Na Alemanha há rupturas na esquerda tradicional. Quem é Sara Wagenknecht?

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Um dos fenómenos mais interessantes ocorridos nos últimos anos na esquerda europeia foi, sem dúvida, a rutura no partido alemão Die Linke (A Esquerda) que levou à constituição de Um dos fenómenos uma nova formação política, o BSW (Bundnis Sahra Wagenknecht).

O BSW foi fundado em janeiro de 2024 por um grupo de antigos dirigentes do Die Linke, entre os quais Sahra Wagenknecht que dá, temporariamente, o nome ao partido (está prevista a mudança de nome do partido depois das próximas eleições alemãs).

O Die Linke havia sido criado em 2005, na sequência da fusão do PDS (Partido do Socialismo Democrático), sucessor do SED (Partido Socialista Unificado da Alemanha) que governou a Alemanha do Leste entre 1949 e 1989, com o WASG, uma cisão pela esquerda do Partido Social Democrata Alemão (SPD). O Die Linke teve sucessos eleitorais durante algum tempo, chegando a obter 11,9% dos votos nas eleições parlamentares de 2009, mas nos últimos anos entrou em grave crise, tendo mesmo ficado abaixo dos 5% nas eleições de 2021.

O ano passado, o BSW concorreu às eleições europeias, obtendo 6,17% dos votos e elegendo 6 deputados, e a três eleições estaduais no leste do país, obtendo entre 11,8 e 15,8% dos votos ficando sempre em terceiro lugar.

Prepara-se para concorrer às eleições federais do próximo mês, obtendo entre 4 e 7% dos votos nas sondagens, ou seja, tem grandes possibilidades de conseguir obter representação parlamentar para o que é necessário obter 5% dos votos (ou ganhar as eleições em pelo menos três distritos eleitorais). Já o Die Linke e os liberais do FDP deverão ficar abaixo dessa fasquia e, consequentemente, fora do parlamento federal, o Bundestag.

O BSW é um exemplo de um fenómeno político que, não sendo inteiramente novo, se acentuou nos últimos anos e que consiste em formações políticas que, embora sendo de esquerda, ou colocadas à esquerda no espectro político, em termos de políticas sociais e económicas, assumem, no entanto, em outros campos programáticos, posições tradicionalmente consideradas ‘conservadoras’ (na verdade verdadeiramente reacionárias) em temas como a imigração ou as políticas ambientais e de género. Por isso, às vezes estes partidos são chamados de esquerda conservadora. Exemplos recentes de partidos deste tipo são o partido grego Caminho da Liberdade (3,2% dos votos nas últimas legislativas), o Partido dos Trabalhadores da Grã-Bretanha que chegou a eleger um deputado para o parlamento britânico ou o partido sul africano MK do antigo presidente Jacob Zuma (14,58% dos votos nas últimas eleições legislativas).

O BSW defende, por exemplo, mais restrições à imigração, afirmando que, caso isso não seja defendido pela esquerda, o tema será apropriado pela extrema-direita. O partido defende também a família tradicional, embora não seja totalmente hostil aos homossexuais, e é especialmente crítico das políticas ambientais aplicadas pelo governo federal alemão. Aliás, uma das marcas do BSW é, precisamente, uma crítica feroz das posições políticas dos Verdes Alemães (que de verdes nada têm) o que também não é difícil dada a degenerescência total (e totalmente previsível) que os “Verdes” sofreram nos últimos anos. Os “Verdes alemães” estão hoje claramente à direita do SPD (o PS na Alemanha) e é verdadeiramente triste ver a ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, destes “Verdes”, justificar, em termos cínicos, o assassinato de civis em Gaza ou ser mais fanática do que os próprios dirigentes americanos no apoio à Ucrânia. Aliás, no tema da Ucrânia, o BSW distingue-se da maioria dos outros partidos alemães por defender uma resolução diplomática do conflito em termos que necessariamente implicarão significativas cedências da parte da Ucrânia e não apenas em termos territoriais. No entanto, neste tema da Ucrânia, a vitória eleitoral de Donald J. Trump levou a uma evolução das posições dos diversos atores políticos num sentido mais próximo daquilo que o BSW defende.

Para a esquerda revolucionária o que importa é perceber que as alterações nas diversas formações políticas (e partidos) têm sido uma constante, que se deve acompanhar a dinâmica e o percurso destas novas realidades políticas, mas não esquecendo que há não muitos anos atrás, também surgiram “novas” forças políticas e/ou partidos (como o Syriza na Grécia, Podemos em Espanha, BE, Livre e PAN em Portugal ou o PSOL no Brasil, ou o DSA, nos EUA), mas que na maioria dos casos se foram integrando e cooptados progressivamente nos regimes democrático-burgueses (e deles viverem materialmente), colaborando com políticas de austeridade. Destas colaborações estreitas com o ‘inimigo’, abriram posteriormente, consciente ou inconscientemente, a nova ‘época’ de ascenso da extrema-direita. Há que lutar juntos contra a extrema-direita mas não à custa ou da abdicação da construção independente de novas forças políticas verdadeiramente revolucionárias. Não que tenham que ser seitas sectárias, marginais e ultra-esquerdistas, mas sim com potencialidades de dialogar e se enraizarem nas lutas sociais e em sectores de massas significativos. É o que temos de fazer antes que seja tarde de mais diante os perigos reais de regimes autoritários e mesmo ditatoriais que podem vir de Bolsonaros, Venturas, Trumpes e outros tantos Mileis.

Junta-te ao MAS, pois estamos empenhados nessa (difícil) tarefa mas necessária e indispensável.

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