Crise leva governo britânico a adiar votação do acordo do Brexit

Na noite desta terça-feira, dia 11 de dezembro, o Parlamento britânico levaria a voto a aprovação do Projeto de acordo sobre a saída do Reino Unido e a União Europeia, o chamado Brexit.

Porém, ao invés de colocar um fim ao período de incertezas e instabilidade existente desde a vitória do Brexit no referendo de 2015, o país vive hoje uma grande crise política e ninguém pode prever com segurança o que irá acontecer no próximo período.

O governo britânico, até o meio dia da véspera da votação, negava veementemente qualquer adiamento e garantia que o Parlamento decidiria a questão neste dia 11. A declaração da Primeira Ministra (PM) no parlamento confirmando o adiamento foi recebida com risos e chacotas dos parlamentares da oposição. O líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, afirmou em plenário que o governo perdeu completamente o controle da situação e não tem mais condições de seguir governando.

O Projecto do acordo

O Projeto traz como principais pontos:
• O Reino Unido continua a ser parceiro estratégico da União Europeia e segue dentro do Mercado Comum até novo acordo futuro (não definido)
• O direito de residência dos cidadãos europeus residentes no Reino Unido e vice-versa, permanecem garantidos. Novos acordos definirão o critério de residência e ingresso para o futuro.
• O Reino Unido não está mais submetido às normas de pesca da União Europeia – mas não define as diferenciações que passará a ter com esta, estando sujeito a acordos futuros (não definido)
• O Reino Unido continua submetido as normas europeias para fazer parte do mercado Comum. A diferença é que agora passa a não ter mais qualquer ingerência sobre estas normas.
• Não existirá uma fronteira entre a Irlanda do Norte e a Irlanda, a fronteira entre a EU e o Reino Unido passa a ser o Mar da Irlanda. Com isso, a Irlanda do Norte passa a ter um papel diferenciado sobre o território nacional em relação aos demais países que compõe o Reino Unido.
• Continuarão havendo negociações para acertar detalhes, sem prazo definido, e até então permanece conforme definido neste acordo.

Um Projeto de acordo que desagrada a Leavers e Remainers

O Projeto de acordo assinado entre a PM Theresa May e a Comissão da EU vem recebendo duras críticas dos Leavers, nome dado aos setores que fizeram campanha pela saída da Grã-Bretanha do bloco Europeu. Para estes, a saída britânica do Bloco seria apenas uma formalidade, contrariando na prática a votação o resultado do Referendo de 2015, que definiu pela saída com cerca de 52% dos votos.

Segundo o jornal britânico Financial Times deste dia 10 de dezembro, uma das principais lideranças do European Research Group, instituto pró-Brexit, que reúne vários parlamentares da ala direita do Partido Conservador, afirmou que o Projeto é uma “traição de Theresa May ao Referendo e ao país”. Vários Parlamentares do Partido Conservador, o mesmo da PM, fazem campanha aberta pela reprovação do Projeto e afirmam já ter dezenas de colegas que declararam voto contrário ao governo.
Além da crise em seu próprio partido, a PM Theresa May muito provavelmente não poderá contar com o apoio do DUP. Este Partido da Irlanda do Norte, unionista e extremamente reacionário, adquiriu relevância em Westminster a partir das últimas eleições pois, mesmo com seu pequeno número de assentos, permite ao Partido Conservador uma maioria em coalizão, que sustenta o governo.

O DUP acusa o projeto de relegar à Irlanda do Norte um status diferenciado em relação ao restante do Reino Unido, fortalecendo a perspectiva republicana no enclave. Até mesmo o presidente dos EUA, Donald Trump, condenou o Projeto publicamente nos últimos dias, afirmando que “não era o que o povo havia votado no Referendo” e que “sepultaria as aspirações de um acordo bilateral entre os dois países”, jogando mais lenha na fogueira da crise no partido da Primeira Ministra.

Mas os Remainers, denominação dos que defendem a permanência do país no Bloco, também não reivindicam o Projeto. Um estudo técnico publicado pelo Parlamento britânico, com participação de todos os Partidos, apontou que 100% – isso mesmo, 100%! – dos executivos das maiores empresas no país acham que o Projeto, mesmo evitando os problemas de um hard-Brexit, coloca o Reino Unido em uma situação inferior que a atual.

Para estes, o momento não é o de uma saída formal, com manobras que na prática minimizem a separação e mantenha o máximo possível tudo como está. A maioria dos Remainers defende um novo Referendo, alegando que a campanha de 2015 foi baseada em desinformação e fake news. Com isso pretendem manter o país na EU de fato e de direito. Realizaram, há poucas semanas, uma manifestação com mais de 700 mil pessoas em Londres por um Novo Referendo.

A União Europeia, na manhã do dia 10 de dezembro, reiterou que aceita um recuo do Reino Unido no Artigo 50, o qual define os passos necessários à saída da EU. Assim fortalecem o objetivo dos que defendem um novo referendo para anular o resultado do anterior.

Quais as perspectivas para a votação?

Muito provavelmente o Governo perderia a votação inicialmente prevista para hoje. O Partido Conservador de Theresa May, mesmo votando em bloco, precisaria dos 10 votos do DUP para ter maioria absoluta e garantir por si só a aprovação do Projeto no Parlamento.

Os votos do DUP, conforme citado anteriormente, para nada estão garantidos. Além disso, segundo estimativas da imprensa britânica, pelo menos 20 Parlamentares Conservadores que defendem um hard Brexit, entre eles alguns figurões, como Boris Johnson e Raes-Morgg, além de a 10 parlamentares pró-EU devem votar contra o Governo.

Governo e grande mídia fazem campanha de medo e confusão: Corbyn e recessão

Na tentativa de virar votos no Parlamento e com apoios nas distintas frações burguesas e imperialistas no país, Theresa May chantageia com a possibilidade de um governo Jeremy Corbyn, caso o projeto não seja aprovado.

Uma derrota na votação do dia 11 deixaria seu governo, que já vem de um quadro de fragilidade desde as últimas eleições, em uma situação politicamente insustentável. Esta derrota coloca a possibilidade de novas Eleições Gerais na ordem do dia, provavelmente em um período curto, já no início de 2019.

Segundo todas as pesquisas de opinião, o grande favorito para ser o novo PM seria Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista (Labour), cujo programa denominado “For the Many, Not the Few” (“Governo para a Maioria, não para a Minoria”, em tradução livre), é o programa de governo mais à esquerda das últimas décadas do Partido Trabalhista.

Além disso, o governo e setores da mídia vem aumentando a campanha que, caso o acordo não seja aprovado, o país entrará imediatamente em recessão, devido às incertezas quanto aos rumos políticos e econômicos. Insistem também que os resultados imediatos seriam desemprego, inflação, queda brusca da cotação da Libra Esterlina, empresas mudando sua sede para a Europa etc.

O que pode salvar o acordo e o governo Theresa May

Diante desse quadro de enorme instabilidade, o que pode salvar o acordo é que Tereza May venha a ganhar eventuais votos da direita do Labour, os Blairistas. Estes, como já aconteceu recentemente, não teriam qualquer pudor em salvar o pescoço de Theresa May e evitar Eleições Gerais que muito provavelmente levariam a um governo Corbyn.

Porém, nesse momento decisivo, se fizerem isso as tensões tendem a ser irreconciliáveis. Haverá uma campanha no LP pela expulsão e re-selection que pode tomar grandes proporções. O próprio Tony Blair já articula a formação de um novo partido de centro liberal, estilo Macron.

Entretanto, mesmo assim não está garantido que forneçam a quantidade de votos necessárias para aprovar o acordo em Westminster. A argumentação do governo, apoiado pela grande burguesia será: “Pessoal, não é o ideal, mas é o que dá. É isso ou um governo Corbyn e McDonnel”. Com isso pressionam para aprovar o acordo.
O objetivo último da EU segue sendo reverter o Brexit ou, no máximo, aplicar uma versão ultra soft do mesmo. Mas até mesmo isso está difícil.

 

Artigo de Márcio Musse

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