Incêndio da Serra da Estrela: a catástrofe repete-se

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Os 12 dias de incêndio na Serra da Estrela destruíram cerca de 30% do Parque Natural. Ardeu agora o que não tinha ardido nos grandes fogos de 2017 e de 2005. Este incêndio corresponde a um terço da área ardida, este ano, em todo o território, até ao momento. De acordo com o Expresso, o incêndio na Serra da Estrela teve origem criminosa, na madrugada de 6 de Agosto, na Covilhã, não foi dominado, nas primeiras horas de combate, e acabou por estender-se para os concelhos de Manteigas, Gouveia, Guarda e Celorico da Beira, com várias reativações ao longo dos dias. 

Akli Benali, membro do Centro de Estudos Florestais, que integra o núcleo de apoio à decisão da Autoridade Nacional da Proteção Civil (ANEPC), afirma que Portugal tem uma elevada taxa de reacendimentos (5% das causas em 2022, até Julho, e uma média de 12% na última década), pelo que “é preciso melhorar as técnicas de rescaldo, com equipas especializadas que trabalhem à noite com as botas e maquinaria no terreno”, recomendação que já constava do relatório da Comissão Técnica Independente, apresentado após os incêndios de 2017, mas que o Governo Costa pouca atenção parece ter prestado.

Para além disso, de acordo com a informação do Comando Distrital das Operações de Socorro, existiu atraso na mobilização de operacionais e escassez de meios. Por exemplo, no combate ao incêndio entre a Venda do Pinheiro e a Malveira, em menos de 3 horas, foram alocados 316 operacionais. No combate ao incêndio da Serra da Estrela, depois de 20 horas do seu início, estavam no local apenas 231 operacionais. 32 horas depois, havia apenas 322 operacionais alocados, começando o seu alastramento para Manteigas.

Junta-se ainda a sobreposição de competências entre o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), responsável pela reserva natural do Parque Natural da Serra da Estrela, e o comando de bombeiros, levando a ordens contraditórias dirigidas aos operacionais no terreno, dificultando o combate ao fogo. A liga de bombeiros defende que, havendo autoridades a sobrepor-se umas às outras, é necessário um comando de bombeiros que responda de forma única ao combate aos fogos.

Relativamente a estas falhas, José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna, sacudiu responsabilidades, referindo que a secura do solo, conjugada com a elevada carga de combustível, tempo quente, vento forte e uma orografia montanhosa tornou este um “incêndio complexo”. 

Se estes elementos são todos eles verdadeiros, não deixa de ser menos verdade que o Governo, naquilo que está ao seu alcance, pouco ou nada tem feito para os minimizar. Mais uma vez, vai ser criada uma comissão nacional para avaliar o que correu bem e o que correu mal na Serra da Estrela e serão produzidas mais recomendações para “inglês ver”, tal como parece ter acontecido com o relatório da Comissão Técnica Independente, apresentado após os incêndios de 2017. Isto é o que acontece, permanentemente, com este Governo em muitos outros assuntos: estudos, inquéritos e comissões de avaliação, cujas recomendações não têm qualquer efeito prático, quando não são mesmo completamente ignoradas, como acontece, por exemplo, com os estudos de impacte ambiental à localização do novo aeroporto no Montijo.

“Elevada carga de combustível nas florestas, vento forte e orografia montanhosa”, o que fazer?

Sobre estes aspectos, há que prevenir. A prevenção exige uma política pública que invista em meios técnicos e humanos de gestão e manutenção da floresta, assim como de coordenação entre as várias entidades, algo que o Governo Costa não tem demonstrado interesse em despender recursos. 

Os mais variados sectores do Estado foram desaparecendo, nas últimas décadas, em fusões e desmantelamentos, tal como o Corpo Nacional da Guarda Florestal, até chegarmos a entidades, hoje, insuficientes e sub-orçamentadas. O Estado é cada vez mais anémico e as vítimas desta destruição do Estado Social é o meio ambiente e todos nós. É necessário investimento na Protecção Civil e num corpo de guardas, engenheiros florestais e cantoneiros, para gerir, abrir vias de acesso, desbastar vegetação e vigiar o território e as florestas. É cada vez mais premente a profissionalização e investimento nas corporações de bombeiros. Não se admite que muitas corporações não tenham recursos sequer para pagar o combustível necessário às suas deslocações.

Ainda assim, o mero reforço de meios de prevenção não basta. A melhor prevenção está numa política pública de dinamização das áreas rurais e combate à sua desertificação. Isso faz-se através da reversão do desmantelamento da ferrovia, da reabertura de unidades de saúde, escolas, CTT e todo um conjunto de serviços básicos, entretanto destruídos ou privatizados, pois sem condições para viver nas zonas rurais, ninguém para lá se deslocará, ninguém trabalhará a terra, ninguém viverá dela. Já para não falar da Política Agrícola Comum, da UE, que financiou a destruição de boa parte da nossa produção agrícola e rasgou feridas profundas no território português, estando na origem de crimes e catástrofes ambientais, condenando as zonas rurais do país ao definhamento demográfico e económico. Como quer o Governo PS uma população envelhecida e em vias de extinção a limpar o mato?

É urgente uma política pública de incentivo à gestão e manutenção de terrenos por parte dos pequenos proprietários que contribua para a nossa soberania alimentar e energética, onde se pode incluir o apoio financeiro à recolha de biomassa florestal ou à plantação de espécies autóctones que substituam as espécies exóticas como os eucaliptos. Estes são exemplos daquilo que pode e deve ser feito ao invés da mera aplicação de multas ou da canalização de dezenas de milhões de euros para grandes grupos empresariais do sector do turismo. 

O Parque Natural da Serra da Estrela é um ecossistema que compreende 3 mil famílias que vivem do pastoreio e da produção do queijo Serra da Estrela. Ali, são produzidos 5,6 milhões de litros de leite e mil toneladas de queijo. É da responsabilidade do Governo não só apoiar estas famílias nas suas carências imediatas, mas procurar inverter a destruição paulatina desta actividade. Nos últimos 5 anos, após os fogos de 2017, perderam-se 40 mil cabeças de gado, os rebanhos são cada vez menores, o que significa menos leite, colocando em risco a produção do queijo Serra da Estrela. 

No imediato, é necessário apoiar estes pequenos produtores com alimentação para os animais, ração para gestantes e lactantes, comedouros, bebedouros, tubagens e depósitos de água. Em termos estruturais, é preciso que o Governo apoie a “retomar o pastoreio da serra, criar mosaicos, gerir a paisagem, reflorestar”, com espécies autóctones, e evitar que aquelas famílias abandonem uma actividade de valor ambiental, humano e económico incalculável. Para além disso, o Governo deve ainda investir na investigação e desenvolvimento tecnológico ligado à agricultura, através das universidades públicas, por forma a captar novas gerações para a continuidade deste tipo de actividades. 

É isto que significa incentivar a gestão e manutenção de terrenos e combater a desertificação: criar as condições para o desenvolvimento de actividades económicas, socialmente justas e ambientalmente sustentáveis, por parte de pequenos proprietários locais, valorizando recursos e dinamizando as regiões do interior.

“Solos secos, tempo quente”, o que fazer?

A precipitação em Portugal diminuiu cerca de 15% e a disponibilidade de água reduziu-se em cerca de 20%, nas últimas duas décadas, e prevê-se que chova menos 10% a 25% até ao final do século. “Além de Portugal, vários países europeus têm lutado nos últimos meses contra violentos incêndios florestais – a Itália, França, Grécia, Eslovénia e Espanha, por exemplo. Estes fogos, [são] impulsionados pela seca e por ondas de calor mortíferas”. Novos dados publicados pela Global Forest Watch (GFW) confirmam que os incêndios florestais estão a generalizar-se e queimam agora cerca de duas vezes mais da cobertura de árvores do que há 20 anos. 

Esta é uma consequência directa das alterações climáticas, com ondas de calor extremas, cinco vezes mais prováveis agora do que há 150 anos, cujo combate por parte das grandes potências europeias, nomeadamente, através de uma verdadeira e socialmente justa transição energética, está muito aquém do necessário. 

Neste momento, a UE, sob o comando da Alemanha e da França, em disputa com a Rússia, está mais preocupada com a substituição dos seus fornecedores de combustíveis fósseis do que com a substituição dos próprios combustíveis fósseis. Se houve algo que a recente pandemia demonstrou foi que atingimos um nível tecnológico capaz de operar rápidas transformações na forma como produzimos e nos relacionamos com o meio ambiente, basta que os recursos sejam convenientemente direccionados pelos governos. A UE e os seus governos nacionais, onde se inclui o português, demonstram-se completa e catastroficamente permeáveis aos interesses das grandes petrolíferas e indústria automóvel, impossibilitando uma verdadeira e justa transição energética.

Para além da urgente transição energética, a secura dos solos pode e deve ser mitigada pelo Governo Costa– e já vem tarde – através de uma política pública de gestão da água. 

Já se fala que teremos de “fechar a torneira”, mas o problema está longe de se resumir ao consumo individual doméstico. São necessários dados fidedignos sobre a água utilizada na agricultura, já que se estima que 70% da água utilizada no país seja para esta actividade. Esta é a forma de planear tanto a actividade agrícola e industrial, combatendo o eucaliptal e a agricultura intensiva, por exemplo, como planear o próprio consumo de água que é feito no país. É necessário monitorizar as bacias subterrâneas, cujos projectos “estão parados na Agência Portuguesa do Ambiente (APA) por falta de autorização do Ministério das Finanças”, assim como é necessária uma avaliação das redes municipais de água, onde se estima uma perda de cerca de 40% da água. Apenas para referir algumas medidas.

É da natureza do sistema económico capitalista em que vivemos que o lucro se sobreponha a qualquer consideração ambiental ou ao bem-estar das populações. O Governo Costa é apenas o seu actual gestor, em Portugal, sempre comprometido com os lucros das celuloses, indústria petrolífera e automóvel. A direita tradicional e a extrema-direita só pretendem aprofundar ainda mais as políticas neoliberais contra o interesse comum e a favor dos grandes grupos económicos. Por sua vez, o conjunto de problemas enunciado, exige uma oposição audível e enérgica à esquerda, algo que BE e PCP, fruto dos últimos anos de apoio ao PS, perecem estar incapacitados de fazer. É preciso um plano nacional de lutas pelo aumento dos salários, tabelamento dos preços e políticas públicas de combate à crise ambiental. 

É preciso renovar a esquerda. O MAS está disponível para ajudar a fazê-lo. Vem conhecer-nos. Junta-te ao MAS!

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