Violência Económica e Laboral:  Precárias nos querem, rebeldes nos terão

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Os últimos dois anos foram marcados pela pandemia e a gradual degradação dos serviços públicos e qualidade de vida. Na saúde, os serviços específicos à saúde da mulher (ginecologia e obstétricia) sofrem uma profunda quebra. No trabalho, este não só se tornou mais precário, como foi particularmente exigente das mulheres. Isto é evidente nos setores de maior segregação de género (e.g., trabalhos de limpeza, prestação de cuidados), que tendo mantido a sua atividade, exigiram mais das trabalhadoras sem melhorias na sua condição de trabalho. Aliás, no meio de uma crise de saúde, estas trabalhadoras foram consistentemente expostas ao risco de contrair COVID-19, sem capacidade de se protegerem devidamente. A linha da frente contra a pandemia foi assegurada pela mulher trabalhadora: 76% dos profissionais de saúde na EU são mulheres, bem como 95% dos empregados de limpeza e auxiliares domésticos, 93% dos educadores de infância e professores, 86% dos auxiliares da ação médica e 82% dos empregados de caixa de supermercado. Os setores predominantemente femininos (como cuidados infantis, vendas ao público e turismo) foram particularmente afetados, tendo em muitos casos a sua atividade sido reduzida à inexistência.

Mas também o trabalho remoto foi duro sobre as mulheres, com o duplo fardo das tarefas domésticas e a inacessibilidade a creches, escolas ou outros serviços similares durante este período (e a sua inacessibilidade financeira fora deste período) que asseguram a prestação de cuidados. Enquanto o mundo vê o lado positivo da pandemia, com a flexibilização do trabalho remoto ou híbrido e o seu potencial para maiores níveis de produtividade, a luta invisível das mulheres persiste. Em Portugal, pré-pandemia, mulheres formalmente no mercado de trabalho dedicavam ao trabalho doméstico (não remunerado) cerca de 15 horas semanais (cerca de duas horas diárias) e 22 horas semanais ao cuidado de crianças (cerca de três horas diárias), mais 7 horas para ambas as tarefas do que os homens. A estes números acresce ainda o cuidado de idosos quando as instituições não conseguem dar resposta (e no caso da realidade pandémica, eram um risco a múltiplos níveis) e o salário não chega para mensalidades do setor privado. No mundo pandémico, a mulher trabalhadora, sem fontes de apoio, ficou ainda mais sobrecarregada com o fardo doméstico, que 24 horas por dia é trabalhadora e cuidadora na larga maioria dos casos.

Para muitas mulheres, os custos acumulados de prestação de cuidados empurram-nas para fora do mercado de trabalho, onde estão menos financeiramente capacitadas que os homens para assegurar as necessidades da família. As mulheres constituem a maioria dos trabalhadores a tempo parcial da EU: 34.9% das mulheres trabalham neste regime, contra apenas 8.6% dos homens. Infelizmente, não é só a pressão para estar mais tempo em casa que afeta as mulheres trabalhadoras. Em Portugal, a mulher ganha em média 88 cêntimos por cada euro que um homem ganha. 

E mesmo olhando para lá deste diferencial, existem múltiplos fatores que impedem a mulher trabalhadora de progredir na carreira e conseguir independência económica. A mulher tem muito menos probabilidade de conseguir uma posição de chefia, apesar de em geral ter mais habilitações literárias. Mesmo quando atingem estas posições, verifica-se que o diferencial salarial só tende a aumentar com o nível de qualificação. E apesar das múltiplas iniciativas para a igualdade de género, as organizações não investem ativamente em melhores práticas: 79% dos executivos entrevistados num estudo pelo IBM indicaram não formalizar a promoção da igualdade de género na liderança dentro das suas organizações, não estando convencidos de que seja uma “mais-valia” para o negócio. As trabalhadoras são assim penalizadas porque a sua condição é em geral considerada como não sendo uma “mais-valia”: empregadores evitam contratar mulheres com medo que engravidem e tenham de lhes pagar licença de maternidade, as mulheres em média tiram mais dias para cuidar de dependentes e consistentemente perdem em comparação com colegas do sexo masculino que não sofrem por estas responsabilidades ou expetativas. Sistematicamente, o sistema promove a dependência financeira da mulher do homem, e fragiliza a mulher, tornando-a vulnerável a todo o tipo de violência (na precariedade laboral, no assédio moral e sexual, na realidade doméstica). 

É necessário investir em apoios estruturais. É preciso expandir os direitos laborais, aumentando as licenças de paternalidade, um aumento generalizado de salários e um maior apoio às famílias monoparentais. A mudança de costumes, estereótipos e expetativas é um trabalho geracional, que só é possível ser verdadeiramente enraizado num sistema que assegure a segurança e independência de todos. Só é possível a permanência das mulheres no mercado de trabalho, com plenitude de direitos e verdadeira igualdade de género, se as tarefas que lhes são socialmente atribuídas forem socializadas. Isso implica não só que as mulheres ficam libertas dessas funções, mas que essas mesmas funções passam a ter reconhecimento como trabalho. A socialização do trabalho doméstico, através de investimento em lavandarias, cantinas, lares e creches, é essencial para a liberação da mulher do trabalho doméstico, mas também é uma garantia de condições de vida para a sociedade como um todo.

Em suma, lutamos para abolir a desigualdade entre homens e mulheres. Para isso, exigimos:

  • Rede pública e gratuita de creches, lares, cantinas e lavandarias;
  • Proteção aos direitos de parentalidade;
  • Salário mínimo nacional de 1000€;
  • Fim das empresas de trabalho temporário.
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