Este país não é para grávidas

Este país não é para grávidas

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Marta Temido demitiu-se do cargo de Ministra da Saúde, após meses de caos nas urgências e maternidades, alimentados por uma política persistente de desinvestimento e degradação do SNS. Mais precisamente, estamos a falar de nove meses consecutivos em que morreram mais de 10 mil pessoas em Portugal. Em maio e junho deste ano, Portugal registou o maior excesso de mortalidade da União Europeia (UE), com quase o quádruplo da média, e, em julho, o país estava apenas atrás do Estado Espanhol. Só nos primeiros seis meses de 2022, 119 bebés com menos de um ano morreram em Portugal, resultando na taxa de mortalidade infantil mais alta desde 2018.

A estes dados juntam-se os dados de 2020 – últimos disponíveis – relativos à taxa de mortalidade materna que atingiu os 20,1 óbitos por 100 mil nascimentos, o nível mais alto dos últimos 38 anos. O diretor do departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Santa Maria, Diogo Ayres-de-Campos, aponta que as causas poderão estar relacionadas com a “degradação dos cuidados obstétricos, o aumento da idade da gravidez e de grávidas com patologia”. Os encerramentos de urgências de ginecologia e obstetrícia em vários pontos do país, por exemplo, significaram um aumento do risco em situações de saúde agudas. O menor acesso a cuidados médicos durante e após a pandemia, a descapitalização dos serviços públicos, assim como o aumento das dificuldades económicas provenientes dos baixos salários também não podem ser ignorados.

Como consequência destes níveis de mortalidade, temos em 2022, pela primeira vez, um recuo na esperança média de vida, em Portugal. As medidas tomadas pelo Governo apenas servem para criar a ilusão de que alguma coisa está a ser feita, mantendo tudo na mesma, pelo que mera substituição da ministra não resolverá as graves insuficiências do nosso sistema de saúde. A crise no SNS não é conjuntural, pelo que a solução nunca o poderá ser. No entanto, o PS continuará o caminho de sempre: o de desinvestir no SNS, deixando-o definhar, para que os grandes grupos privados da saúde possam ocupar esse espaço. Para os senhores dos mercados, os lucros estão acima das nossas vidas e os serviços públicos têm de ser transformados num negócio. 

A crise do SNS é nada mais do que uma manifestação deste plano. A destruição é de tal ordem que chegámos ao ponto em que o nosso SNS não consegue garantir os escassos 200 nascimentos, por dia, que se registam em Portugal. As piores consequências de um SNS em rutura, como o excesso de mortalidade, o aumento da mortalidade materna, a falta de médicos de família, a falta de cuidados de saúde primários, as urgências fechadas ou a exaustão dos profissionais de saúde recaem sobretudo sobre os mais pobres e as pessoas com mais vulnerabilidades.

Precisamos de uma alternativa à cultura de terceirização e favorecimento dos privados. É necessário um forte investimento no SNS, com valorização das carreiras para fixar profissionais, reorganizar e internalizar meios complementares de diagnóstico e terapêutica, atualmente contratados a estruturas privadas, e revitalizar os cuidados de saúde primários, para que funcionem como a principal frente de acesso a um sistema de saúde verdadeiramente público, universal e gratuito.

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