Mulheres organizam resistência ao conservadorismo

Artigo de Renata Vereza*, Rio de Janeiro, publicado no Esquerda Online

Tod@s às ruas dia 29 de setembro

A conjuntura política brasileira, que tem estado naturalmente acelerada em função da proximidade com as eleições, ganhou ainda mais complexidade na última semana. Concorrem para isso o atentado sofrido por Jair Bolsonaro, os vídeos de Temer com acusações a Alckmin e Haddad e a troca de titularidade na candidatura do Partido dos Trabalhadores. Enquanto estes últimos insistem na polarização de um lado e recorrem ao discurso do voto útil na tentativa de transferir nessas próximas duas semanas os votos dirigidos a Lula para Haddad, os primeiros apostam na polarização oposta para garantir a manutenção e a expansão da margem de liderança nas intenções de voto a seu candidato. Neste sentido, o atentado despertou a expectativa de que a margem de vantagem deste aumentaria significativamente, garantindo quiçá, uma vitória no primeiro turno.

Contudo, se as pesquisas divulgadas esta semana, tanto do Datafolha, quanto do Ibope, comprovam que houve tímido aumento nas intenções de voto pró Bolsonaro, revelam que, por outro, a rejeição a ele cresceu (Datafolha) ou desceu menos que o esperado (Ibope) e que, diante de um segundo turno, não venceria nenhum dos outros candidatos melhor posicionados na disputa. Esse índice de rejeição consideravelmente alto (acima de 40%), longe de ser somente um dado estatístico, se concretizou durante essa semana na formação de um grupo nas redes sociais chamado “Mulheres Unidas contra Bolsonaro”. O crescimento exponencial desse grupo, que em apenas poucos dias soma mais de um milhão de mulheres, já chamou a atenção da grande mídia, despertou a ira dos apoiadores (com as tradicionais ameaças) e permite tecer algumas considerações.

O grupo “Mulheres Unidas contra Bolsonaro” é extremamente heterogêneo e formado por mulheres de diferentes matizes ideológicas, o que indica que a rejeição ao candidato não está circunscrita aos círculos tradicionalmente associados com o campo das esquerdas, mesmo que neste tenha maior reverberação. Também não tem um perfil socio profissional único, com a presença de mulheres das mais variadas profissões, donas de casa, militares e policiais. Muitas dessas últimas fazem questão, inclusive, de marcar não somente a posição contrária, mas de repudiar a associação entre a profissão exercida e a plataforma do candidato. Chama a atenção também o número de mulheres evangélicas que fazem questão de, ao indicar sua confissão religiosa, expressar que isso não as aproxima das ideias propagadas por Bolsonaro. Congrega também mulheres de diversas orientações sexuais e identidades de gênero. Assim, o grupo atravessa distintas classes sociais e é bastante bem distribuído em todas as regiões do país.

O que aproxima então mulheres à primeira vista tão diferentes? Somente aversão a figura de Bolsonaro? Ao que tudo indica, a rejeição ultrapassa o personalismo e incide sobre o conjunto de ideias propagadas por ele e por seus apoiadores. Parece haver um tácito consenso de que uma possível vitória dele significaria um imenso retrocesso nos direitos femininos e, por extensão, de outros grupos oprimidos. Rejeita-se o discurso de ódio, a apologia à violência, o racismo, a homofobia e todos o conjunto nefasto de preconceitos, mas rejeita-se aqui, mais que tudo a misoginia de sua plataforma. Essa é a costura de toda a diversidade presente no grupo e essa é a costura possível. Mas isso também indica algo. Se por um lado é uma clara reação as posturas conservadoras, machistas e fascistas de Bolsonaro, por outro é uma reação que somente é possível em função da ascensão que o movimento feminista tem tido nos últimos anos, desnaturalizando lugares comuns da opressão de gênero (muitos dos quais repetidos pelo candidato), dialogando com um número maior de mulheres e trazendo para a pauta cotidiana o repúdio às diversas e recorrentes violências a que estas mulheres são expostas diariamente.

Assim, a energia do movimento de mulheres volta a se anunciar e assume a linha de frente no enfrentamento ao avanço conservador e fascista. É necessário potencializar esse movimento e compreender suas possibilidades para além das eleições. A tarefa de enfrentar o que significa Bolsonaro não pode ser adiada para o segundo turno, não pode ser relegada a um partido ou outro dentro de uma estratégia de voto útil (senão seríamos nós mulheres as verdadeiras “úteis” no processo). A tarefa de se contrapor a essa plataforma conservadora, fascista, racista, misógina e funesta em todos as suas manifestações se impõe agora, e com projeção para o futuro, com uma ampla mobilização de mulheres e homens. A simples derrota eleitoral não implica no acantonamento da rede que o apoia e propaga suas ideias. É necessário que a rejeição a ele e a seu programa se concretize para além das urnas e que a sociedade seja capaz de se posicionar contrariamente a esses discursos, não somente os considerando ruins, mas inaceitáveis. É importante também que o recado seja dado ao capital, que um possível flerte com o candidato mais bem posicionado nas pesquisas, diante da falência das suas alternativas eleitorais, não transcorrerá em uma conjuntura sem enfrentamentos. Assumi-lo como personagem viável, significa assumir uma oposição já em organização.

O movimento de mulheres tem potencialidade para isso e para levantar outros setores. Atos de “Mulheres contra Bolsonaro” estão sendo convocados de forma unitária em diversas cidades do país para o dia 29 de setembro. Indicando que a proposta não está limitada ao cenário virtual e que a mobilização tem real intenção de atuação na conjuntura. Em poucas horas, dezenas de milhares de mulheres já confirmaram presença em manifestações em mais de 10 cidades, em um crescimento que acompanha o do grupo. No esteio desse movimento outros grupos com o mesmo perfil heterogêneo estão sendo criados (Lgbts contra Bolsonaro, Todos contra Bolsonaro, Educadores contra Bolsonaro…) e atos para se somar à convocatória feminina estão sendo divulgados. O mesmo desejo de extrapolar as redes sociais e atuar na realidade concreta aparece aqui.

Podemos ser milhões, temos força para ser milhões e temos que garantir que sejamos.

*Renata Vereza integra a Comissão Nacional de Mulheres da Resistência

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