Perspectivas sombrias

Este artigo é um excerto de um artigo mais longo sobre a crise do neoliberalismo publicado no International Socialism Journal (http://isj.org.uk/darkening-prospects/).

A política britânica encontra-se enredada na teia do Brexit. O prolongado adeus da Grã-Bretanha à UE é simultaneamente um resultado e um agravamento da crise mais geral [do neoliberalismo] , que está adesgastar os dois principais partidos, apesar de terem emergido das eleições com um papel dominante como já não tinham há uma geração. Ambos os partidos enfrentam duplos desafios – externamente, uma UE determinada a usar as suas vantagens negociais para impôr à Grã-Bretanha o pior acordo de saída possível, e internamente, poderosas minorias para quem a relação com Bruxelas é uma prioridade política muito superior ao que é reconhecido pela maioria da população, independentemente de como votou no referendo.

Este dilema é mais difícil para o governo de Theresa May. May encaminha-se para um eventual acordo de Brexit que vai deixar a Grã-Bretanha ainda muito próxima da UE mas arredada dos processos de tomada de decisão, isto porque qualquer outra solução seria desastrosa para os interesses capitalistas dominantes. Mas essa solução é um anátema para a poderosa minoria que apoia o Brexit no governo e na bancada parlamentar conservadora, que acreditam sinceramente que um corte com Bruxelas trará à Grã-Bretanha um futuro de poder e prosperidade. Desta forma May é obrigada a manobrar e contemporizar, mesmo que a custo de fricções intra-partidárias e do desgaste de confiança do capital.

Apesar da importância decisiva para o capitalismo britânico do acesso ao Mercado europeu, é a política que dirige a economia neste processo, algo de que a principal organização patronal CBI [Confederação da Indústria Britânica] se queixa de forma cada vez mais estridente. Paul Drechsler, o seu presidente cessante, acusa conservadores e trabalhistas de se deixarem “consumir” por “um festival de debate político e ideologia” e avisa que as empresas britânicas estão a transferir capitais para o estrangeiro como parte de “planos de contingência” contra o Brexit. Drechsler prevê que se a Grã-Bretanha não mantivel uma união aduaneira com a UE “há sectores da industria transformadora do reino Unido que podem desaparecer”, em particular a indústria automóvel. Algumas grandes empresas – por exemplo Airbus, BMW, Siemens, Unipart – aumentaram a pressão com avisos acerca das terríveis consequências de um Brexit não negociado [o chamado hard Brexit]. Bronwen Maddox do Institute for Government exprime bem o carácter mesquinho dos esforços de May: “Para que o Reino Unido deixe a UE, May tem de encontrar uma versão do Brexit aceitável para os seus ministros, para os deputados conservadores e o parlamento em geral e já agora, também para os negociadores da UE. É possível que uma tal versão não exista”.

Aparentemente, a situação é mais favorável para o Labour de Jeremy Corbyn. A sua posição de premeditada ambiguidade em relação ao Brexit tem sido eleitoralmente vantajosa para o Labour, tendo lhe permitindo recolher o apoio quer de apoiantes quer de opositores do Brexit nas eleições do ano passado. Mas esta posição tem se tornado cada vez mais difícil de manter à medida que a luta política se concentra cada vez mais na árdua discussão parlamentar da Lei (de Saída) da União Europeia. Como os Tories perderam a sua maioria na Câmara dos Comuns em Junho de 2017 e têm importantes facções pró e anti Brexit, o processo intrinsecamente desestabilizador, existindo uma forte possibilidade de uma derrota do governo precipitar a queda de Theresa May.

Mas não são apenas as facções pró e anti Brexit dos Tories que tem ganho espaço com esta situação. O Labour tem a sua própria quinta coluna, na forma de um estridente grupo anti-Brexit. A sua lealdade política (e logo deslealdade para Corbyn) é para com a ala direita do Labour. De facto, as suas rebeliões têm sido apoiadas de fora por personalidades do New Labour – a facção mais descredibilizada da história do Labour, que vendeu a alma do partido à City e a George W. Bush – lideradas pelo próprio Tony Blair. Em meados de Junho, 75 deputados do Labour ignoraram uma orientação da direção da bancada parlamentar para se absterem e votaram favoravelmente uma proposta da Câmara dos Lordes para que o Reino Unido se mantenha no Espaço Económico Europeu após o Brexit, ao lado de países como a Noruega ou a Islândia.

Em parte, para responder a estas pressões Corbyn tem-se aproximado, tal como May, de uma posição favorable a um Brexit suave [soft Brexit]. Porém, continua a resistir à ideia de permanência do Reino Unido no mercado único, que poderia limitar as políticas económicas a adoptar por um governo do Labour. No ano passado, Corbyn deu ao Labour o seu melhor resultado eleitoral em quase 20 anos com base num programa de reformas sociais e económicas consistentes, embora moderadas – que apenas parecem radicais por causa dos efeitos corrosivos do neoliberalismo e do facto de quer Corbyn quer o seu ministro-sombra das finanças, John McDonnell parecerem determinados a implementá-las. Com isso fizeram subir as espectativas da esquerda Britânica ao ponto mais alto desde há muitos anos.

Contudo, parece ter havido nos últimos meses uma aparente quebra de ímpeto, e não só devido aos atritos parlamentares em torno do Brexit. O falhanço do Labour em concretizar o muito esperado avanço nas eleições municipais de 3 de Maio, conquistando pelo menos uma das praças-fortes dos conservadores em Kensington and Chelsea, Wandsworth, Westminster and Barnet levou a muita especulação sobre se Corbyn já teria passado o seu pico de popularidade. O comentador politico da ITV, Robert Peston, comentou: “O Labour não atenuou os temores entre as suas próprias fileiras de que o pico de popularidade de Corbyn talvez já tenha sido passado”.

Artigo de Alex Callinicos

Tradução de Rui Borges

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