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Quem mandou matar Marielle?


“Sou força porque todas nós somos,
Sigo porque seguimos todas juntas,
Eu sou Marielle Franco, mulher, negra, mãe, da favela,
Eu sou porque nós somos”

Marielle: Negra, mulher, favelada e LGBTQI+ em movimento

No dia 14 de março a vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL Marielle Franco voltava de um evento na casa das pretas acompanhada de uma assessora e do motorista Anderson Gomes, quando foi brutalmente assassinada. O carro foi atingido com 13 disparos, pelo menos quatro atingiram Marielle na cabeça. Anderson também foi baleado e morreu no local.

Quinta vereadora mais votada do Rio de Janeiro, conhecida como cria da Maré, unia em si todas as potencialidades e sonhos daqueles e daquelas que lutam cotidianamente contra as opressões e por outro modelo de sociedade.

Marielle Franco era uma potência. Seu corpo, aliado a sua militância política, era uma combinação daquilo que os poderosos mais temem: o despertar da consciência dos pobres, oprimidos e explorados da força e do poder que tinham em suas mãos. Marielle sabia que só a luta coletiva era capaz de mudar o mundo, por isso sua vida militante e seu mandato estavam a serviço da luta coletiva, da mobilização dos oprimidos.

Marielle ousou ocupar espaços que, historicamente, não eram tidos como seus. Isso porque o mantra que as assembleias e câmaras são a “casa do povo” não convence mais ninguém. Por natureza, esses espaços são feitos para permanecerem sob controle do capital, através de projetos políticos antipovo, que atacam a população mais pobre e trabalhadora e que têm como única finalidade continuar explorando e arrancando direitos.

No entanto, Marielle mostrou que é possível construir um projeto diferente, construído por aqueles que habitam os morros e favelas, que carregam a opressão em seus corpos. Para construir esse projeto, Marielle denunciava cotidianamente a sanha por sangue negro nas favelas e nas comunidades, a política racista de combate às drogas do Estado responsável pelo o genocídio da juventude negra, denunciou a perigosa combinação entre política, polícia e corrupção e a intervenção federal no estado do Rio de Janeiro, que apenas serviu para trazer mais tragédias para o povo negro e pobre. Por isso, por ser a junção de tudo o que a burguesia brasileira mais odiava, Marielle foi assassinada. O recado era claro e evidente: o silêncio e a morte para aqueles que ousavam lutar e resistir.

Depois da prisão dos executores ainda fica a pergunta, QUEM MANDOU MATAR MARIELLE E ANDERSON?

O assassinato de Marielle representou um grave atentado contra as liberdades democráticas, conquista das lutas dessa brava gente. A execução de uma parlamentar em pleno exercício de suas funções é um sinal de alerta para todos e todas da conjuntura que estamos vivendo no País. O envolvimento da milícia e de políticos na morte de Marielle só ressalta que não estamos lidando com qualquer força, estamos lidando com o que há de mais perigoso na política: o envolvimento de forças do estado na execução de uma parlamentar eleita pelo povo. Marielle foi morta por causa das pautas que defendia, por ser uma defensora irrestrita de direitos humanos e pelo papel político que desempenhava na denúncia das violações de direitos nas favelas.

A prisão de um PM reformado e de um ex-PM pelo assassinato de Marielle é a prova de que estamos lidando com forças poderosas e que, se foi importante essas prisões, é ainda mais imperioso responder outras perguntas ainda mais difíceis: Quem mandou matar Marielle e Anderson? Quais interesses políticos se escondem por trás dessa morte? Qual o envolvimento de agentes de estado na execução? Até onde vai a relação entre milicianos e políticos do Rio de Janeiro? Quem está envolvido no arsenal de fuzis que acaba de ser descoberto? São muitas as perguntas e poucas as respostas.

Mas sabemos a resposta que não aceitamos. Não admitiremos que tente se explicar o assassinato de Marielle e Anderson como um crime de ódio, como uma ação isolada de dois atiradores, motivados pela intolerância e pelo ódio contra ideias de esquerda. Não. Marielle foi executada em uma ação planejada, executada por profissionais, que estão ligados a milícia. Não são atiradores a esmo. São parte de uma operação muito maior, que envolve grupos criminosos e políticos e que cada vez mais se aproxima da família do presidente da República. A prisão dos dois não é o bastante. Precisamos aprofundar a investigação, garantindo o seu caráter independente e ampliando para a participação de entidades de direitos humanos e da sociedade.

“Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”: O legado de Marielle Franco

São muitas as lições que temos a aprender com Marielle. Se por um lado exigir justiça todos os dias é de suma importância, por outro é necessário entender e fazer valer o legado que ela deixou. A mulher negra, favelada, LGBTQI+ mostrou que é possível construir política com aqueles e aquelas que estão completamente esquecidos pelo poder público. Mais do que isso, Marielle demonstrou que não era apenas mais uma representante parlamentar, mas lutou ombro a ombro, corpo a corpo, e fez do seu mandato um espaço para que as vozes dos e das invisíveis fossem ouvidas.

No entanto, para além de toda a compreensão do papel de Marielle como parlamentar, refletir sobre corpos negros requer responsabilidade. Nesse sentido, Marielle deixa um legado da necessidade de compreendermos a luta antirracista e anticapitalista no Brasil, organizar os debaixo para derrubar os de cima significa colocar em marcha, principalmente negros e negras, mulheres e LGBTQI+, entender que o racismo no Brasil deve ocupar um lugar central em nossas análises, que o endurecimento do estado e o esvaziamento de seu papel em tempos de neoliberalismo afeta ainda mais os oprimidos.

Por fim, honrar a memória de Marielle Franco significa, agora mais que nunca, lutar contra Bolsonaro e seu projeto de poder racista, misógino, LGBTQIfóbico, autoritário e antipovo. Lembrar Marielle é lutar por uma transformação social que coloque o povo explorado e oprimido em primeiro lugar.

Por tudo isso, é muito importante transformarmos esse dia 14 em um grande dia de luta, histórico, repetindo os protestos durante o carnaval e os potentes atos do 8 de Março. Cada amanhecer, cada debate, cada flor e cartaz nesta quinta-feira será um passo a mais nas lutas de resistência que teremos pela frente, como a jornada de 21 dias contra o racismo e os atos nacionais contra a reforma da Previdência, no próximo dia 22.

 

Editorial de 14 de março de 2019 – Esquerda Online

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