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Argentinas em luta pela vida das mulheres


É com entusiasmo que acompanhamos de longe a luta das nossas companheiras argentinas. Desde 2015 o movimento feminista tem vindo a crescer e impulsionado a organização das mulheres a nível internacional pelo fim da violência e da discriminação machista.

As grandes mobilizações que ocorreram na Argentina no último período, identificadas pelos panos verdes, tiveram como eixo central a legalização do aborto. De acordo com as estimativas realizadas, com base no número de internamentos em hospitais públicos por complicações após um aborto voluntário, um estudo de 2005 aponta para cerca 447 mil abortos nesse ano.[1] São números preocupantes e que se multiplicam quando olhamos para o resto da América Latina onde o aborto apenas é legalizado em 4 países e é a região do mundo com maior número de aborto proporcionalmente (44 a cada mil mulheres por ano)[2]. Um facto é que no Uruguai, o segundo país no continente a legalizar a interrupção voluntária da gravidez, a percentagem de mortes por complicações relacionadas com o procedimento caiu de 37% para 8%[3].

Neste cenário, a vida das mulheres está sob constante ameaça. Perante uma gravidez indesejada, as mulheres veem-lhes negado o direito a decidir se prosseguem ou não com a gravidez, tendo um impacto gigante sobre as suas vidas e a sua saúde física e mental. Este é um problema que afeta, em primeiro lugar, as mulheres mais pobres, as trabalhadoras, que não querendo ter a criança (muitas vezes por não terem condições económicas para criá-la) são empurradas para intervenções em clínicas clandestinas ficando vulneráveis às complicações que poderão daí decorrer. As mulheres ricas, nestas situações, contornam o problema viajando para países onde o aborto é legal para fazer a intervenção em segurança. Os governos não podem continuar a virar a cara a esta realidade! Todas nós deveríamos ter o direito a determinar as nossas vidas e para isso é preciso que sejam implementadas políticas de saúde pública para que a reprodução seja uma decisão livre e não uma imposição!

Só com a legalização da IVG e o seu acesso no serviço público de saúde se torna possível a realização do aborto em condições de segurança. É essa a exigência das mulheres argentinas!

 

Até que seja lei

Na Argentina, as mulheres lutam há décadas pela legalização do aborto. No seguimento de discussões nos Encontros Nacionais de Mulheres que tiveram lugar em 2003 e 2004, foi lançada a 28 de maio de 2005 a Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito[4] – Educação sexual para decidir, contraceptivos para não abortar, aborto legal para não morrer.

A campanha ganhou força no processo de lutas que se abriu em 2015 com o surgimento do movimento Ni Una Menos contra os brutais feminicídios que ocorrem todos os dias no país. Mulheres, algumas muito jovens, sofrem diariamente a brutalidade da violência machista estimando-se que a cada 32h uma mulher é assassinada pelo simples facto de ser mulher. Segundo dados da ONG Casa del Encuentro, entre 2008 e 2019, registou-se um total de 2.952 feminicídios! Fartas da inação do Estado, as mulheres começaram a ocupar as ruas em massa em vários atos de repúdio à violência machista e reivindicando medidas de combate a este problema social. Desde 2015, as mobilizações têm vindo a crescer e a questão da violência contra as mulheres ganhou uma maior amplitude, no sentido em que se entende que a taxa de mortalidade por motivos de género representa o resultado máximo de um complexo problema sistémico que precede o feminicídio. As lutas foram tornando mais evidente na consciência coletiva qual é a raiz do problema que enfrentam. As mudanças necessárias para um verdadeiro combate à violência machista que abranja a saúde, a justiça, a educação e o trabalho trazem à tona quem são os nossos verdadeiros inimigos. O governo argentino é responsável pela perpetuação da violência tratando-se para ele de um tema insignificante face à agenda neoliberal que pretende levar avante. Fá-lo também através da Igreja que é financiada pelo Estado e que tem uma influência cada vez maior nas suas instituições, travando um combate declarado às apelidadas “ideologias de género”[5]. Por isso, o movimento feminista argentino tem ocupado as ruas exigindo que o dinheiro público seja investido na vida das mulheres, levantando a bandeira da legalização do aborto, para a criação de infraestruturas desde a educação à saúde públicas que devolva o direito às mulheres de decidirem sobre os seus corpos e que acabe com as mortes, mas também para exigir a separação da Igreja do Estado e para travar a aplicação da austeridade pelo Governo Macri.

Após a Greve Feminista Internacional, no 8 de março de 2018, as argentinas não baixaram os braços e levaram uma luta incansável até a discussão do projeto da IVG pela primeira vez na câmara do deputados, conseguindo arrancar 129 votos a favor, contra 125 negativos. A campanha acabou por ser derrotada no Senado em Agosto do ano passado[6] mas levantou um debate na sociedade que transbordou além-fronteiras sobre a importância da mudança na lei para acabar com as mortes de centenas de mulheres e meninas todos anos. Se no hemisfério sul, nos países mais pobres, este é um direito ainda por alcançar, na maioria dos países, no norte, onde chegam ao poder governos de extrema-direita o retrocesso já está a acontecer. Vimos isso acontecer recentemente nos EUA onde foi aprovado, em vários Estados, legislação que proíbe o aborto após as 6 semanas. Este é um problema de todas nós, por isso estamos solidárias com as nossas companheiras que em todo o mundo se organizam e lutam pela legalização do aborto, contra a violência machista, pela vida das mulheres! Sabemos que só construindo pontes entre nós e unindo forças poderemos enfrentar as políticas reacionárias de Trump, Bolsonaro e Macri que atacam as nossas vidas para continuar a alimentar as riquezas de uma minoria em detrimento dos nossos direitos, precarizando e sufocando cada dia mais as nossas vidas.

 

Laura Viríssimo

 

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