governos no passado, de procurar ser o “melhor aluno” da Europa, ou seja, comprometendo-se a que o dinheiro dos nossos impostos seja canalizado para assegurar o pagamento de 6 mil milhões de euros de dívida “pública”, acima de qualquer outra necessidade que o país possa ter. É por este motivo que temos as nossas escolas e os nossos hospitais à beira do colapso, entre outros problemas estruturais que persistem por falta de financiamento e que vão do acesso à rede de transportes públicos ao acesso à cultura e à habitação, da soberania alimentar à transição energética. Por outro lado, vemos que continua o financiamento da banca privada – que faliu e foi vendida por tostões, como o ex-BES, por exemplo –, onde já foram gastos perto de 30 mil milhões de euros para tapar buracos e até compensar corruptos. O governo apoia-se na sua maioria absoluta no Parlamento para continuar, na essência, a governar para os poderosos e recorre a pacotes sucessivos para maquilhar a grande perda de poder de compra dos trabalhadores, na tentativa de evitar que estes passem do sentimento de indignação à mobilização nas ruas. 

É neste contexto que os profissionais da educação estão a travar uma luta sem precedentes em defesa da escola pública e o governo não está a gostar: as constantes mentiras por parte do Ministro – e agora também do PM –; o parecer da DGEstE que alenta os diretores a manterem as escolas abertas sem profissionais suficientes; pareceres como o da Câmara de Loures que procuram acobertar a utilização de ATLs para substituir trabalhadores em greve; o recente pedido de parecer sobre a ilegalidade da greve à Procuradoria Geral da República (que o presidente Marcelo considerou já vir tarde); o comunicado da CONFAP (que recebe verbas do Ministério da Educação) a exigir serviços mínimos; todas estas são manobras para intimidar os profissionais em luta, sinal do desespero do atual executivo, que não só está consciente de que esta luta é um perigo para a sua política de desinvestimento, como está com medo de que esta se expanda para outros setores.

Apesar das tentativas de intimidação, há cada vez mais profissionais da educação a lutar em conjunto. Foram ultrapassadas barreiras há muito levantadas por quem quer anestesiar as lutas nas escolas e é precisamente essa unidade para lutar, que junta tanto o pessoal docente como o não docente, a chave para vencer e fazer frente às ameaças do governo. “Estas questões não se resolvem fundamentalmente no campo do Direito, resolvem-se no campo da luta”, alertava Garcia Pereira na sessão online de esclarecimento do S.TO.P., o Sindicato de Todos os Profissionais da Educação, que convocou a greve por tempo indeterminado. Se o governo ataca assim os profissionais em luta, então temos de organizar a defesa e o importantíssimo sinal dado pela união entre pessoal docente e não docente pode ser um passo decisivo para o despertar de uma luta mais geral. 

Nestes últimos meses, vários setores de trabalhadores têm realizado importantes greves, dos maquinistas da CP aos pilotos da TAP, passando pelos trabalhadores da Autoeuropa. São lutas que surgem pelo aumento dos salários que compense a inflação e pela valorização das carreiras. Por isso, uma unidade de todos os trabalhadores em luta é uma forma de potenciar todas essas lutas sectoriais. Já que este governo insiste na mesma política de desmantelamento dos serviços públicos e a sua entrega aos interesses privados, através do enorme desinvestimento – que vai da desvalorização das carreiras à falta de recursos e de condições de trabalho – e do favorecimento dos privados através de parcerias, é preciso lutarmos em conjunto pela defesa dos serviços públicos e usarmos a nossa força para discutir com o governo o que se faz com o dinheiro público. Para estarmos preparados para essas lutas, é essencial construir e fortalecer este novo sindicalismo combativo e democrático, pois só assim será possível potenciá-las e avançar na construção de uma maior unidade entre diferentes setores dispostos a quebrar com as lutas rituais do sindicalismo tradicional. 

Todos sabemos que a UGT é dirigida por uma coligação de dirigentes “sindicais” numa colaboração de acordos do PS com o PSD. Todos sabemos que a CGTP e os sindicatos a si afetos, incluindo, obviamente, a FENPROF, são largamente influenciados por membros do Comité Central d-o PCP há décadas, um partido que utiliza os sindicatos como correias de transmissão e que os dirige com mão de ferro e burocraticamente, ao ponto de, em muitos sindicatos, ser praticamente impossível listas alternativas conseguirem atender a todas as exigências estatutárias para poderem concorrer, eternizando-se assim as cúpulas dos sindicatos. Por alguma razão a FENPROF é cada vez mais repudiada por largos setores de professores, ao ponto de um sindicato minoritário – mas democrático, que ausculta permanentemente as bases e que a elas  se submete – ter, em pouco tempo, sido escolhido por milhares de  professores como sua direção de luta, com centenas de piquetes de greve em frente às escolas e não uma, mas duas grandes manifestações nacionais em apenas um mês.

Tal como no plano sindical, também no plano político urge erguer novas forças políticas à esquerda, de modo a evitar que a extrema-direita continue a avançar e para que nos dotemos de uma esquerda combativa, anticapitalista, com capacidade de enfrentar o governo e exigir um novo rumo ao país. Se, por um lado, a direita neste país é tão responsável quanto o PS pelo lamentável estado de coisas, infelizmente à esquerda a situação não tem sido, nem é, melhor, com a esquerda parlamentar em contramão com os trabalhadores, mantendo uma postura inócua enquanto tudo continua a ir de mal a pior. Quem tem beneficiado com a assimilação progressiva dos partidos de esquerda pelo regime tem sido a extrema-direita, que se aproveita da falta de alternativas anti-sistémicas – e até anticapitalistas – para dialogar com largos setores de trabalhadores descontentes. Por isso defendemos uma renovação à esquerda no plano político, assim como no plano sindical. Contem com o MAS para estes desafios. Junta-te a nós para renovar a esquerda e apoiar a luta de novos movimentos sindicais combativos e democráticos.

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