lepen

Fascismo com outro nome

A Frente Nacional francesa usou todos os velhos truques fascistas para ganhar poder.

As eleições autárquicas e regionais francesas de 2015 marcaram não só a derrota do governo e o colapso da esquerda, mas também o avanço da Frente Nacional (FN). O partido de extrema-direita não ganhou qualquer região, mas quando comparado com 2010, triplicou a sua votação na primeira ronda das eleições e ainda ganhou novos votos entre a primeira e a segunda rondas. Entre estes resultados e as sondagens, pensa-se que a FN possa ter melhor resultado que em 2002, quando Jean-Marie Le Pen chegou à segunda ronda das presidenciais.

A FN consolidou a maioria dos elementos reacionários da sociedade francesa e está a atrair uma parcela crescente da população. Caso chegue ao poder, irá certamente não só legitimar o racismo sistémico impregnado na sociedade francesa mas também, de forma a satisfazer a sua base activista, intensificar as políticas já existentes que têm como alvo as comunidades imigrantes, nomeadamente a muçulmana e a romena.

Na realidade, isto já acontece em Calais, antes da demolição do campo onde milhares de imigrantes viviam, estes sofriam investidas regulares de grupos de extrema-direita1. O sucesso eleitoral da FN impressionou parte da população e a solidariedade com imigrantes está precariamente organizada. A somar a isto, pequenos grupos violentos começaram a crescer, o de maior destaque é o Bloco da Identidade (BI), que é tão próximo da FN que compartilham membros, incluindo o activista anti-muçulmanos Philippe Vardon, que agora foi eleito pela FN mas foi condenado a 6 meses de prisão por agressões a pessoas não-brancas em 2014.

Frente ao crescimento da direita, a esquerda parece presa em menosprezar o perigo da FN abrindo espaço para o derrotismo. Ambas as atitudes derivam da incapacidade da esquerda de compreender fenómenos neofascistas como a FN.

Por um lado, alguns interligam, justificadamente, o crescimento da extrema-direita à instabilidade política e económica. Em sintonia, Jacques Rancière descreve a FN como “produto da Quinta República”. Outros caracterizam-na como um efeito secundário do neo-liberalismo. Enquanto esta coloca correctamente a dinâmica fascista no contexto do capitalismo, falha em compreender a sua relativa autonomia dos interesses imediatos do capital.

Outros teóricos dão ênfase a esta autonomia como ao perigo mortal que a extrema-direita representa, mas menosprezam as suas raízes económicas. Isto muitas vezas produz a opção do “mal menor”, cujos apoiantes afirmam que uma aliança eleitoral com forças políticas burguesas – como o Partido Socialista (PS) de centro-esquerda ou os republicanos de direita (LR, antigo Movimento para a União Popular) – é a única forma de derrotar o fascismo.

Em vez de cair nestas armadilhas, devemos aprender dos estudos históricos sobre o fascismo e utilizar esse conhecimento para formar as nossas respostas à FN. Quando o fizermos, veremos que temos que rejeitas não só as mais violentas expressões da xenofobia, mas também manifestações convencionais de racismo que assaltaram a vida cultural e política francesas. Apenas distanciando-nos da extrema-direita e do extremo-centro pode a esquerda derrotar esta crescente ameaça.

 

A ilusão de uma “nova FN”

O primeira barreira para compreender a dinâmica fascista francesa parte de como a FN foi caracterizada desde os anos 90, mas especialmente nos últimos 6 anos. Muitos analistas convencionais asseguram-nos que a FN transitou de neo-fascismo para “populismo” (ou “nacional-populismo”), movendo-se da extrema-direita para ligeiramente à direita do centro. Aguns inclusivé afirmam que nunca foi verdadeiramente fascista porque a cultura política francesa seria “imune” ao fascismo, como muitos historiadores franceses afirmam constantemente (e absurdamente) que nunca existiu tal coisa como um verdadeiro fascismo francês no séc. XX.

No entanto, a “Frente Nacional para a Unidade Francesa” (que é o seu nome original) foi criada no início dos anos 70 pelo partido Nova Ordem, que tem a sua raiz na história do fascismo francês, e a FN foi imaginada como uma organização ampla onde os neo-fascistas – renomeados de “nacionalistas” – poderiam atrair, manejar, e dirigir os nacionalistas moderados da direita tradicional.

A ilusão da tão falada transformação da FN e da “nova FN” foi ao encontro da própria narrativa do partido, popularizada nos últimos anos e, de acordo com a qual, desde que Marine Le Pen se tornou líder do partido em 2011, a FN já não é a organização de extrema-direita que costumava se. Esta estratégia, conhecida como “desdemonização”, não poderia ser concluída sem ajuda de jornalistas, legisladores (especialmente Nicolas Sarkozy), e até alguns académicos, todos legitiamando as reivindicações desta. A tomada do partido de Marine Le Pen e o conflito aberto com o seu pai foram tidos como prova da transformação do partido.

A ruptura parece comprovar-se ainda mais pela inclusão do partido de algumas personalidades anteriormente ligadas à esquerda: Florian Philippot (um tecnocrata que pertenceu à corrente nacionalista de esquerda Chevènementists), Robert Ménard (antigo líder dos Reportéres sem fronteiras), o advogado Gilbert Collard, e até ex-activistas de extrema-esquerda como Fabien Englemann e Aurélien Legrand. Houve também um esforço para suavizar as aparições públicas do partido e até para mudar a linguagem utilizada por figuras públicas do partido ou mesmo de activistas de base para dar uma imagem menos agressiva. Por exemplo, o slogan da FN já não é “França aos franceses” mas “Os franceses primeiro”.

Mas quando deixamos de pensar na trajectória política da FN em termos de mudança de símbolos e palavras de ordem, para o pensarmos em termos de projecto político, a ruptura de Marine Le Pen com o seu pai não representou qualquer mudança significativa no partido, mas sim uma nova manifestação da estratégia a longo prazo para ganhar apoio político.

O engodo da FN está alinhado com a a estratégia política do fascismo clássico. Na Anatomia do Fascismo, o historiador Robert Paxton argumenta que os movimentos de extrema-direita usam as ideias essencialmente como instrumentos: as suas promessas são contraditórias e as suas organizações mudam radicalmente para ganhar um mais amplo leque de seguidores. Por exemplo, os partidos fascistas, por vezes reijeitam reijeitam a modernidade, industrialização e o capitalismo em virtude de valores tradicionais fortemente enraizados. Outras tantas, defendem estas mesmas ideias em nome da transformação nacional.

Um exemplo desta instrumentalização ideológica é a falada viragem para as questões sociais da FN – a sua súbita preocupação com as condições de vida da classe trabalhadora e a defesa dos serviços públicos. No entanto, se olharmos melhor, vemos mais uma vez que esta estratégia é bastante anterior à liderança de Marine Le Pen. Jean-Marie Le Pen costumava autodenominar-se “o Reagan francês”, mas no início dos anos 90 rompeu com a linha neo-liberal. Na altura pensou que, com o desaparecimento das alternativa políticas de esquerda para os trabalhadores (especialmente com o declínio do Partido Comunista francês e a conversão do Partido Socialista ao neo-liberalismo) a FN poderia ocupar esse espaço.

Ao fazê-lo, a FN ofuscou a linha entre a direita e a esquerda e retornou a uma das tácticas mais eficazes do fascismo clássico, enquanto a FN se apresentava nos anos 80 como um partido de direita com orgulho nos seus “valores”. A viragem social foi aprofundada por Marine Le Pen nos últimos anos e, longe de se afastar do fascismo clássico, aproximou-se a dele. Na Itália em particular, o partido de Mussolini inicialmente avançou com uma plataforma aparentemente esquerda tendo até questionado radicalmente a propriedade privada. Chegado ao poder aliou-se às elites tradicionais e largou imediatamente estas promessas eleitorais.

A estratégica de maquilhar a FN é feita para encobrir a sua adesão pelas elites, amplamente dominada por empreendedores, CEOs e profissionais liberais (nomeadamente advogados). Olhando para os 40 anos de história do partido, podemos ver como a sua falsa transformação se baseia em estratégias tradicionais do fascismo. E no entanto, muitos na esquerda (e até na extrema-esquerda) compraram, de forma mais ou menos explicita, este discurso. Já não acreditam que a FN represente o perigo que representava à 15 anos atrás. Como resultado, a esquerda e o movimento operário têm sido cada vez mais desmotivados a mobilizar-se contra a FN.

 

Mudança de alvos

Alguns analistas assinalam a ruptura da FN com a sua tradição anti-semita para demonstrar a mudança de política do partido. Não devemos exagerar esta evolução: como documenta Nonna Mayer2, os apoiantes da FN ainda demonstram sentimentos anti-semíticos mais fortes que qualquer outro sector votante. Um partido cuja base se mantem maioritariamente comprometida com o anti-semitismo poderia usar esta retórica venenosa no futuro se parecer necessário ou até politicamente oportuno. Não obstante, não podemos negar que a direção da FN já não nega o Holocausto escolhendo agora minimizar a sua história anti-semita.

Isto não representa uma mudança política profunda. Em vez disso, marca uma transformação inteligente mas meramente táctica. Louis Aliot, presidente da FN e companheiro de Marine Le Pen, disse em Dezembro de 2013:

“Enquanto distribuia panfletos na rua, apercebi-me que o tecto de vidro não era a imigração ou o Islão (…) É o anti-semitismo que impede as pessoas de votar em nós (…) A Marine Le Pen concorda com isto desde que nos conhecemos.”

Por uma questão de respeitabilidade, a direcção da FN abandonou desde então acções publicas anti-semitas, agora vendo-as como uma barreira – ao invés de um iman – para atrair novos sectores eleitorais. Claro que, isto não quer dizer que a FN deixou de ser racista. Em vez disso, substituiram judeus por muçulmanos como o seu principal alvo. Na França, é muitos menos provável as pessoas condenarem a islamofobia devido à sua omnipresença na cultura política3 e porque perpétua, de formas novas e “toleráveis”, o racismo colonial.

O racismo ainda constitui o cimento ideológico da base eleitoral e activista da FN. O estudo de Nonna Mayer aponta que 82% dos apoiantes da FN afirmam ser “algo racistas” ou “um pouco racistas”. Este racismo expressa-se em hostilidade violenta para com os muçulmanos ao qualquer um que seja visto como tal: como indica Mayer, “um traço característico dos partidários da FN é uma crescente polarização anti-islâmica que é bastante mais flagrante que o seu anti-semitismo”. Claro, a islamofobia não está restringida à extrema-direita, mas esta última expressa-a mais violentamente.

Além disso, apesar do crescimento da islamofobia na política francesa na última década, acrescenta Mayer, o eleitorado da FN continua a distinguir-se. Quando comparado com outros votantes, 42% mais votantes da FN recusam-se a reconhecer os muçulmanos como cidadãos.

“O preconceito contra a religião muçulmana é maior em 42 pontos (…) O sentimento que os muçulmanos constituem um grupo à parte é maior em 35 pontos [e] (…) a sua recusa de pena judicial para comentários insultuosos [contra muçulmanos] é maior em 28 pontos.”

O conflito entre os Le Pen é falsamente apresentado como uma luta entre as linhas dura e moderada. O que realmente estava em jogo era a funcionalidade do anti-semitismo nas democracias capitalistas actuais e a ruptura com Jean-Marie Le Pen foi para recusar qualquer alusão anti-semita (teorizada pela nova direcção).

Isto não significa que a FN rompeu com a sua retórica racista e xenófoba. Por exemplo, não houve qualquer luta entre Marine Le Pen e o seu pai quando este último, invocando o alegado “risco de submerção” da França pela imigração, afirmou que o Ébola poderia solucionar o problema “em três meses”4. Nenhum membro da direcção da FN condenou as suas afirmações.

De facto, a filha parece ter herdado o talento retórico e o gosto pelas provocações. Em 2010 comparou orações de rua muçulmanas com a ocupação Nazi5. Dois anos depois, concordou com milhares de pessoas gritando “esta é a nossa casa”, dizendo:

“E porque estão em casa, é do vosso pleno direito que estejam fartos com esta franco-argelinos como Mohammed Merah [um homem que baleou 12 pessoas em 2012 incluindo três crianças judaicas], estes franco-angolanos como o assassino de Bougenais, ou estes franco-malianos como os malucos de Paris! Queremos que os franceses amem a sua bandeira, que tenham orgulho no seu país!”

Em 2012, Marine Le Pen também disse numa entrevista: “Aceitarias que 12 emigrantes ilegais se mudassem para o seu apartamento? Não, não aceitarias. Para além disso, eles iriam começar a rasgar o pepal de parede. Alguns iriam roubar a tua carteira e violar a tua mulher.” Recentemente, em Setembro de 2015, comparou o acolhimento de refugiados com as “invasões do séc. IV” e previu que a França “talvez seja sujeita às mesmas consequências.” Por último, durante as últimas eleições regionais, a presidente da FN concorreu numa plataforma que propunha, entre outras coisas, “rebaixar e erradicar toda a imigração bacteriana.”

Se algo se mantém constante no discurso da FN, é a apresentação da imigração como a raiz de todos os males, desde o desemprego, terrorismo e crime até à dívida pública e deterioração dos serviços públicos. Nesta temática, sobrepõe-se aos partidos convencionais. Enquanto este discurso violento continua a estar associado à FN, sucessivos governos do PS e da LR legitimaram-no através de leis islamofóbicas.

A FN à muito tenta encaixar as suas obsessões xenófobas em termos comummente aceitáveis. Estudos históricos e sociológicos mostram que o partido sempre treinou os seus quadros para espalhar a violência racista através de um discurso politicamente correcto. Por exemplo, Valérie Ignounet, uma historadora que teve acesso aos materiais de formação internos da FN, cita um documento interno, não datado, da FN intitulado “A imagem da Frente Nacional”. Este diz:

“Assustar e ofender as pessoas tem que ser evitados se as vamos seduzir. Na nossa sociedade mole e temerosa, comentários não moderados causam grande parte da população a sentir apreensão, desconfiança e antipatia. Quando nos expressamos em público é crucial que evitemos comentários que possam parecer brutos ou extermistas. Tudo o que se pode dizer de uma forma forma pode ser dito com o mesmo impacto numa linguagem já estabelecida que o público aceite. Portanto em de dizer “vamos atirar os pretos ao mar” por exemplo, digam que “deve ser organizado um retorno a casa para os imigrantes do terceiro mundo.”

Desde a sua fundação até ao presente, a FN tentou mascarar ou suavizar o seu verdadeiro projecto político para ganhar poder. O seu sucesso eleitoral e a ampla aceitação do seu discurso anti-muçulmano e anti-migração revela menos uma transformação basilar desde que Marine Le Pen assumiu a direcção, e mais uma radicalização nacionalista e islamofóbica dos partidos convencionais, media e comentadores. A ilusão de uma transformação da FN só pode ser produzida porque a islamofobia e a xenofobia agora invadem a política convencional e os media na França.

 

Fascismo histórico hoje

Não há nada de novo em combinar um discurso racista e provocatório com a tentativa de que este pareça respeitável. Como vimos, a FN pratica-o desde a sua formação, mas também ajudou o fascismo clássico a ganhar poder, especialmente na Alemanha. Após o golpe falhado de 1923, Hitler persuadiu outros Nazis para conesguir legalmente o controlo e recuar no discurso e na violência até que tivessem controlo completo do estado. Como indica Robert Paxton:

“O “golpe da cerveja” de Hitler foi (…) tão vergonhosamente destruído pelos líderes da Baviera que este resolveu nunca mais tomar o poder pela força. Isto significava manter-se, pelo menos superficialmente, dentro da legalidade constitucional, apesar de os Nazis nunca terem deixado a violência selectiva que era um central atractivo do partido, ou dicas sobre novos horizontes após tomar o poder (…) Nem Hitler nem Mussolini chegaram ao poder com um golpe de estado. Nenhum pegou na coroa através da força, mesmo que ambos tenham usado da força antes de chegar ao poder para desestabilizar o regime existente, e ambos voltariam a usar da força novamente, após chegar ao poder, de forma a transformar os seus governos em ditaduras.”

Alguns especialistas franceses da extrema-direita contemporânea ridicularizam aqueles que fazem comparações entre a actual situação e o período entre as Guerras Mundiais. Como resultado, sugerem que, como os ultra-conservadores de hoje não partilham dos métodos mais violentos do fascismo clássico de estabelecer o poder, estes representam um movimento político completamente à parte.

Isto, claro, ignora as variações da história fascista, como a Alemanha Nazi é tão diferente do Portugal de Salazar como a Itália de Mussolini o é do regime Vichy. Também ignora como a FN compreende o seu próprio lugar nesta tradição. François Duprat, um dos líderes da Nova Ordem que foi basilar para a criação da FN em 1972, insistia que:

“De forma alguma o fascismo assenta somente nos seus aspectos exteriores (ditadura, primazia do líder, partido único, uniformes, saudação militar, treino paramilitar, direcção da juventude).”

Como as comparações indicadas acima mostram, as estruturação política e de discurso da FN e do fascismo clássico são muito semelhantes, assim como os efeitos políticos do seu crescimento.

Chamar à FN de movimento neofascista não é um apelo moral de forma a deslegitimar o partido. Mas sim, para insistir que o projecto fascista continua. Dado a sua estratégia política e de discurso, a FN não mostra qualquer sinal de ter rompido com o seu projecto histórico para a extrema-direita francesa: uma restauração da nação através da aniquilação – brutal ou gradual – de toda a oposição (política, sindical, religiosa, artística, etc) e pela submissão – se não a remoção violenta – de toda a população vista como ameaçadora para a imaginária unidade da nação (imigrantes e seus descendentes, muçulmanos, homossexuais, esquerdistas, internacionalistas, sindicalistas e por aí fora).

Nem esta caracterização política quer indicar que o todos os membros activos da FN, e muito menos os votantes, são fascistas e aprovariam uma ditadura de extrema-direita. Afinal de contas, nos casos do fascismo histórico, nem todos os que apoiaram Mussolini na Itália em 1921-1922 ou que votaram na NSDAP na Alemanha no início dos anos 30 estavam a favor da ideia de uma ditadura totalitária, nem a fortiori do Holocausto.

Na Itália e na Alemanha, os movimentos de extrema-direita chegaram ao poder ao fazer alianças com a direita convencional após terem ganho uma significativa (mas minoritária) parte do eleitorado. Na Alemanha, apenas 37% do eleitorado apoiava os Nazis antes de 1933. Desses, nem todos apoiavam as políticas que viriam a ser implementadas nos anos seguintes, mesmo que a maoiria partilhasse, sem dúvida, um anti-semitísmo visceral.

Independentemente disto, não é irrazoável acreditar que o partido possa evoluir numa direcção diferente. Com a crescente influência dos eleitos dentro do partido, estes poderiam iniciar um proceso de integração política e colocar a tomada do poder dependente da manutenção das suas posicões dentro do aparelho de estado.

Neste momento, a FN recusa-se a aliar-se a qualquer partido de direita, esperando chegar ao poder sozinha ou numa posição dominante, após alcançar a hegemonia ideológica. Como resultado, tem que estar comprometida com a sua base ideológica. O discurso do partido anti-muçulmanos e anti-imigração permite-lhe manter o interesse das suas bases. Ao fazer uma incursão por outros assuntos – economia, serviços públicos, ambiente ou cultura – colhe apoio de outros sectores da sociedade. Em tudo isto, a FN mantem um espaço político unicamente seu, nomeadamente o racismo e o nacionalismo.

 

A necessidade de uma resposta socialista

Cabe aos socialistas dar uma resposta oposta que possa derrotar o partidos de extrema-direita como a FN, e a primeira necessidade é reconhecer a existência do perigo fascista.

Alguns na esquerda até negam que uma vitória eleitoral da FN iria alterar qualitativamente a situação para os que já são explorados e oprimidos, argumentando que a FN é apenas mais um partido pro-capitalista e racista, e que iria certamente ter um efeito positivo para acordar as pessoas. Esta é uma aposta muito perigosa: como o fascismo histórico mostra, aqueles que levam por tabela da extrema-direita são as minorias oprimidas e os activistas de esquerda, e quando a dinâmica fascista prevalece, o seu crescimento costuma levar a população ao desânimo em vez da revolta. É por isso que quando o perigo fascista existe como uma possibilidade concreta, tem de sem combatido imediatamente e com a máxima energia e a mais ampla unidade das organizações da classe trabalhadora.

É preciso ser cego para não ver o perigo que a extrema-direita representa na França e como a chegada ao poder iria legitimar os elementos mais abertamente reacionários da sociedade francesa – os mesmos elementos mais hóstis para com o movimento sindical e os partidos de esquerda. O perigo específico associado com a dinâmica fascista na França, cujo socesso eleitoral da FN é apenas a faceta mais visível, não deve levar ao derrotismo e pede uma resposta específica da esquerda, porque embora o pior seja possível, nunca é certo.

Mas levar este perigo a sério não significa que a esquerda deva aliar-se ao PS ou à direita convencional, e submeter a sua acção às agendas destes. As políticas deles abriram o caminho para a FN, então como podemos  confiar neles para serem um baluarte contra a extrema-direita e uma garantia para a democracia?

O PS e a direita, que têm trabalhado em conjunto para promover políticas islamofóbicas e anti-imigração, devem levar com as culpas do sucesso da FN. Na verdade, os partidos convencionais provaram ser bombeiros piromaníacos no que toca à extrema-direita. Entre o seu discurso racista e anti-imigração e as suas políticas sociais, económicas, de defesa e de imigração, aumentaram, e com sucesso o voto na FN nos últimos 30 anos. Não podemos culpar a marginalização social pelo crescimento da FN; temos que culpar os centristas por popularizarem estas crenças.

O que deu à FN este novo apoio foi a destruição gradual da solidariedade colectiva, o declínio do movimento operário ao longo de 30 anos, e a convergência do PS e da direita desde a virada da austeridade de 1983. Os seus governos aumentaram as desigualdades, banalizaram o desemprego, e alimentaram a precariedade. Acima de tudo, criaram uma precepção geral de que não há alternativa. Por outras palavras, destruíram qualquer tipo de esperança na política. O fascismo sempre foi esperto em transformar a falta de esperança ou o desespero entre certas camadas sociais num apelo violento para destruir alguns inimigos imaginários.

Os socialistas na França deparam-se com um enorme desafio porque a luta contra o fascismo está destinada a fracassar se não for além da mera defesa das instituições políticas e regime económico existentes, e se se submete às forças burguesas em nome do “anti-fascismo”. Apenas ao opor-se ao neo-liberalismo, que criou as condições para o crescimento do fascismo, e ao estar na linha da frente na luta contra a islamofobia (que é a maior forma de racismo na França de hoje) e todas as formas de opressão, podemos oferecer uma alternativa viável para os trabalhadores franceses de todas as etnias e religiões.

 

Ugo Palheta, Jacobin Magazine

 

NOTAS

1 http://www.liberation.fr/france/2015/10/01/ratonnades-en-serie-chez-les-migrants-de-calais_1395265 

2 http://www.laviedesidees.fr/Le-mythe-de-la-dediabolisation-du-FN.html 

3 https://www.jacobinmag.com/2016/09/islamophobia-beach-burkini-ban-france/ 

4 http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/europe/france/10847344/Jean-Marie-Le-Pen-Ebola-epidemic-would-solve-immigration-problems.html 

5 http://www.independent.co.uk/news/world/europe/marine-le-pen-to-face-court-for-comparing-muslim-prayers-in-the-street-to-nazi-occupation-10513920.html 

Anterior

A proibição do burkini: a ponta do iceberg da islamofobia de género

Próximo

Macron venceu. E agora?