Bandeira Visibilidade Bissexual

A C D E F G.. espera não havia ali um B?

Uma análise das problemáticas da (in)visibilidade Bi.

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Apesar da crescente tendência para defender e reivindicar os direitos e experiências da comunidade LGBT+, a sensibilização para com a bissexualidade passa principalmente por sensibilização para a sua visibilidade. Em comparação com hétero e homossexuais, os bissexuais sofrem mais opressão, têm mais probabilidade de sofrerem de discriminação no trabalho, de serem vítimas de violência doméstica e de desenvolverem problemas de saúde mental. É comum quem se identifica como bissexual sentir-se pressionado para se conformar com uma identidade, sendo o grupo LGBT com maior dificuldade a sair do armário.

Ser bissexual, na perceção pública, é não ser gay o suficiente para ir ao Pride, mas não ser hétero o suficiente para se assimilar nos contextos tradicionais. Ser bissexual é num grupo ser hétero e noutro gay, é ser camaleão social. Ser bissexual é sentir-se traidor por assentar com alguém doutro género, mas sentir-se impostor se é assumido como homossexual numa relação com o mesmo género. Ser bissexual é desaparecer entre os espaços seguros para outros, pressionado a escolher um dos lados.

A visibilidade não passa simplesmente por um aumento da representação, mas de boa representação. Identidades bissexuais são constantemente apagadas: homens bissexuais, como o Freddie Mercury, são lembrados como homossexuais; mulheres bissexuais, como a Megan Fox, são vistas como heterossexuais com tendências sexuais experimentais. Estas mulheres são largamente objetificadas e fetichizadas, ao ponto em que existe uma pressão para figuras públicas femininas se envolverem em práticas de bissexualidade performativa, como vimos com a Jessie J, a Nikki Minaj ou no videoclipe da Rihanna e da Shakira (Can’t Remember to Forget You) e na icónica performance entre a Madonna, a Britney Spears e a Christina Aguillera nos VMAs em 2003.

O Homem Bissexual

A representação de homens bissexuais nos media é reduzida e difusa. Se olharmos para filmes dos anos 80, a sua representação é em geral de homens agressivos, criminosos e sem controlo moral. Hoje em dia, a sua representação é muito focada no seu caráter infiel ou falta de virilidade. O conflito mais comumente observado é o de parceiras sentirem que os parceiros são secretamente homossexuais ou menos “homens” por terem tido contactos homossexuais no passado. Esta desconfiança data desde a crise da SIDA dos anos 80, em que, para além do ataque aos homossexuais masculinos enquanto grupo mais afetado e visto como promíscuo e impuro, outros setores, em particular religiosos, focaram-se na construção da narrativa do perigo de homens bissexuais como agentes de transmissão entre a comunidade homossexual e o resto da população heterossexual.

Os homens bissexuais foram assim alvo de associações diretas do seu comportamento como desonesto, imoral e perigoso. Esta propaganda está também associada à inversão da população conhecida como bissexual, que era maioritariamente masculina antes desta época e desde então é feminina. Hoje a representação do homem bissexual é quase inexistente e, para bem e para o mal, a narrativa do medo forçou o público a reconhecer a existência da bissexualidade, mas esta existência foi uma tão negativa que forçou os mesmos a voltarem para o armário. No mundo atual, os testemunhos de homens bissexuais passam por serem considerados traidores de grupos queer ou de serem humilhados por parceiras do sexo feminino.

A Mulher Bissexual

A mulher bissexual é virtualmente inexistente. Mulheres que se assumem como bissexuais são acusadas de o fazer por atenção e muitas mulheres lésbicas abertamente não querem relacionar-se com estas por medo de serem abandonadas por um homem. Por outro lado, também há um cunho histórico associado ao compromisso à causa feminista, em que as mulheres bissexuais são vistas como traidoras à causa. Nos media conseguimos observar simultaneamente a infantilização da mulher bissexual como estando confusa ou a experimentar porque homens são intimidantes, ou a sua fetichização, através da lente masculina. Nos últimos anos, vimos cada vez mais artistas femininas a assumirem-se como bissexuais e admitindo depois que foi uma posição assumida para popularidade.

A mulher bissexual é assim representada como um símbolo de promiscuidade que não é intimidante para o homem. Este efeito é ainda pernicioso pela instrumentalização da relação entre mulheres, que em geral em termos platónicos é enquadrada como superficial ou antagónica e aqui as mulheres são unidas, não enquanto indivíduos, mas pelo seu desejo comum do observador masculino. Estas nuances sexistas não são exclusivas aos meios de comunicação heteronormativos, uma vez que, para além das noções de traição à causa tanto por homossexuais masculinos como femininas, temos ainda termos como “gold star”, que se referem a uma lésbica que nunca teve relações sexuais com um homem. A mulher e o seu valor estão assim sempre pendentes da sua relação ao homem, se foi de alguma forma profanada por este e nunca agente da sua própria sexualidade.

A ameaça presenteada pela bissexualidade

A bissexualidade em geral torna-se, portanto, um desafio à heteronormatividade. Não só porque desafia a narrativa puritana de monogamia que assenta na ideia de uma pessoa perfeita para cada um de nós, aqui não por contraposição com a poligamia, mas por contraposição ao desejo sexual por pessoas que são pintadas como inerentemente diferentes. Ainda que ser bi não implique ser poli, a imagem do bissexual é difusa ou inexistente, enquanto que temos muito presente a ideia do que é ser hétero e do que é ser homossexual.

Considerando as dinâmicas internas da comunidade LGBT+, a defesa da homossexualidade segundo estes mesmos standards é de não poderem evitar aquilo que sentem, então a bissexualidade é um desafio também ao ativismo gay, porque o indivíduo bissexual poderia tecnicamente evitar e escolher uma relação heteronormativa. A bissexualidade ameaça ainda porque é impossível provar a ausência de algo, então esta existência ameaça a narrativa construída pelo movimento gay tradicional, de que não é possível sentirem-se atraídos pelo sexo oposto porque estão atraídos pelo mesmo sexo.

A necessidade de combater e reivindicar espaços plurais

A luta pela visibilidade bissexual e, subsequentemente, reconhecimento e valorização social, não pode ser bem-sucedida jogando no campo das práticas normativas. Implica necessariamente uma aceitação de uma visão plural, afastada daquilo que “deve ser” a expressão sexual de qualquer um. A união do ativismo LGBT+ implica um foco em afastar os moralismos infundados em vez de definir novas linhas de normalidade, que excluirão sempre alguém. Esta luta tem também de estar intrinsecamente ligada ao feminismo e desconstrução de papéis de género, que delineiam os padrões de comportamento mesmo fora da heteronormatividade.

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