E o povo francês levanta-se!
Desde o mês de Fevereiro, o povo francês levanta-se contra a nova Lei do Trabalho, mais conhecida como Lei El Khomri, nome que provém da sua autora, a Ministra do Trabalho, Emprego, Formação Profissional e, ironicamente, do Diálogo Social.
Os planos de austeridade e destruição das condições de trabalho que têm sido aplicados na periferia europeia chegam agora em força ao seu centro – a França. O actual Governo francês, liderado pelo Partido Socialista, tenta impor uma profunda reformulação da legislação laboral.
A nova Lei do Trabalho pretende, entre outras coisas, facilitar os despedimentos e, consequentemente, baixar as indemnizações por despedimento, bastando para tal que, por exemplo, o volume de negócios de uma empresa tenha diminuído. Isto em contexto de crise económica generalizada é a “via verde” dos despedimentos. As negociações salariais que hoje são anuais passarão a ser trienais. É pretendida uma flexibilização dos horários de trabalho, conjugada com uma diminuição das horas de repouso entre turnos, o que, como sabemos, acaba por sacrificar sempre a vida familiar e pessoal do trabalhador, assim como o seu direito ao descanso e a sua saúde, tudo em benefício do lucro dos accionistas. A nova lei prevê ainda a diminuição do valor das horas extraordinárias. O empregador poderá vir a alterar o período de férias do trabalhador a menos de um mês do seu início. Os horários part-time podem ser alterados até três dias imediatamente anteriores, em vez dos sete dias actualmente existentes. Os médicos de família verão as suas competências diminuídas, nomeadamente, ao nível da prevenção de acidentes de trabalho e adaptação do ambiente de trabalho às necessidades de higiene e segurança do trabalhador.
Por fim, um dos aspectos mais criticados da nova Lei do Trabalho, consagrado no seu segundo artigo, é a primazia que será dada aos acordos colectivos de trabalho por empresa sobre os acordos colectivos de trabalho por sector. As negociações colectivas de trabalho serão agora realizadas ao nível da empresa, bastando para isso que o acordo de empresa seja adoptado por pelo menos 50% dos representantes sindicais de uma empresa para que prevaleça sobre o acordo sectorial. Esta medida pretende dividir e enfraquecer a posição dos trabalhadores em futuras negociações laborais. A negociação por sector permite aos trabalhadores um força superior, pois abrange um maior número de trabalhadores e, consequentemente, uma superior capacidade de negociação.
Esta mudança nas regras da negociação laboral forçou as principais centrais sindicais, não ligadas ao Partido Socialista francês, nomeadamente, a CGT a responder à pressão das suas bases e opor-se à aprovação e aplicação deste novo código laboral. No entanto, isso, por si só, não explica os números e a intensidade das mobilizações que têm ocorrido em França. A CGT é a segunda maior central sindical em França e conta hoje com apenas 700 000 filiados, 3% dos trabalhadores.
Em França parece estar a acontecer aquilo que as massivas manifestações, dos últimos anos, em Portugal, não conseguiram: a unidade e solidariedade entre os movimentos sindicais e os movimentos sociais; a unidade entre a energia e espontaneidade das novas gerações e a experiência das gerações mais velhas de trabalhadores. Em França, têm saído às ruas, nos mesmos dias, amplos sectores de trabalhadores organizados pelo movimento sindical e centenas de milhares de jovens estudantes e trabalhadores precários, de novas profissões, sem ligação ao sindicalismo tradicional. A 26 de Março, 19 centrais nucleares (que geram cerca de 75% da electricidade em França) entraram em greve. O acesso a muitos depósitos petrolíferos foi impedido pelas greves no sector. Seis das oito refinarias do país foram total ou parcialmente fechadas. As greves também encerraram ou bloquearam parcialmente o acesso a centros industriais, como a zona portuária de Brest. Acções semelhantes de encerramento ou bloqueio ocorreram em infra-estruturas estratégicas como nas pontes de Normandia e de Tancarville sobre o rio Sena, no aeroporto de Nantes, na linha férrea entre Paris e Brest ou na auto-estrada entre Bordéus e Baiona. Os controladores aéreos franceses entraram igualmente em greve, tendo levado ao cancelamento de vários voos. Esta foi a oitava jornada de mobilização convocada pelos sindicatos desde Março deste ano. A somar a toda esta paralisação estão os jovens estudantes, trabalhadores precários e trabalhadores em geral, sem ligação ao movimento sindical, que se têm vindo a mobilizar massivamente através do movimento social de protesto “Nuits Debout”, igualmente contra a nova Lei do Trabalho.
Tudo isto é a expressão de que a população francesa entendeu a nova Lei do Trabalho como o ataque generalizado às suas condições de vida.
Os números são impressionantes: a 9 de Março, 500.000 pessoas saíram às ruas; a 17 de Março, já com apelo à mobilização de organizações de juventude, foram 150.000; a 31 de Março, 1.200.000 manifestantes entre organizações sindicais, estudantes e trabalhadores indignados. É então, que nasce o movimento “Nuits Debout”, com a ocupação da Praça da República, em Paris, sendo que esse movimento assembleário se espalhou por várias cidades. A 28 de Abril, novamente 500.000 e o escalar da repressão policial. A semana de 16 a 22 de Maio viu novamente várias manifestações e centenas de milhares de pessoas na rua.
Desde Março, têm-se multiplicadas as greves nacionais e sectoriais. Correios, transportes públicos, estabelecimentos de ensino, centros hospitalares, funcionários públicos, trabalhadores da recolha do lixo e da limpeza municipal, telecomunicações, camionistas, portos, centrais eléctricas e refinarias e depósitos de petróleo, etc. Tudo isto a poucos dias do campeonato europeu do futebol…
Por sua vez, o FMI considera que a Lei El Khomri deverá ser mais dura e a União Europeia, depois dos ataques aos portugueses, aos gregos, aos irlandeses e aos espanhóis, faz recair agora também sobre os franceses os buracos provenientes de anos de roubo, especulação e corrupção financeira.
O MAS está solidário com os trabalhadores e o povo francês, pois a sua luta é a mesma que por cá travamos contra a austeridade e contra a precarização crescente das condições de trabalho.
Onde há mobilização, ela não pode parar! Onde ela não existe, tem de irromper! Os franceses têm de continuar as suas jornadas de greve! Se a Lei El-Khomri for aplicada, não significará apenas a derrota e a destruição das condições de vida dos franceses mas será um passo importante para o empobrecimento generalizado de todos os trabalhadores europeus.
Uma nova greve geral e nacional está marcada para dia 14 de Junho. Que os franceses adiram a esta greve geral em grande número! Não se pode ceder a tão poucos dias do início do Campeonato Europeu e tem que se conseguir ir mais longe do que se conseguiu no Brasil, nas vésperas do Mundial.
Pela derrota da Lei El-Khomri!
Pelos trabalhadores franceses!
Por todos os trabalhadores europeus!