As eleições na Argentina são realizadas a “duas mãos” . Primeiro as PASO, que são eleições primárias, onde cada partido apresenta os seus candidatos, e depois os simpatizantes ou militantes do partido escolhem que candidatos preferem para encabeçar as listas. Para as listas/partidos poderem se candidatar às eleições gerais definitivas as candidaturas devem ter no mínimo 1,5 % dos votos. Ou seja, este mecanismo foi criado, essencialmente para criar dificuldade aos muitos pequenos partidos de esquerda que existem na Argentina.
As eleições do dia 14 de Novembro, acontecem num momento em que a inflação galopante torna a vida da classe trabalhadora cada vez mais difícil, metade da classe trabalhadora têm trabalhos precários e 40% da população da província de Buenos Aires vive na pobreza. O resultado das eleições mostra uma derrota inequívoca do Governo / “Frente de Todos”, uma coligação das várias sensibilidades do Peronismo, que tem sido desde o regresso da democracia ao país, o principal pilar do regime político argentino. O Governo de Alberto Fernandez, perdeu para a coligação “Juntos pelo Cambio”, que congrega a direita tradicional com sectores de “centro-esquerda” , com uma diferença de 8,3%.
Para além disto, pela primeira vez, desde 1983 (regresso da democracia), o peronismo perde a maioria no senado. O desgaste do regime político argentino também se evidencia na taxa de abstenção (29%), a maior desde 1983. Foi essencialmente um voto de protesto, contra o governo e as suas políticas. Ao longo dos anos em que esteve no governo, o peronismo adoptou, habilmente, um discurso “à esquerda”. No entanto governam de acordo com os interesses da burguesia argentina e estrangeira, cumprindo escrupulosamente a agenda do FMI.
O que se passa em todo mundo, uma polarização cada vez mais aguda, um desgaste dos regimes políticos e a busca por alternativas fora das forças do “status quo”. Como escrevia o director do Clarin (principal jornal argentino), no dia a seguir ao acto eleitoral:
“ El voto pareció más dirigido a castigar al gobierno que a beneficiar a la oposición. Sin embargo, esa también es la lógica política del sistema, que ha visto crecer tanto a la derecha más nítida como a la izquierda más dura.”
A extrema-direita, como se passa em quase todo mundo, também cresceu. Através de Milei e Espert, com um discurso ultra-liberal, camuflado de “anti-sistema” e contra a “casta política”, muito semelhante à narrativa do Chega (em Portugal) e do Vox (em Espanha). Apresentam-se como economistas e não como políticos. Iludiu particularmente a juventude “desligada” da política e, nomeadamente da capital, onde obteve votações muito expressivas. É um resultado preocupante que vai exigir uma contínua resposta, desmistificando as falsas soluções propostas e desmascarando as mentiras do seu discurso. É necessário mobilizar a classe trabalhadora, os movimentos sociais para enfrentar a extrema direita para barrar o seu crescimento, e aproveitar o seu fraco enraizamento orgânico.
Ao contrário do que sucede em Portugal a esquerda deu ênfase ao combate a estas propostas demagógicas e foi desmascarando o falso discurso anti casta. Clarificando que não há nada de anti-sistema, e que são a face mais dura daqueles que têm governado a Argentina, sejam eles os Peronistas ou o anterior governo liberal de Macri. Milei, economista, é o rosto mais conhecido da extrema direita, foi ganhando terreno nos últimos anos como comentador televisivo à semelhança de André Ventura.
Eleição histórica da FIT-U (Frente de Izquierda-Unidade)
A grande diferença para o que se passa nos restantes países, é a força da esquerda anti-capitalista Argentina. Que se apresentou mais uma vez unida, numa coligação de 4 forças trotskistas, que dinamizam a FIT. Fizeram uma campanha extraordinária, percorrendo os locais de trabalho e os bairros populares. A FIT que tem 10 anos de existência, conseguiu o seu melhor resultado desde o início da sua corajosa trajectória.
Conseguiu pela primeira vez a eleição de 4 deputados nacionais, 2 legisladores e para além disso, elegeu pela primeira vez vereadores nos concelhos pobres do subúrbio de Buenos Aires, coração do peronismo. Um dos deputados eleitos foi conseguido na cidade autónoma de Buenos Aires (CABA), o que não acontecia há mais de 20 anos. Na região de Jujuy, norte do país, obteve uma votação impressionante de 25%, que permitiu eleger o trotskista Vilca, recolector de lixo, de origem indígena.
A nível nacional a FIT conseguiu ser a terceira força nacional, o que demonstra que a sua política de enfrentar corajosamente todos os governos capitalistas independentemente da sua roupagem, mais à esquerda (peronismo) ou mais à direita como foi o governo neo-liberal de Macri. A FIT tem apresentado uma verdadeira alternativa à política vigente, defendendo o não pagamento da dívida externa (que é colossal na Argentina) para que o dinheiro que tem ido para a banca seja canalizado para um aumento dos salários dos trabalhadores e das pensões dos reformados.
Também têm estado na linha da frente na luta das mulheres e dos demais sectores oprimidos, e na defesa do meio ambiente contra o extractivismo. Está neste momento a decorrer a preparação de uma grande manifestação da FIT contra o plano de austeridade que o FMI, os Peronistas e toda a direita pretendem impor na Argentina, a manifestação realizar-se-á no dia 11 de Dezembro. A esquerda revolucionária argentina ilumina o caminho para os revolucionários de todo mundo.
O BE em Portugal ou o ‘Podemos’ em Espanha (por exemplo) ocupam este espaço nos respectivos países, muito semelhante ao da FIT na Argentina, mas com uma diferença qualitativa: na Argentina são esquerda revolucionária (e trotskista, aliás não há outra na Argentina) a protagonizar a alternativa, a que se assume como tal e que pretende mesmo alterar radicalmente o sistema social e económico vigente. O ‘Podemos’ ou o BE (e o Syriza na Grécia a seu tempo) só se têm mostrado aptos e adeptos de governar no marco do mesmo sistema económico e no seio de um mesmo regime de governação. E não pretendem de facto (apenas na retórica) nada de diferente.
Assim se prova, que ser esquerda revolucionária plena, não é um projecto utópico e sem possibilidades de peso eleitoral de massas. Não é preciso fazer favores à social democracia e aos regimes burgueses de Espanha e Portugal (ao PS em Portugal ou ao POSE em Espanha) para se ser e, fundamentalmente, se construir uma alternativa verdadeiramente anti-sistémica, pela esquerda. A FIT argentina, mostra como é possível, mesmo jogando num terreno adverso, as eleições burgueses, romper com a marginalidade e tornar-se uma referência para a classe trabalhadora.
É possível de construir uma alternativa revolucionária para ajudar os trabalhadores a superar o capitalismo, e construirmos uma sociedade verdadeiramente justa e democrática, uma sociedade socialista.