fim aos offshores

Pandora Papers voltam a expor o ADN do capitalismo

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Pandora Papers é a designação mediática dada à mais recente fuga de informação que permite, ao comum dos mortais, espreitar para dentro dos palácios opacos em que os poderosos vão casando interesses e gerindo fortunas.

Esta é uma fuga de informação com origem em apenas 14 empresas especializadas em criar companhias offshore,envolvendo cerca de 29.000 proprietários deste tipo de empresas, entre os quais figuram 330 políticos de 91 países, assim como 150 milionários, responsáveis pela ocultação de €10 biliões1. Não nos espantemos com estas grandezas, pois são apenas uma minúscula parte daquilo que se passa no submundo do capitalismo.

Esta fuga de informação denuncia nomes, negócios e propriedade de governantes, altos cargos com proximidade ao poder, banqueiros e grandes empresários de vários países, todos eles beneficiários da opacidade das companhias offshore. Entre eles podemos encontrar o antigo Primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair; o actual Primeiro-ministro da República-checa, admirador confesso de Trump, Andrej Babis; o actual Ministro da Economia brasileiro do Governo Bolsonaro, Paulo Guedes; o actual Presidente do Quénia, Uhuru Kenyatta; o actual Rei da Jordânia, Abdullah II, entre muitos outros, nos quais se inserem ainda alguns “ilustres” portugueses.

Entre os portugueses, destacamos como mais relevante, por ainda se encontrar a exercer um cargo político, Morais Sarmento, advogado e atual vice-presidente do PSD de Rui Rio. Não será forçado recordar que esta direcção do PSD foi a mesma que prometeu trazer um banho de ética à política portuguesa. Este é só mais um exemplo.

Morais Sarmento foi o beneficiário de várias companhias offshore, entre as quais se destaca a Magalia International – registada nas Ilhas Virgens Britânicas e que serviu para comprar uma escola de mergulho e um hotel em Moçambique. Logo depois de criada, a Magalia International, passou a ser gerida pela Eurofin Services, empresa ligada ao Grupo Espírito Santo (GES) e que foi usada pelo núcleo de Ricardo Salgado para concretizar mais-valias de €1.300 milhões, em operações financeiras opacas, actividade que motivou a condenação de Ricardo Salgado pelo Banco de Portugal. Segundo o próprio Morais Sarmento, escondeu-se atrás de uma companhia offshore para contornar a Lei moçambicana, fugindo às “limitações e impedimentos então existentes em Moçambique (aliás comuns a outros Estados africanos) quanto à detenção e transmissão diretas de imóveis e sociedades por cidadãos estrangeiros”2. Será isto um comportamento digno de um advogado de uma das maiores sociedades de advocacia portuguesas? E o que dizer de um político no activo?

Um segundo nome português é o já repetente Manuel Pinho. As 3 offshore que os Pandora Papers revelam como tendo o antigo ministro com beneficiário já são conhecidas do público através do inquérito-crime em curso sobre o alegado favorecimento à EDP, durante os Governos de José Sócrates. Uma dessas companhias offshore chegou a ter €1,6 milhões depositados numa conta do Banque Privée Espírito Santo, na Suíça. Este valor terá sido o resultado de uma avença mensal de cerca de €15.000, vinda do GES através de um esquema oculto, durante o período em que Manuel Pinho foi Ministro da Economia, de 2005 a 2009 — tendo continuado a receber esse valor até Junho de 2012. Parte deste dinheiro terá servido para comprar, entre outros luxos e mordomias, um apartamento no Platinum Condominium, a 100 metros de Times Square, por €1,2 milhões.

Estes são apenas alguns poucos exemplos. Para termos uma noção mais aproximada da teia de interesses opacos que se escondem nos paraísos fiscais, basta mencionar que a sociedade de advogados Alcogal, sediada no Panamá, registou mais de 600 empresas de fachada só para o núcleo de Ricardo Salgado e clientes do BES. Esta é, por exemplo, a mesma Alcogal que também ajudou a criar as estruturas offshore para os esquemas de corrupção da Odebrecht, no Brasil, ou para montar um esquema de subornos a funcionários públicos venezuelanos em troca de favorecimentos relacionados com a petrolífera estatal PDVSA.

Para que servem as offshore?

As companhias offshore são parte intrínseca da natureza do sistema capitalista, dirigida pela desenfreada acumulação privada de riqueza, por parte das classes dominantes. Não lhes basta a exploração e apropriação privada da riqueza global, destruindo tudo à sua passagem. Banqueiros, grandes empresários e seus representantes políticos desenvolvem permanentemente formas de aumentar ainda mais os recursos à sua disposição. Assim, utilizam as companhias offshore para institucionalizar, legalizar e ter acesso exclusivo ao monopólio do roubo e da corrupção, a nível mundial. Para as classes dominantes, estas acabam por ser apenas mais uma forma de acumulação privada de riqueza.

Daí que os líderes políticos e empresariais dos centros financeiros mundiais, nomeadamente, dos EUA e da UE, sejam contrários ao fim dos paraísos fiscais. Desta forma, deixariam de poder usufruir de uma boa parte das suas fortunas e privilégios. Fora dos radares, as companhias offshore servem para todo o tipo de crime ou imoralidade: desde a corrupção de cargos públicos, atropelos à Lei, lavagem de dinheiro, branqueamento de capitais, especulação financeira, evasão fiscal, ocultação de riqueza, até ao tráfico de droga, trafico de armas, tráfico humano, etc.

Em 2019, Portugal, apesar de ser dos países mais pobres da Europa, com perto de 20% da força de trabalho a viver do salário mínimo nacional, era o terceiro país da UE com mais riqueza em paraísos fiscais – cerca de €50 mil milhões desviados pelas famílias mais ricas do país, perto de 25% do PIB anual.

Muitos são os homens e mulheres providenciais, da extrema-direita, que se colocam como os salvadores de todos os nossos problemas, apontando culpas e estigmatizando imigrantes, ciganos, negros, mulheres, LGBT, etc. No entanto, uma das origens da desigualdade e pobreza está precisamente encoberta pelas offshore, algo que a extrema-direita não só não fala como tem ligações perigosas. Não é preciso ir muito longe: André Ventura, líder da extrema-direita portuguesa, que dedica tanto tempo a vociferar contra a corrupção, trabalhou para a Finpartner, empresa que se dedica precisamente aos esquemas de evasão fiscal e empresas offshore, investigada no caso Monte Branco.

A capacidade de desviar e esconder recursos por parte dos poderosos tem um impacto directo nas vidas de quem vive do seu trabalho, pois são recursos que estarão em falta para investir em serviços públicos, nas nossas habitações, transportes, saúde ou educação, assim como em emprego com salários dignos. António Saraiva, presidente da CIP – Confederação Empresarial de Portugal e representante dos interesses dos empresários, devia estar calado quando vem a público afirmar que o salário mínimo nacional não deve aumentar.

A simples possibilidade de existirem empresas offshore é a demonstração do pântano a que o sistema capitalista nos trouxe. O sistema capitalista mata! É urgente acabar com os paraísos fiscais e empresas offshore!

1 https://sicnoticias.pt/especiais/pandora-papers/2021-10-04-Pandora-Papers-os-bilioes-de-euros-ocultados-por-altas-figuras-do-Estado-f124ddce

2 https://expresso.pt/pandora-papers/2021-10-03-Pandora-Papers.-Quem-sao-os-politicos-portugueses-que-aparecem-c7338165

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