A revolução começou em Tunes

A revolução árabe começou nas ruas de Tunes, provocou a queda do ditador Ben Ali e continua a incendiar o país.

Dia 14 de Janeiro, culminavam nas ruas de Tunes os acontecimentos de um mês impensável. Milhares de manifestantes tomavam as ruas da capital enquanto o tirano Ben Ali terminava mais de duas décadas à frente de um regime autoritário e corrupto, numa fuga apressada de helicóptero.

 

Impensável a coragem com que nos dias anteriores trabalhadores e desempregados, sobretudo jovens, enfrentavam a polícia do regime desafiando recolheres obrigatórios e sabendo da brutal repressão, por vezes com balas, a que se sujeitavam.

Como tudo começou

O grande rastilho ter-se-ia acendido a 18 de Dezembro quando um jovem de 26 anos, licenciado sem emprego, que vendia frutas e vegetais nas ruas para subsistir, foi proibido de o fazer pela polícia, e, tomado pelo desespero, se regou com gasolina e se incendiou em frente da sede do governo da sua cidade.

A revolta alastrou ao resto do país com mobilizações maciças que pediam a demissão do presidente, que amordaçava a comunicação social e se reelegia sucessivamente em eleições fraudulentas nos últimos 23 anos, enquanto enriquecia uma casta que girava à sua volta.

Quando os camponeses pobres do campo e a juventude desempregada (mais de 30% dos jovens do país) e subempregada, fartos do aumento insuportável do custo de vida, saíam das suas aldeia e bairros acompanhados, no caso dos jovens, pelos seus pais e avós, para encher o centro das cidades, onde eram acompanhados por advogados, médicos e amplos sectores da classe média, a polícia fez o que melhor sabia, reprimir e disparar sobre civis desarmados, resultando em dezenas de mortos.

O papel do imperialismo

A hipocrisia e oportunismo das potências imperialistas é gritante, nomeadamente dos Estados Unidos e da França, antiga força colonial, que durante décadas pouco ou nada falavam da falta de liberdades civis e políticas do regime tunisino, negociando à grande os contratos das suas empresas que se instalavam no país aproveitando os baixos salários e as recomendações do FMI, ao mesmo tempo que enchiam os bolsos à burguesia que se concentra sobretudo na família de Ben Ali e da mulher.

Quando a polícia começava a perder o controlo nos protestos, e o regime começava a tremer, o ministro dos Negócios Estrangeiros francês oferecia-se para enviar tropa policial para a Tunísia dizendo dispor-se a “no quadro da nossa cooperação agir para que o direito de manifestação se possa fazer ao mesmo tempo que se assegura a segurança”.

A Wikileaks revelou que os diplomatas americanos sabiam o quão podre era o regime, o descontentamento que isso provocava na população e a repressão a que esta era sujeita, mas concluíam que devia ser apoiado de qualquer forma.

Agora que o presidente fugiu do país dizem “apoiar as aspirações democráticas dos tunisinos”, condenando a violência e apoiando a realização de eleições livres, numa tentativa de manter a mão na situação saída da nova conjuntura. A democracia do cassetete, da fraude eleitoral, da prisão e da bomba – a velha amiga do capital internacional e dos estados que o representam, um clássico de Cabul a Casablanca

A revolução continua

Cedo se percebe que a burocracia corrupta que girava em torno de Ben Ali, enquanto cede à revolta, se esforça por manter-se no poder, agora com a cara lavada. Cedo forma-se um governo interino chefiado por membros do RCD, o “velho” partido do poder, usando ao mesmo tempo uma cosmética de “união nacional” ao incluir membros da UGTT, a principal central sindical do país.

Longe de regressarem a casa convencidos que já tinham conseguido o que queriam, milhares de tunisinos continuam nas ruas quase todos os dias e cercam os edifícios do governo exigindo a sua demissão. Pelo caminho foram conseguindo a legalização das organizações sociais e políticas banidas pelo antigo regime, assim como o início da queda de vários ministros e a dissolução do RCD.

Enquanto isso, em muitos zonas populares surgem comités de bairro, com a população local a organizar-se para tratar da sua segurança e de outros assuntos. Inclusivamente, a UGTT, pressionada pela vontade de mudança dos trabalhadores que representa, convocou uma greve geral por tempo indeterminado até que todas as figuras do antigo regime desapareçam das estruturas do governo.

Ainda que a revolução só tenha colhido frutos na Tunísia, deu início a um efeito dominó por todo o mundo árabe, com o Egipto também a ferro e fogo. Também com a força da juventude desesperada pelo desemprego, aumento do custo de vida e falta de perspectivas, enormes manifestações e confrontos já aconteceram na vizinha Argélia, na Jordânia ou no Iémene. Tremem de medo os poderios autoritários e corruptos e as burguesias locais e imperialistas que os sustentam. Aguardam-se as cenas dos próximos capítulos.  

André Traça

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