Nesta sexta-feira, 30 de novembro, os chefes de Estado das economias mais desenvolvidas do mundo se encontrarão em Buenos Aires. Os membros ativos do G20 somam 85% do PIB mundial, 80% dos investimentos globais, 75% do comércio e 66% da população.
Os países que integram o G20 são: Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia dos Sul, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Rússia, África do Sul e Turquia, além da União Europeia, como bloco. Espanha é sempre convidada. Além disso, o país anfitrião tem o direito de eleger convidados. Com isso, a Argentina convidou o Chile e a Holanda. Também podem participar entidades regionais como a União Africana, as nações do Sudeste Asiático do ASEAN, ou as caribenhas, como o CARICOM.
O G-20 nasceu em 1999 para ampliar o G-7. Foi uma forma de reconhecer o peso de outros PIBs dos chamados países emergentes lhes dando o direito de participar de decisões até então tomadas por Washington e algumas capitais europeias. O grupo chegou ao máximo com a entrada da Rússia quando se formou o G-8, em 1998. Depois de presidir o G-8 em 2006, a Rússia foi excluída do grupo devido ao conflito com a Ucrânia e a anexação da Criméia.
Mas o G-20 não teve grandes expressões até 2008, quando então a crise econômica internacional demonstrou a ineficácia das instituições edificadas no pós-guerra que configuram a atual ordem mundial. Assim, se começou a buscar outros consensos para administrar o mundo. Falou-se até mesmo de uma nova arquitetura econômica e financeira, mas isso pouco avançou. Ao contrário, a ordem mundial passou a ser questionada por setores das classes dominantes e do imperialismo aumentando os conflitos geopolíticos.
Por outro lado, do ponto de vista dos trabalhadores e dos povos oprimidos a situação desde então só piorou. Dados divulgados mostram que em 2015, 1% da população concentrava 46% dos recursos disponíveis, sendo que 10% chegava a concentrar 86%. Um contraste absoluto, se considerarmos que metade da população não possuía nenhum recurso. Os 40% restante era composto pela classe média que concentrava em torno de 14%, mas que vem perdendo posição. Para evitá-la esse setor se inclina ao racismo, à xenofobia e o desprezo pelos mais pobres. Não por acaso, essa tem sido a principal base do avanço da extrema direita à nível internacional.
Esse é o mundo que a elite governante do G-20 pretende monitorar.
G20: A distância entre os eixos e a realidade
O presidente Maurício Macri com a popularidade em baixa e governante de um país anfitrião que atravessa uma séria crise econômica, propôs três eixos de discussão para esta cúpula do G-20. Como de praxe, estes serão os eixos que deverá tratar durante o próximo ano em que caberá a ele presidir o grupo. São eles: a) trabalho do futuro; b) conectividade global; c) segurança alimentar.
Assim, as mais de 40 reuniões preparatórias da cúpula que ocorreram na Argentina não só estiveram longe de resolver os problemas que afetam a maioria da população mundial, mas também passaram à margem dos temas que estão envolvidos nos principais conflitos geopolíticos que atormentam o mundo.
Assim, por um lado, está claro que as prioridades dos presidentes que se reunirão em Buenos Aires, de fato, serão outras. Donald Trump (EUA), Xi Jinping (China), Vladimir Putin (Rússia), Ângela Merkel (Alemanha) ou Shinzo Abe (Japão) vão tratar em paralelo dos temas que realmente estão tensionando a geopolítica mundial. Por outro, os movimentos sociais vão protestar em defesa de suas reivindicações.
Destaque à parte, será a ausência de Jair Bolsonaro, presidente recém-eleito no Brasil e convidado por atual presidente Michel Temer à cúpula. Ele priorizou encontrar-se no Brasil com John R. Bolton, do Conselho de Segurança Nacional dos EUA.
Tensão geopolítica
Nos EUA, tanto a ala globalista, quanto a nacionalista expressa por Trump, fazem gestão para um encontro bilateral com Xi Jinping para tratar da “guerra comercial”. Tentarão de alguma forma chegar a um acordo com a China. Mike Pence no dia 4 de outubro revelou no Hudson Institute qual é preocupação de fundo dos EUA: “Com seu plano ‘Made in China’, o Partido Comunista Chinês se prepara para controlar 90% das indústrias mais avançadas do mundo, incluindo a robótica, biotecnologia e inteligência artificial. Para ganhar os mais altos comandos da economia do século XXI, Beijing colocou seus burocratas e empresários a obter a propriedade intelectual estadunidense, fundamento de nossa liderança, por qualquer meio”.
Tal como está exposto na nova estratégia de segurança nacional anunciada por Donald Trump, EUA decidiu conter a qualquer custo o avanço da China rumo à liderança da economia mundial. A China, por um lado, busca habilmente construir alianças com aliados históricos dos EUA como é o caso do próprio Japão. Não foi outro o sentido da visita de Abe em outubro a Xi. O mesmo ocorre em relação à Grã-Bretanha, primeiro país Europeu a ingressar no Banco Asiático de Investimentos e Infraestruturas impulsionado pela China à serviço do megaprojeto da “Nova Rota da Seda”.
Por outro lado, a China decidiu aumentar seu orçamento militar. A disputa pelo controle dos mares levou a China a tomar a decisão de ser maior força naval até 2030. A intensificação dessa disputa entre EUA e a China fez soar há algum tempo os tambores de guerra no Mar do Sul da China.
A Rússia, apesar das resistências de Trump, foi elencada como outro país tido como “inimigo estratégico” pelos documentos de defesa e estratégia dos EUA. Como forma de se defender do avanço da OTAN sobre o Leste, o projeto de Putin é a conquista de um espaço vital com vistas a recuperar um projeto imperialista aos moldes do czar “Pedro, o Grande”.
Essa política dos EUA de combate simultâneo à Rússia e a China tem empurrado estes países a realizar vários acordos de cooperação que já adentraram até mesmo no terreno militar. No mês de setembro deste ano, ambos países realizaram uma demonstração força militar conjunta em Stravopol, algo inédito no último período histórico.
Um encontro entre Trump e Putin também estava previsto durante o G20. Mas a situação se complicou ainda mais. O clima para qualquer acordo se tornou totalmente impróprio com o recente episódio da captura dos três navios de guerra ucranianos pela Rússia. O incidente ocorreu no Estreito de Kerch, próximos à Península da Crimeia, território disputado pelos dois países desde 2014.
Para complicar ainda mais a situação, o encontro previsto entre Donald Trump e o príncipe saudita Mohaned Bin Salman (MBS) para ver como contornar o monumental desgaste de um aliado chave dos EUA no Oriente Médio, culpado pelo assassinato do jornalista opositor saudita Jamal Khashoggi, está sob nova tensão. A entidade de direitos humanos Human Rights Watch reforça o pedido ao judiciário argentino – país signatário de acordos internacionais contra crimes de lesa humanidade – para deter e questionar MBS assim que pisar em solo do país. Além da morte do jornalista, a entidade denuncia os abusos cometidos durante a intervenção militar no Iêmen, onde é responsável pela morte de 6.500 civis.
Marcha e Cúpula dos Povos “Não ao G-20-Fora o FMI”
Se por um lado, no Civil 20 (C-20, um dos grupos que contribuem com propostas ao G-20 em nome da “sociedade civil”), participaram de reuniões na Argentina a Unicef, a OIT, além de outras locais como a Conicef e CGT; por outro, existe um conjunto de forças que não confia de forma alguma nesta liderança mundial.
Entre os dias 25 e 1º de dezembro teve início uma semana de ação impulsionada pela “Confluencia Fuera o G-20 e o FMI”. Nos dias 28 e 29 será realizada Cúpula dos Povos e, no dia 30, sexta-feira, haverá uma marcha. Além da denúncia do G20-FMI, o protesto contra a presença de Trump, se somará a denúncia do atual presidente eleito no Brasil Eduardo Bolsonaro.
Entre as organizações se encontram a CTA, Attac Argentina, Jubileu Sul, Movimento Evita, CTEP, Red Amigos da Terra e outras. As organizações de Mulheres se farão presentes. Também participaram organizações de esquerda como o MST e o PSTU argentino.
Várias delegações estrangeiras também estarão presentes. Do Brasil, por exemplo, participarão representantes da CSP-Conlutas, de sindicatos como da Apeoesp, Metalúrgicos de São José dos Campos, Petroleiros do RJ, dentre outras. Dos partidos de esquerda, estarão representados partidos como o PSOL e o PSTU. Um dos desafios da participação das delegações brasileiras será construir uma frente contra o avanço da extrema direita na América Latina.
Veja o link da programação das atividades: https://fuerag20.files.
Brutal esquema de segurança não intimida movimento
A tensão geopolítica combinada com a realização da Cúpula dos Povos e da marcha que terá como ponto de apoio um dos movimentos mais combativos da América Latina como é caso do argentino, somado às delegações estrangeiras, elevou a tensão na cidade de Buenos Aires à níveis até então poucas vezes já vistos.
A suspensão da partida da final da Libertadores entre Boca Juniors e River Plate por conta dos enfrentamentos entre as torcidas e agressões aos jogadores do Boca, contribuiu para elevar ainda mais a temperatura e reforçar o já pesado esquema de segurança.
Uma grande região da cidade, que inclui áreas inteiras do centro e os bairros de Belgrano, Palermo, Recoleta e Puerto Madero, estará completamente cercada. Nessa área só poderão circular moradores e pessoas com credenciamento. Tampouco haverá serviços de ônibus, metrô e trens nesses dois dias, enquanto o aeroporto Jorge Newbery (Aeroparque) será usado apenas para os voos das comitivas internacionais.
Segundo a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, o esquema armado para receber os líderes dos países é para evitar ataques terroristas e conter manifestações durante o evento. Assim, o esquema de segurança em Buenos Aires incluirá 22 mil oficiais argentinos e mais 2.000 agentes de segurança das autoridades internacionais nas ruas. O governo argentino gastou US$ 4 milhões (cerca de R$ 15,5 milhões) para comprar novos armamentos.
Também haverá furgões e motocicletas vigiando a cidade. No porto de Buenos Aires, barcos vão monitorar o movimento da região. Os EUA emprestaram aviões, enquanto a Itália e o Canadá cederam helicópteros para a segurança. Já a China doou quatro tanques blindados. O espaço aéreo será fechado durante a chegada de algumas das autoridades e está dada a ordem de derrubar aeronaves que violem as regras.
Haverá também um maior controle no setor de imigrações das entradas ao país. Os países participantes enviaram listas de pessoas com antecedentes violentos que supostamente poderiam causar distúrbios durante o evento de forma a que a entrada seja vetada.
Nada disso, porém, está intimidando as organizações que pretendem se manifestar contra o G20. As atividades com mesas de debates e a marcha estão mantidas.
Assim, nesses dias, com as principais potencias reunidas de um lado, e os movimentos sociais de outro, se concentrarão as principais contradições da atual situação mundial.
Artigo de Pedro Campos publicado originalmente no Esquerda Online