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Monkeypox: um velho vírus com uma nova máscara homofóbica

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Desde maio que têm surgido notícias a dar conta de surtos de varíola dos macacos (“monkeypox” em inglês) em países não endémicos, com principal incidência no Reino Unido, Espanha, Portugal, Canadá e Alemanha. No início de junho, o número de casos contabilizados em Portugal ultrapassou os 200 infetados, sendo todos, até à data, indivíduos do sexo masculino, com idades entre os 19 e 61 anos (estando a maioria abaixo dos 40).

A 18 de maio, a CNN decidiu lançar uma notícia cujo título citava Vitor Duque, presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia, com as seguintes palavras: “Pode ser o início de mais uma epidemia entre os homossexuais ou alastrada a toda a população”1. A publicação, que começa por afirmar a ligação entre a comunidade homossexual e o vírus, dá ainda a entender, também através das palavras de Vitor Duque, que todos os casos registados são de homens homossexuais, pois, segundo este, o vírus “Transmite-se através de contactos íntimos, neste momento entre homens”. Também Margarida Tavares, diretora do Programa Nacional para as Infeções Sexualmente Transmissíveis e Infeção por VIH da DGS, reforça o estigma, afirmando que, entre os casos confirmados em Portugal, estão homens “que fizeram sexo com outros homens”.

No entanto, ao mesmo tempo que dois destacados profissionais de saúde – assim como a comunicação social – contribuem de forma irresponsável e discriminatória para a narrativa de que este é um problema da comunidade homossexual (e seus supostos comportamentos de risco), a verdade é que não só os casos detetados não são exclusivos à comunidade homossexual, como ainda está por confirmar, por parte dos especialistas, a possibilidade de transmissão do vírus pela via sexual. De facto, apesar de este ser um vírus já consideravelmente conhecido pela comunidade científica, existem ainda algumas dúvidas específicas quanto aos meios de transmissão. Atualmente, sabe-se que as feridas causadas na pele e o contacto muito próximo são alguns deles, sendo também possível que se transmita por gotículas na respiração. Contudo, relativamente à transmissão por fluídos corporais (como sémen e fluidos vaginais), esta ainda está a ser estudada.

É, por isso, indignante constatar que os meios de comunicação inseriram repetidamente o detalhe do género e orientação sexual dos primeiros casos, dando também espaço e cobertura ampla a comentários homofóbicos de várias pessoas (de especialistas a comentadores), que novamente referiram promiscuidade, género e sexualidade. Mais uma vez, os meios de comunicação fazem perante nós a sua estrondosa magia de deturpação e imposição de interpretações unilaterais, constantemente discriminatórias e fundamentadas em pura desinformação.

Exigimos meios de comunicação e um sistema de saúde que não sejam discriminatórios e que não se aproveitem de minorias para espalhar homofobia. Exigimos um sistema de saúde capaz de atender dignamente os problemas de saúde de toda a população, incluindo da comunidade LGBTQIA+, sendo urgente reforçar os meios materiais e humanos do SNS.

1 https://cnnportugal.iol.pt/monkeypox/variola-dos-macacos/variola-dos-macacos-pode-ser-o-inicio-de-mais-uma-epidemia-entre-os-homossexuais-ou-alastrada-a-toda-a-populacao/20220518/628520e60cf2ea367d3c8469

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