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“A verdade é que em Portugal ainda não se leva a sério o racismo.”

Entrevista a Luísa Semedo, professora na Universidade de Clermont Auvergne, França, e conselheira no Conselho das Comunidades Portuguesas.

 

MAS: O que significou para ti a provocação e as declarações do André Ventura face às comunidades na emigração? 

Luísa Semedo: Significou a confirmação de uma imensa incompetência da parte de alguém que se posicionou enquanto aspirante a Presidente de todos os portugueses, inclusive dos 5 milhões que estão no estrangeiro e para os quais dedicou dois parágrafos no seu programa. Mostrou um desconhecimento total em relação a um órgão importante de relação entre o Estado português e as Comunidades, e o desprezo é ainda mais patente pelo facto de nem se ter dado ao trabalho de fazer uma rápida pesquisa sobre o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP). Na lei do CCP está explícito que é um cargo voluntário, sem remuneração, portanto. Mas a ânsia é tão grande de mostrar o seu desprezo a quem o põe em causa e de inflamar o seu fan club que nem fez o mínimo requerido. Mas estas declarações não são nada comparadas com o seu programa e o seu alinhamento com o movimento internacional da extrema-direita racista e xenófoba que coloca os portugueses no estrangeiro em perigo. E é com isso que estou principalmente preocupada.


MAS: Dado que estás em França como estão os movimentos de massas e de protesto contra Macron?

LS: Os movimentos resistem com altos e baixos, mas vão perdurar enquanto continuarmos num sistema ultra capitalista cuja essência é a indecente desigualdade entre os cidadãos. Acredito que acabou de vez o consentimento à desigualdade que tanto tempo durou com a conivência de políticos e até de intelectuais e da religião. Os pobres é que vão para o paraíso, não é? Penso que as pessoas têm cada vez mais consciência da extrema injustiça económica em que vivem. E quando se abre os olhos é difícil de os voltar a fechar. O sistema ultra capitalista passa então para outra estratégia, o liberalismo autoritário. Macron é um executante desse autoritarismo necessário para que o sistema perdure. As violências policiais extremas vividas em França se tivessem lugar em qualquer outro país seriam denunciadas veemente, inclusive pelo próprio Macron, mas em França passa como algo de normal. Conheço muitas pessoas que agora têm medo de ir manifestar, eu própria já está fora de questão levar os meus filhos ou amigos mais idosos que tenham problemas em mover-se rapidamente, por exemplo. Numa manifestação é agora impossível prever o comportamento da polícia, podem carregar a qualquer momento pouco importa quem tenham à frente. Existe ainda por cima um projeto para que seja proibido filmar e divulgar imagens das ações da polícia. Isto é claramente um entrave à democracia, relembro que uma eleição não é um cheque em branco e que uma manifestação é um meio essencial de protesto democrático. 


MAS: Consideras necessária uma renovação à esquerda para contrapor e travar o ascenso da extrema direita?

Considero que é necessário que o antifascismo deixe de ser uma atitude unicamente moral e passe a ser um verdadeiro projeto político. Precisamos com urgência de encontrar mecanismos legislativos para que a formação de partidos racistas e fascistas seja impossível. Como vimos com o Chega a nossa Constituição não foi suficiente para travar a sua criação e a eleição de um deputado assumidamente racista. Precisamos de proibir de forma clara que reuniões de neonazis sejam possíveis no nosso território, como a que teve lugar em Lisboa em agosto do ano passado, que grupos de neonazis possam passear pelas ruas e pelas redes sociais em total impunidade. Essas mudanças ainda são possíveis em Portugal, porque o Parlamento não é ainda constituído por uma maioria de extrema-direita. Vamos esperar que assim seja para abrir os olhos e depois já não ter meios para combater estes inimigos da democracia, a não ser através de arriscar as nossas vidas?

Mas não é só em Portugal, na UE por exemplo, deveria haver um plano conjunto para erradicar de vez a possibilidade de haver partidos racistas e fascistas. Que se respeitem enfim os textos.

A verdade é que em Portugal ainda não se leva a sério o racismo. Estou convicta de que a extrema ciganófobia da nossa sociedade é que permitiu que um Ventura pudesse continuar o seu projeto de tomada de poder. As suas declarações já eram extremamente explícitas, mas como para muitos os ciganos nem pessoas são, deixaram avançar o personagem. A declaração racista e xenófoba de Ventura sobre a devolução da colega Joacine Katar Moreira não foi tratada como intolerável pelo Parlamento. Deveria ter havido um voto de condenação explícito, Ventura deveria ter sido condenado segundo os textos que regem o cargo de deputado. Ninguém esteve à altura, houve um raspanete dado a alguém que nem sequer se mostrou arrependido. Assistimos a uma espécie de reconciliação forçada entre partes sem que a parte ofendida, que não se resume só à deputada em causa, mas a todos nós que nos sentimos ofendidos, tenha dado o seu assentimento. Estes casos de impunidade em série dão força a um discurso racista descomplexado, como vimos com o que se passou com o jogador Marega. E só pode piorar se não houver justiça. A esquerda precisa de abraçar de vez o antifascismo e antirracismo político, já não é comportável assobiar para o lado e relativizar o perigo da extrema-direita.

 

Entrevista de Gil Garcia

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