A França vai no nono dia consecutivo de protestos e paralisações. Passado pouco mais de um ano do início do movimento “gilets jaunes” (coletes amarelos – CA), que durou vários meses, e levou à rua multidões, a resistência dos de baixo, aos planos de empobrecimento desejados pelos de cima, volta a agitar o cenário político.
Nos últimos dias, os trabalhadores de França voltaram a erguer-se contra Macron. As greves têm como objetivo impedir a reforma do sistema de pensões proposta pelo presidente Macron. A greve tem tido particular impacto nos transportes, dos autocarros, aos comboios, aos metros, causando um caos nas estradas que dão acesso à capital1. O primeiro dia de greve, 5 de Dezembro, foi marcado por fortes manifestações em mais de 250 cidades e vilas francesas. As centrais sindicais falam em mais de 800 mil pessoas nas ruas, se assim for só tem paralelo com os números de 1995, quando Chirac enfrentou poderosas mobilizações e greves, precisamente por querer reformar o sistema de pensões. Apesar de fortes constrangimentos nos transportes, segundo uma sondagem divulgada no passado domingo, metade da população simpatiza com a greve.
A manifestação do dia 10 de Dezembro voltou a levar milhares às ruas, um pouco por toda a França, mas em menor número que a da semana passada2. A mudança proposta por Macron para a alteração ao cálculo das reformas, tem como contornos gerais: o actual regime que contempla vários regime de pensões (42 subsistemas), vai passar a ser “universal” e será calculada através de um sistema de pontos. Na prática, para a larga maioria dos trabalhadores, isto traduzir-se-á num aumento do número de anos de descontos para aceder à totalidade da reforma, e /ou à diminuição do valor da pensão. As greves, neste dia 13, continuam e afectam fundamentalmente os transportes públicos3.
Macron, que pretende avançar com mais uma medida anti-popular, não contava com tanta resistência. Em 2010, os trabalhadores tentaram resistir nas ruas ao aumento da idade de reforma aplicado pela direita, mas acabaram por ser derrotados. Em 2016, foi a vez do Partido Socialista francês atacar os direitos de quem trabalha, e promover alterações ao código laborar no sentido de desvalorizar a força de trabalho e tornar os vínculos mais precários. Também neste período, os trabalhadores se manifestaram mas foram derrotados. Estes últimos 9 dias demonstram que apesar dessas duas derrotas, muito por culpa das direcções burocráticas das grandes centrais sindicais, o movimento organizado de trabalhadores ainda tem força para resistir e parar o país, complicando os planos de Macron.
As direcções sindicais e os Coletes Amarelos
Apesar da perda de fulgor dos CA nos últimos meses, o último mês foi marcado por lutas, especialmente no sector público (que em média recebem menos que os trabalhadores do privado). Na Saúde, os trabalhadores têm feito greves exigindo melhores condições de trabalho e mais contratações. O sector dos transportes também tem estado em luta, onde os trabalhadores exigem das direções dos sindicatos mais do que aquilo que estes se propõem a fazer. A marcha contra a violência sobre a Mulher, no dia 23 de Novembro, em Paris, foi a maior de que há registo, reunindo cerca de 50 mil mulheres.
Estes meses de luta são possíveis depois do que foi o movimento Coletes Amarelos que amedrontou a burguesia e a classe média privilegiada e entusiasmou os sectores populares. Este processo foi tão forte que, há precisamente um ano, Macron se viu obrigado a recuar nas suas intenções. Esta vitória recente permitiu os trabalhadores ganharem confiança em si mesmos, e voltarem agora a resistir a mais um plano neo-liberal.
A actual greve foi marcada pelos sindicatos: CGT, Force Ouvrière e Solidaires e contou com o apoio dos CA. Esta unidade é um passo importante, a aliança entre o movimento sindical organizado e os CA, é imprescindível para os trabalhadores conseguirem derrotar os planos da burguesia representada por Macron. Ao contrário do que aconteceu noutras alturas, em que o sectarismo dos CA, e a tentativa de controlar o movimento e torná-lo inócuo, pela CGT, impossibilitou a convergência. Agora Macron é confrontado com ambos os movimentos em simultâneo.
Este primeiro passo foi importante, mas é insuficiente. A coordenação ainda está bastante aquém do necessário, como provam as 2 manifestações que se realizaram no dia 7 de dezembro, a horas diferentes, uma marcada pela CGT e outra pelos CA. Não será fácil derrotar mais esta medida neo-liberal, sem uma ampla e coesa unidade entre os explorados e oprimidos de todos os que vivem em França. Esta era uma das principais reformas que Macron prometeu nas eleições de 2017 e que mais entusiasmou a elite europeia, que viu em Macron alguém com capacidade para aplicar os planos neo-liberais para a economia franesa que a banca e os grandes grupos económicos desejam.
Macron está atolado em dúvidas. Mais uma cedência voltará a causar-lhe erosão na base social que o apoia, e irritar parte da elite que permitiu que Macron vencesse as eleições. Por outro lado, insistir em aplicar a reforma, sem fazer algumas cedências, pode resultar numa intensificação dos protestos, e correr o risco de perder o controlo do país.
Os próximos tempos serão decisivos, e só uma mobilização permanente dos trabalhadores será capaz de demover Macron. É necessário fortalecer a auto-organização dos trabalhadores, criar comités de greves por local de trabalho, fazer fundos de greve e expandir a greve aos sectores que ainda não paralisaram. As grandes centrais sindicais devem lançar o chamado a uma greve por tempo indeterminado até Macron desistir da reforma das pensões. O “habitat natural” da maioria das direcções sindicais é os gabinetes. A direcção da CGT, acomodada, incrustada nos gabinetes há longos anos, a léguas dos problemas da maioria dos trabalhadores, sem sofrer com a pressão e o assédio de vários tipos dos superiores hierárquicos e o risco do despedimento, passam o seu tempo à mesa das negociações.
O resultado está à vista: derrotas que se multiplicam e vitórias parciais que resultam, na melhor das hipóteses, em algumas migalhas para quem vive do seu trabalho. Em 1995 foram necessárias semanas de luta ininterrupta para obrigar Chirac a recuar. Agora o caminho terá de ser o mesmo.
1https://expresso.pt/internacional/2019-12-10-Greve-geral-em-Franca.-Terca-feira-negra-antes-do-Governo-anunciar-os-detalhes-da-revisao-das-pensoes-de-reforma
2https://www.lemonde.fr/politique/article/2019/12/10/dans-toute-la-france-des-manifestants-moins-nombreux-mais-determines_6022395_823448.html
3http://www.leparisien.fr/info-paris-ile-de-france-oise/transports/direct-greve-des-transports-du-mercredi-11-decembre-deja-plus-de-450-km-de-bouchons-en-ile-de-france-11-12-2019-8214747.php