A tensão aumenta no Leste europeu. Depois de um início de semana de intensas conversas diplomáticas, não há desfecho previsível à vista. O principal motivo da disputa, é a possível adesão da Ucrânia à NATO.
Numa altura em que o número de soldados russos, junto à fronteira ucraniana, poderá rondar os 100 a 140 mil efectivos, a Rússia continua a afirmar que não pretende invadir a Ucrânia, mas que quer a garantia do Ocidente de que a Ucrânia não integra a NATO.
Dos EUA começam a chegar mais 3.000 soldados, à Europa de Leste, para reforçar as forças da NATO estacionadas na Polónia e na Roménia (onde já estavam 900 soldados norte-americanos)1.
As reuniões entre Macron e Putin, e depois, entre o Presidente francês e o seu homólogo ucraniano, Zelensky, acabaram por não resultar em nada. Macron afirmou ter conseguido, junto de Putin, a garantia de que a tensão não se transformaria em guerra, mas Putin veio prontamente negar ter feito qualquer promessa2. Macron procura fazer-se notar como um hábil negociador da “paz”, contribuindo para aumentar a importância da França no seio do eixo franco-alemão e conquistar todas as vantagens políticas e económicas junto do governo ucraniano, mas Putin está determinado em aumentar o preço a pagar por qualquer concessão.
No dia 10 de Fevereiro, a Rússia deu início a 10 dias de manobras militares com as tropas bielorussas, junto à fronteira ucraniana, e irá iniciar o seu exercício estratégico nuclear, ao mesmo tempo que realiza exercícios navais no Mar Negro e no Mar de Azov, tornando a sua navegação “virtualmente impossível”, de acordo com o comunicado do Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia3.
Como se chegou até aqui?
É importante recordar que o conflito na Ucrânia se iniciou em 2014. A Rússia invadiu a península da Crimeia (Sul da Ucrânia), e ocupou, através de milícias pró-russas, uma parte da zona Leste da Ucrânia (região mineira de Donbass, onde se localizam as duas importantes cidades de Lugansk e Donetsk). O conflito na zona Leste continua, mesmo que com pouca actividade, e já provocou mais de 14 mil mortos. A intervenção russa foi a resposta à mudança de governo no país, depois da revolta da praça Maidan (2013-2014), que retirou Yanukovich, fantoche de Putin, da presidência ucraniana. Sucedeu-se um governo pró-Ocidente, presidido pelo empresário multimilionário Poroshenko.
Ucrânia
O que está efectivamente em causa é quem domina, política e economicamente, a Ucrânia: por um lado, o bloco imperialista Ocidental, capitaneado pelos EUA e UE, e, por outro, a Rússia, potência regional com pretensões de não perder influência sobre o Leste europeu, sobretudo, a Ucrânia, importante fonte de produção cerealífera, industrial e mineira.
As razões que levam a tamanha disputa, e a dificuldade em encontrar soluções são complexas e, por vezes, confusas. A começar pela crise económica mundial e a disputa entre as burguesias nacionais dos principais países imperialistas ocidentais, assim como da Rússia e da China para garantir, para si, as principais fontes de acumulação de riqueza mundiais.
Depois, como tantas vezes na história, as potências invasoras utilizam as divisões culturais e etnolinguísticas do povo sob ocupação para semear a discórdia entre os de baixo, enquanto se auto-proclamam os representantes dos sectores que lhes são mais favoráveis. Ou seja, por um lado, as potências Ocidentais usam o autoritarismo de Putin para capitalizar o sentimento anti-russo da maioria da população ucraniana que vive na zona Ocidental do país. Por sua vez, Putin coloca-se como o representante da população do Sul e do Leste do território ucraniano, onde há uma maioria etnolinguística russa.
Seja como for, que fique claro: o que move a disputa entre Putin e o imperialismo norte-americano e europeu são as riquezas da Ucrânia. O futuro da juventude e trabalhadores ucranianos, que vivem com grandes dificuldades, não será risonho nem com ocupação russa nem com ocupação da NATO.
A Ucrânia é o segundo maior país da Europa, e está localizado numa zona estratégica, zona “tampão” entre a Rússia e a Europa Central. Possui as terras mais férteis da Europa, sendo, por isso, um dos maiores produtores de alimentos do continente. A Ucrânia é ainda um importante produtor metalúrgico e a região ucraniana da bacia de Donbass (controlada pelos separatistas russos) é uma importante zona de exploração mineira, representando mais de 20% do PIB ucraniano. Como se não bastasse para comprovar a importância da Ucrânia, a Europa, com a Alemanha à cabeça, dependente entre 35% a 40% do gás russo, que é fornecido através de gasodutos que atravessam a Ucrânia.
Nem potências imperialistas, nem Rússia, por uma Ucrânia soberana!
Nenhuma das partes do conflito está interessada na soberania da Ucrânia ou na defesa do direito à auto-determinação do seu povo. Todas as potências envolvidas na contenda estão apenas focadas em aumentar o seu controlo sob a região, num plano ao serviço da cumulação de riqueza das suas próprias elites nacionais.
Os EUA e as principais potências europeias querem instalar uma base da NATO às portas da Rússia e garantir a maior espoliação possível dos recursos da Ucrânia, aproveitando ainda a sua mão-de-obra qualificada e barata.
Putin sabe o perigo que é para a sua oligarquia milionária a perda de influência sobre a Ucrânia. Herdeiro de um poderoso aparato militar dos tempos da URSS, mas com uma economia atrasada e demasiado dependente de recursos fósseis, tem a necessidade de expandir a sua influência sob os países fronteiriços. O Cazaquistão e a Bielorrússia são outros exemplos de países governados por fantoches da elite russa, odiados pelas populações daqueles países. Recordemos a forma violenta como as tropas russas, com os exércitos locais, reprimiram as recentes manifestações populares naqueles países. Putin, como sabemos, teve que enfrentar também importantes manifestações contra o seu governo no início do ano de 2021, que resultaram em mais de 10 mil detenções.
Com o capitalismo e os EUA, a sua potência dominante, em crise, a força de Putin na nova nova-ordem mundial que se vai desenhando está dependente do controlo repressivo da juventude e trabalhadores russos, bem como dos trabalhadores e juventude dos países cujos governos são seus aliados, tais como a Bielorrússia, Cazaquistão e Síria.
É por isso urgente o fim da ingerência externa na Ucrânia, seja ela das potências dos EUA ou da UE, através da NATO, seja ela da Rússia. Exigimos que as tropas da Rússia saiam imediatamente da Crimeia e da região de Donbass, bem como as tropas da NATO do território ucraniano. Recordemos que a NATO não é garantia de democracia, nem de paz, pois permitiu que, por exemplo, após os protestos na Maidan, em 2014, o batalhão Azov (milícias declaradamente fascistas) ingressasse oficialmente no exército ucraniano. Nenhum dos lados trará paz e melhores condições de vida à juventude e trabalhadores ucranianos.
NATO e exército russo fora da Ucrânia!
Por uma Ucrânia soberana e em paz!
Pelo direito do povo ucraniano à sua auto-determinação!
1 https://expresso.pt/expresso/ucrania-romenia-recebe-primeiro-reforco-de-militares-norte-americanos
2 https://expresso.pt/internacional/macron-conseguiu-ou-nao-a-garantia-por-parte-de-putin-de-um-alivio-das-tensoes-na-ucrania-estamos-numa-luta-de-egos/
3 https://www.aljazeera.com/news/2022/2/10/putin-lauds-russian-diplomacy-amid-ukraine-crisis-liveblog