Fartos de migalhas: o pacote “anti-inflação” não serve para travar o aumento dos preços

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O custo de vida aumentou de forma tão drástica que qualquer remendo, por mínimo que seja, pode parecer um grande benefício. Os últimos 7 anos de Governo Costa servem bem para nos mostrar a arte de iludir quem vive do seu salário, sempre em benefício das grandes empresas, fundos de investimento imobiliário ou da banca. Veja-se como está o nosso SNS público, ou os preços da habitação, ou o contraste entre a estagnação salarial e o crescimento exponencial dos lucros especulativos ou ainda a gigantesca carga fiscal sobre o consumo e o trabalho. 

O actual pacote de combate à inflação segue, com precisão, o caminho de iludir quem trabalha em benefício da acumulação dos accionistas.

Para começar, este pacote chega tarde, com uma inflação anual que já alcança os 9%, em Agosto, não sendo um mero fenómeno passageiro, como afirmava Costa no início do ano. Este nível de inflação equivale já a uma perda real no salário médio de 4,6%, num período de apenas 8 meses.

Em segundo lugar, tenhamos em conta que nenhuma das medidas anunciadas serve para controlar os preços ou aumentar os salários, mas sim para manter a desbragada acumulação lucrativa das grandes empresas:

1 – A entrega de uma prestação única de €125, por pessoa, em Outubro, para quem tenha um rendimento bruto mensal até 2.700€, para além de nos ser paga com o nosso próprio dinheiro, recolhido através dos impostos, não chega a um aumento de €9 mensais (incluindo 13º e 14º mês). Os salários mantêm-se, portanto, sob controlo, mas os preços e os lucros não sofrem qualquer limitação;

2 – O mesmo cálculo e conclusões podem ser aplicados à entrega da prestação única de €50, por criança ou jovem até aos 24 anos;

3 – A descida do IVA da electricidade, de 13% para 6%, abrangendo apenas os primeiros 100 kilowatt hora (kWh), de consumo mensal, até Dezembro 2023, para além de temporária, será insignificante. Segundo a ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, um perfil de consumo reduzido, típico de um casal sem filhos, apresenta um consumo mensal de 158 kWh. Esta descida do IVA, à semelhança da compensação nos impostos dos combustíveis, de pouco ou nada servirá para controlar os aumentos de preços previstos. Enquanto isso, a EDP apresenta lucros de €306 milhões, no primeiro semestre deste ano;

4 – Quanto ao gás natural, está aberta a possibilidade de regresso às tarifas reguladas para as famílias, mas o IVA manter-se-á nos 23%. Também esta medida não servirá para controlar preços, nem lucros. Tanto assim é que estão previstos aumentos históricos, superiores a 100%, nos preços do gás natural, já em Outubro. Mesmo o “travão” aplicado pelo Governo ao mercado ibérico do gás natural será pago, por todos nós, nos próximos meses;

5 – As medidas sobre os impostos dos combustíveis serão alargadas até ao final do ano, medidas estas que já se mostraram inconsequentes quanto ao controlo de preços. Enquanto isso, a Galp, por exemplo, apresenta um lucro de €420 milhões, no 1º semestre deste ano, bem mais do dobro dos lucros face ao mesmo período de 2021;

6 – A limitação do aumento das rendas da habitação a 2%, será compensado pelo Estado, entregando a diferença aos senhorios face ao que receberiam com atualizações de 5,43%, previstas na lei. Esta compensação será paga com o dinheiro dos nossos impostos, pelo que pagamos na mesma. Não existe, da parte de António Costa, qualquer intenção de tabelar rendas, limitar os preços da habitação ou travar a especulação imobiliária;

7 – O congelamento dos preços dos transportes públicos em 2023 será compensado pelo Estado com transferências para as empresas de transportes, pelo que, também aqui, pagamos na mesma;

8 – Sobre os pensionistas, Costa resolve recuar no aumento a que estava legalmente obrigado e colocar no seu lugar um pagamento único extraordinário de 50% da pensão, em Outubro, e um aumento em torno dos 4% a partir do próximo ano, quando deveria ser de 7% a 8%. Desta forma, o valor base das reformas só subirá cerca de metade do que subiria caso a lei original que define o aumento anual das pensões fosse aplicada, comprometendo o justo e legalmente previsto aumento das pensões nos anos futuros.

Costa exerce, assim, a política da direita, de protecção dos lucros e destruição de salários e pensões, enquanto nos ilude com migalhas, amenizando o descontentamento popular. Não deixa de ser curioso que quanto mais Costa adopta esta política, mais audíveis são as injúrias, vindas da direita, de “socialistas”. O PS agradece, pois não precisa de qualquer política “socialista” para retirar proveito da fama. 

À esquerda, fica difícil entender a crítica vinda de PCP e BE, uma vez que apoiaram tal política e tal Governo PS durante 6 anos. Estamos fartos de migalhas. É urgente renovar a esquerda e voltar às ruas em torno de uma mobilização nacional pelo aumento imediato de €100 nos salários e pensões; pelo aumento do salário mínimo para €1.000; pelo investimento de €2 mil milhões em todos os profissionais de saúde; pela fixação dos preços dos bens essenciais e dos combustíveis. 

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