Desde 17 de novembro, o movimento dos coletes amarelos na França vem protagonizando uma das maiores mobilizações dos últimos tempos: bloqueios de estradas, de refinarias, de avenidas, prédios públicos, etc.
As manifestações que começaram contra o aumento no imposto para combustíveis chegaram num patamar de reivindicações muito mais avançadas atualmente exigindo desde o aumento do salário mínimo, o aumento de impostos para os ricos, um limite para os salários mais altos e também a partida de Macron com eleições antecipadas. Até o momento, os coletes amarelos realizaram quatro grandes atos: 17 e 24 de novembro e 01 e 08 de dezembro.
Adiamento da taxa e reação burguesa
Diante da profundidade das manifestações contra o aumento do custo de vida, o governo teve que recuar na taxação dos combustíveis. Nessa semana anunciou a suspensão por três meses da taxa e uma mesa de diálogo com o movimento. Uma vitória do movimento, porém ainda muito longe de responder ao alto custo de vida para a maioria dos trabalhadores franceses.
Por outro lado, a burguesia não deixou de reagir. A imprensa liberal e conservadora atacou os movimentos dizendo que suas reivindicações são irrealistas ou buscando criminalizar o movimento taxando-os de vândalos.
A imprensa, por sua vez, não faz mais do que repetir o discurso do presidente Macron e do Primeiro Ministro Édouard Philippe que tentam criminalizar o movimento com o objetivo de enfraquecê-lo. Para quem lembra, no Brasil em 2013, esse foi o mesmo movimento: governo e imprensa tentaram criminalizar até o ponto que viram que as mobilizações eram tão amplas e populares e começaram a disputá-las.
É importante ressaltar que Macron não foi eleito para fazer um pequeno ajuste de contas na França, mas para desmontar profundamente o que resta de Estado de Bem-Estar Social e colocar o país no caminho da “competitividade”. A burguesia francesa apostou numa cara nova para conseguir retirar direitos, ampliar os seus lucros e se colocar de maneira competitiva com a burguesia alemã no seio da União Europeia. O problema é que nos planos de Macron e dessa burguesia encontrou-se com um movimento forte e inesperado.
O movimento estudantil entra em cena
Os ataques de Macron são por todos os lados. No sistema educacional diversas mudanças estão sendo preparadas para economizar dinheiro. Uma delas é o aumento das taxas de inscrição para estrangeiros nas universidades.
Para se ter uma ideia, a taxa que hoje custa 243€ para o mestrado, vai subir para 3770€ – praticamente mesmo aumento proporcional para licenciaturas e doutorado. Vale lembrar que a universidade francesa é uma das mais cosmopolitas no mundo com alta presença de estrangeiros em todos os níveis.
Contra o aumento das taxas e também em apoio as reivindicações contra o alto custo de vida, desde segunda-feira, diversas escolas e universidades estão se mobilizando. Uma manifestação espontânea reunindo estudantes do ensino médio e do universitário, em 4 de dezembro, reuniu cerca de quatro mil pessoas em Paris. Nas principais cidades, como Paris, Montpellier, Lyon, Toulouse, Marselha, entre outras, estão com escolas e/ou universidades de ensino médio bloqueadas.
A repressão ao movimento estudantil, assim como aos coletes amarelos é grande. Na cidade de Mantes-la-Jolie, os policiais fizeram um “enquadro” coletivo de estudantes que ocupavam duas escolas, uma próxima a outra. As imagens são chocantes, de acordo com o próprio ministro da Educação.
Uma das questões mais importantes agora é a convergência das mobilizações. A maioria das assembleias de estudantes está debatendo a participação e a incorporação nas manifestações dos coletes amarelos. Além disso, o movimento estudantil está organizando uma jornada nacional de lutas para o próximo 13 de dezembro contra as taxas e também com reivindicações próprias do movimento. Após a manifestação, se reunirá uma comissão de mobilização nacional para decidir os próximos passos.
As centrais sindicais na retaguarda
O apoio da população ao movimento dos coletes amarelos, em 5 de dezembro, foi de 72% – esse apoio cresce entre os simpatizantes da extrema direita de Le Pen (89%) e também cresce entre os simpatizantes de esquerda de Mélenchon (88%) e cai para os partidos tradicionais da esquerda (Partido Socialista – 76%) e direita (Republicanos – 72%).
Neste momento, de maior crise do governo Macron e de seu plano de ataques contra os trabalhadores, as centrais sindicais estão cumprindo um papel vergonhoso. Sete centrais sindicais do país, incluindo as três principais (CGT, CFDT e FO), lançaram uma nota em comum pedindo “diálogo” e ao mesmo tempo “denunciando toda forma de violência na expressão das reivindicações”. Um verdadeiro coro com a imprensa e o governo na criminalização do movimento quando, na verdade, o que é violento são os ataques aos direitos e a repressão policial. É o governo de Macron e Philippe.
Mas nos sindicatos de base, a dinâmica é diferente. A Federação de Sindicatos de Educação, Pesquisa e Cultura (FERC em francês) da CGT está chamando uma semana de mobilizações entre 10 e 15 de dezembro em todas as suas bases. O sindicato de transportes rodoviários da CGT e da FO está chamando uma greve por tempo indeterminado a partir de domingo por causa do poder de compra e contra medidas tomadas na última reforma trabalhista. CGT locais, como a de Lafarge, estão chamando os trabalhadores a se juntarem as manifestações dos coletes amarelos indo contra a política da direção da central.
A esquerda institucional e a extrema esquerda, no geral, estão apoiando as mobilizações dos coletes amarelos e dos estudantes. O Partido Comunista Francês, a France Insoumise, a Lutte Ouvriére (LO), o Nouveau Parti Anticapitaliste (NPA) e o Parti Ouvrier Indépendant (POI) estão participando das manifestações, mas as mobilizações são muito mais amplas que as forças socialistas, reformistas e revolucionárias.
Quando iniciamos a cobertura dessas manifestações, utilizamos o termo de jacquerie para refletir as manifestações, dado seu caráter popular e espontâneo. Nos parece que, 50 anos depois, estamos caminhando cada vez mais para uma mobilização mais ampla, como as de maio de 1968, na esperança que o desfecho seja outro. Para isso o socialismo revolucionário haverá que lutar contra a influência da extrema direita, dos reformistas e da burocracia sindical sobre o movimento.
Renato Fernandes, de Campinas (SP), Esquerda Online