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Eleições Catalunha: a luta pela autodeterminação não cessou

No passado dia 14 de Fevereiro, tiveram lugar as eleições legislativas na Catalunha.

No contexto de pandemia que atravessamos, também na Catalunha, a abstenção cresceu substancialmente, dos 21%, em 2017, para os actuais 46%. Com uma base votante consideravelmente mais reduzida, iremos tomar os valores percentuais como a referência para as comparações com as eleições anteriores.

O vencedor das eleições foi o Partido dos Socialistas da Catalunha (PSC) que subiu dos 13,87% e 17 deputados, em 2017, para os actuais 23,02% e 33 deputados, ficando em primeiro lugar. Este resultado evidencia uma boa noticia para o governo nacional em funções, sobretudo, para o PSOE. O PSC parece conseguir conquistar uma parte importante dos catalães moderados, classes médias e trabalhadores que ainda conservam uma certa estabilidade nas suas vidas e que não são favoráveis à independência. Estes foram os sectores sociais que em 2017 votaram no Cidadãos (Cs), partido liberal de centro-direita, e que actualmente parecem ter-se transferido para o PSC. O Cs é mesmo o grande derrotado deste acto eleitoral, passando dos 25,23% e 36 deputados, em 2017, para os actuais 5,57% e apenas 6 deputados.

Logo atrás do PSC ficou o Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) com 21,31% e o Juntos pela Catalunha (JxC) com 20,06%, partidos independentistas, mas representando o centro-esquerda e o centro-direita catalães, respectivamente. Estes mantiveram, sensivelmente, as mesmas percentagens de 2017, mas alteraram de posição. Hoje, o ERC é o partido independentista mais votado, assumindo o anterior lugar do JxC, e colocando-se à cabeça das negociações de um possível governo composto exclusivamente por independentistas. Depois do fracasso e da repressão sobre a proclamação da independência, levada a cabo pelo JxC, em Outubro de 2017, a ERC abandonou a “via unilateral”, propondo agora a “via concertada” com o governo espanhol. Não nos podemos esquecer que a ERC é parte do apoio fundamental à manutenção do Governo nacional PSOE/UP.

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O Catalunha em Comum – Podemos (CCPodemos), partido irmão do Podemos, contrário à repressão do estado espanhol central mas sem defender abertamente uma posição de independência da Catalunha, passa dos 7,46%, em 2017, para os actuais 6,86%, mas mantém os mesmos 8 deputados que já tinha. Daqui também se pode retirar a conclusão de que nem a sua posição sobre a autodeterminação da Catalunha satisfaz, nem a sua colaboração com o PSE no governo nacional estão a representar grandes frutos eleitorais.

A Candidatura de Unidade Popular (CUP), esquerda anticapitalista e independentista, conquistam uma importante subida, dos 4,46% e 4 deputados, em 2017, para os actuais 6,68% e 9 deputados.

À direita, para além da dura derrota do Cs, o Partido Popular (PP) continua o seu processo de declínio, canibalizado pela extrema-direita, alcançando apenas 3,85% dos votos e 3 deputados, menos 1 que em 2017. O VOX, partido de extrema-direita espanhol, abertamente saudosista da ditadura franquista, conquistou o quarto lugar, com 7,69% e 11 deputados, na primeira vez que concorre a eleições na Catalunha.

Como se pode verificar, as três forças políticas mais votadas na Catalunha (PSC, ERC e JxC) tiveram percentagens de voto muito semelhantes, em torno dos 20%. Estes resultados evidenciam a manutenção de uma Catalunha bastante fragmentada, sem que nenhuma força política consiga formar governo sozinha. O processo de autodeterminação não foi completamente derrotado e o povo catalão continua à procura de uma solução para os seus problemas. Por outro lado, também no Estado espanhol, a direita tradicional parece atravessar uma crise profunda, alimentando o crescimento da extrema-direita. O crescimento das CUP e o surgimento da extrema-direita no parlamento catalão evidenciam ainda elementos de polarização social.

Ainda assim, os resultados eleitorais evidenciam uma maioria favorável à independência da Catalunha. A ERC, JxC e CUP conseguem manter uma maioria e a pressão pela autodeterminação catalã.

Neste momento, parecem existir, aliás, duas maiorias com capacidade de formar governo. Ou um governo formado pelo PSC e os partidos de esquerda (CCPodemos e ERC), à semelhança do Governo PSOE/UP e o apoio da ERC, que já existe a nível nacional. Ou um governo entre independentistas, composto pelo ERC, JxC e CUP.

É de salientar que o ERC, JxC e CUP assinaram um acordo, antes das eleições, que impede a formação de um governo que inclua o PSC, o que pode já indicar como mais provável a possibilidade de um governo entre independentistas. O ERC e JxC apontam a via da negociação com o governo central para a realização de um referendo de autodeterminação e o alcance de um acordo para a amnistia dos presos políticos envolvidos na declaração de independência da Catalunha, de Outubro de 2017.

A CUP assume o referendo de autodeterminação, a liberdade para os presos políticos e as vagas propostas de defesa do ambiente e “progressismo” como os pilares norteadores do seu apoio a um governo. A CUP, como esquerda anticapitalista, deve ponderar muito bem se a possibilidade de apoio a um governo independentista, com partidos que representam as elites catalãs, não significa a diluição das reivindicações da classe trabalhadora na luta pela independência, como tem ocorrido muitas vezes.

O independentismo no Estado espanhol sempre teve limitações, não tendo sido capaz de apontar um projecto político que seja do interesse do conjunto da classe trabalhadora da Catalunha e de todo o Estado espanhol, unificando solidariamente todos os trabalhadores numa luta comum contra a crise que atravessamos, em defesa dos serviços públicos, dos rendimentos, do emprego e dos direitos democráticos e laborais, rompendo o cerco nacionalista que existe em torno da luta pela independência catalã.

Para além do que se acaba de referir, é determinante que as negociações com o governo central sejam acompanhadas com a mobilização nas ruas. A CUP deve ter aqui um papel fundamental.

Entretanto, atravessamos mais um entre muitos casos de repressão política que têm lugar no Estado espanhol, através do julgamento e prisão do rapper catalão Pablo Hasél sob a acusação de “injúrias à monarquia e a instituições do Estado, em publicações na rede social Twitter e através de uma canção”. Este é apenas mais um caso da forma como o Estado espanhol trata os mais básicos direitos à liberdade de opinião.

É fundamental o fim da repressão do governo centralista autoritário de Madrid, que se diz de esquerda, do PSOE/UP, e a libertação de todos os presos políticos, respeitando o direto à independência das nacionalidades que assim o desejem, no caminho de uma sociedade liberta da exploração capitalista, num estado espanhol republicano, livre da monarquia dos Bourbons e onde sejam tidas em conta as aspirações legítimas do povo catalão e das outras nacionalidades do Estado espanhol.

Liberdade democrática para decidir frente à imposição pela repressão policial!

Autodeterminação frente ao nacionalismo espanhol!

República frente à monarquia!

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