A reforma do sistema de pensões francês que Macron quer impor é parte do plano neoliberal de desmantelamento completo do Estado Social francês em beneficio dos grandes negócios.
Esta não é, aliás, a primeira vez que o sistema de pensões francês está sob ameaça, sempre com uma dura resistência de quem vive do seu trabalho e de quem dependerá dos descontos de uma vida para se reformar.
É precisamente esta resistência que faz com que França seja ainda o país com as maiores funções estatais face ao seu PIB – cerca de 55% do PIB francês, em 2018. Para termos uma noção comparativa, Portugal despende cerca de 45% do seu PIB com as suas funções estatais, um valor bem abaixo do francês, e todos nós sabemos a desgraça em que os nossos serviços públicos estão mergulhados.
Macron, apoiado pelos grandes interesses económicos e financeiros franceses e europeus, foi eleito para proceder à maior destruição possível daquelas despesas públicas essências. Sob a Presidência Macron, o direito à Educação Pública, Universal e Gratuita tem sido assediado pela agenda neoliberal do mercado do ensino privado. Os caminhos de ferro e os transportes públicos têm sido liberalizados e vendidos aos interesses privados. A legislação laboral tem sido desmantelada no sentido da precarização do mercado de trabalho. O direito à Habitação e a habitação social têm sido destruídas em função do mercado especulativo. Os serviços públicos têm sido sujeitos a uma severa dieta, de onde se destaca os serviços públicos de saúde. Esta destruição é acompanhada de uma brutal repressão policial e política sobre os movimentos que resistem.
O que é a reforma do sistema de pensões de Macron?
A reforma do sistema de pensões ficou congelada, no último ano, devido às fortes mobilizações que se têm feito sentir em França, nomeadamente, por parte dos Coletes Amarelos. Após o arrefecimento daquela contestação, Macron procura agora avançar.
A reforma consiste em prolongar a vida de trabalho (dos 62 para os 64 anos) e, acima de tudo, substituir o modelo social de pensões, que garante um rendimento a quem cumpriu uma vida de trabalho, por um modelo neoliberal baseado numa comparticipação estatal mínima, complementado por fundos de pensões privados e sob a perspectiva de rendimentos-extra contínuos, provenientes de eventuais actividades laborais que o reformado possa desenvolver. É o raciocínio basilar de qualquer neoliberal: apropriar-se dos recursos sociais, que pertencem a todos os trabalhadores, em benefício próprio.
O objectivo é gerar astronómicos lucros às grandes seguradoras e bancos privados, através da gestão de gigantescos fundos de capital, que apenas podem ser levantados ao fim da vida de trabalho. Esta é uma solução que já vai marcando presença, inclusivamente, em Portugal. Ou seja, são recursos certos e garantidos à especulação financeira; é lucro certo e garantido para os grandes fundos, seguradoras e bancos. Apenas não são garantidas as nossas reformas, uma vez que, em última instância, se o fundo falir, não há pensões para ninguém. Onde já vimos este filme?
O povo e os trabalhadores franceses dizem: NÃO À REFORMA DO SISTEMA DE PENSÕES!
Toda a solidariedade com o povo e trabalhadores franceses!
No fim de Novembro de 2019, dois terços da opinião pública francesa estava contra a reforma do sistema de pensões e apoiava as greves.
No dia 5 de Dezembro de 2019, iniciou-se uma importante e massiva resposta por parte da classe trabalhadora francesa. Neste primeiro dia de greve, “a atividade económica de Paris e dos seus arredores parou, com quase todas as estações de metro encerradas. Em todo o país, mais de 90% dos serviços de comboios foram cancelados, enquanto os funcionários dos mais diversos sectores públicos, trabalhadores do sector da energia e magistrados também se uniram à greve, em número significativo. Ainda mais surpreendente foi o envolvimento em massa dos professores. Trabalhadores do setor privado participaram menos mas, ainda assim, em número significativo: na quinta-feira [5 de Dezembro], a Confederação Geral do Trabalho (CGT) registou, pelo menos, dois mil pré-avisos de greve no setor privado, em todo o país.
Como esperado, os trabalhadores das refinarias de petróleo aderiram à greve em grande número e também houve uma participação significativa nas companhias aéreas domésticas francesas. A fábrica da Renault anunciou que uma média de 5% da sua força de trabalho participou na greve – um número modesto, segundo os padrões históricos, mas ainda o mais alto da última década, ao nível da empresa. O tamanho das manifestações de rua foi outro teste importante à mobilização. E, novamente, os números demonstraram um dinamismo real. Enquanto fontes oficiais afirmam que 70.000 pessoas participaram dos protestos em Paris e 806.000 em todo o país, os sindicatos estimaram 250.000 para a capital e 1,5 milhões para a França, como um todo; vários números dos media local somam facilmente um milhão em todo o país”1.
Aquele dia transformou-se, entretanto, num prolongado movimento grevista que dura, ininterruptamente, há mais de 40 dias, tendo feito o governo recuar na intenção de aumentar a idade da reforma dos 62 para os 64 anos. Um pequeno recúo do governo que visou desarmar os grevistas, o que, neste momento, parece ter surtido algum efeito.
Desde o 5 de Dezembro, foram registados seis dias de mobilização nacional, liderados pela CGT, e foram registadas greves diárias em setores como a educação pública, os serviços públicos e no fornecedor francês de eletricidade. No entanto, estas paralisações parecem não conseguir fortalecer-se no último período, sobretudo no sector privado. Enquanto isso, a participação nos protestos dos dias de mobilização nacional parece ter caído. Segundo o Ministério do Interior francês, a manifestação nacional da última quinta-feira (16 de Janeiro) caiu para os 187.000 manifestantes, em todo o país, abaixo dos 806.000, de 5 de Dezembro. Nos últimos dias, a pressão para voltar ao trabalho intensificou-se. Os fundos de greve pagam apenas parte dos salários e alguns trabalhadores começam a voltar ao trabalho.
Ainda assim, o apoio da opinião pública às greves continua elevado, com uma sondagem recente a evidenciar que 60% dos franceses apoia o movimento. Não nos podemos ainda esquecer que este é um movimento de longo fôlego que surge na sequência dos prolongados meses de mobilização dos Coletes Amarelos. Estes são importantes elementos que podem evidenciar que a disposição de luta da classe trabalhadora francesa não está à beira do fim. No próximo dia 24 de Janeiro, haverá nova mobilização nacional.
Toda a solidariedade com o povo e trabalhadores franceses para derrotar o assalto de Macron ao sistema de pensões. Esta é também a nossa luta!
1 https://jacobinmag.com/2019/12/france-strike-welfare-state-pensions-emmanuel-macron