Desde o último domingo (26), na cidade de Chemnitz, quando dois refugiados sírios e iraquianos foram acusados de assassinar um homem no centro do município, se iniciou uma onda de protestos anti-imigração organizada pela frente “Pró-Chemnitz”, composta por grupos de extrema direita como o Pegida (Europeus Patriotas Contra a Islamização do Ocidente) e o neonazista NPD (Partido Nacional Democrático).
O estopim para as manifestações foi quando o líder do Pegida, Lutz Bachmann, publicou na internet documentos vazados da polícia que mostravam que um dos refugiados suspeitos tinha uma ordem de prisão não cumprida. O resultado foi que na segunda-feira (27), um dia depois do assassinato, 6 mil pessoas participaram da manifestação convocada pela “Pró-Chemnitz”, em contraste com as 1.500 da frente antifascista “Chemnitz sem Nazismo”.
A região de Chemnitz, junto com Dresden e Leipzig, compõe o estado da Saxônia, na parte leste da Alemanha, que hoje é o principal bastião da extrema direita do país. Foi justamente em Dresden, no ano de 2014, que surgiu o movimento Pegida, responsável por organizar na cidade os primeiros protestos de massas na Alemanha contra a entrada de refugiados.
O estado da Saxônia, também, foi o que mais votou na AfD nas eleições federais de 2017. Lá, a AfD fez 27%, único estado em que o partido ficou em primeiro lugar. Nacionalmente o partido fez 13.5%, equivalente à 94 cadeiras parlamentares de um total de 709, estreando sua presença no parlamento como maior partido de oposição. De forma geral, os estados onde a AfD mais cresce são na antiga parte oriental do país, que ainda está longe de ter um nível de vida como no oeste e onde o desemprego e os baixos salários são um grave problema (onde estão os chamados “deixados pra trás na globalização”)[1].
Portanto, a extrema-direita tem muita influência nesta região, que a possibilitou agilidade em organizar manifestações logo após a acusação do assassinato. Apesar de o Pegida suavizar o envolvimento de neonazistas nestes atos, diversos vídeos que circularam na internet mostravam diversas bandeiras do NPD e pessoas fazendo a saudação nazista. Contudo, o mais chocante foi a forte presença de grupos de assalto que assediavam e agrediam pessoas com “feições estrangeiras”, e que contaram com a leniência da polícia para contê-los.
É evidente neste caso, como mostra o jornal The Intercept, a infiltração do Pegida em setores da polícia na Saxônia. Além da tolerância para com a violência dos manifestantes nos últimos dias, há duas semanas um policial que é membro do Pegida expulsou um jornalista da ZDF de uma manifestação em Chemnitz. Inclusive, especula-se que Bachmann conseguiu os documentos vazados por meio de um infiltrado da organização na polícia.
Contra-atos
Nessa situação de ataque, grupos de esquerda e antifascistas promoveram contra-atos de bloqueio às manifestações da extrema direita, gerando uma série de confrontos entre si e com a polícia. Também em outras cidades da Alemanha ocorreram protestos, como foi o ato de 10 mil em Berlim na sexta-feira (31).
O ápice, contudo, se deu no sábado (1), quando a própria AfD organizou com o Pegida um ato em Chemnitz. Devido às imagens de neonazistas nas manifestações durante a semana, os organizadores pediram para as pessoas usarem apenas bandeiras oficiais da Alemanha, como forma de “suavizar” as repercussões negativas. Com isso, a extrema direita acabou juntando cerca de 8 mil pessoas na cidade, em contraste com os 3 mil manifestantes contrários.
Ao final dos protestos, ocorreram combates entre a extrema direita e os grupos antifascistas, deixando 18 pessoas feridas. Ainda, o parlamentar social democrata Sören Bartol afirmou no twitter que seu carro foi alvo de uma emboscada feita por neonazistas no sábado. A polícia também afirmou que um homem afegão de 20 anos foi agredido por cerca de 4 “encapuzados” durante as manifestações. O serviço de inteligência alemão afirmou que irá começar a monitorar a “Juventude da AfD”, que vem se radicalizando cada vez mais, ganhando espaço no partido e é suspeita de organizar os atos de violência no sábado.
Em resposta, nesta segunda-feira (4), 65 mil pessoas participaram em Chemnitz do festival de música chamado “Nós Somos Mais” (Wir Sind Mehr), ironizando a palavra de ordem da extrema direita “Nós Somos o Povo” (Wir Sind Das Volk). O festival foi organizado por artistas e diversos partidos políticos diferentes, contando com a participação de bandas famosas como Die Toten Hosen, Marteria e Kraftclub.
Isso mostra que o crescimento da nova extrema-direita, a AfD no caso alemão, vem acompanhada também de um crescimento de células neonazistas tradicionais, baseadas no racismo escancarado e prática de atos de violência contra imigrantes, refugiados e militantes de esquerda. É necessário que na Alemanha, bem como em todo país que esse fenômeno se desenvolve, faz-se necessário que se constitua com a máxima urgência frentes únicas de combate ao inimigo comum. Quiçá um encontro das forças anti-fascistas na Europa já se faça necessário.
Artigo de Victor Amal, publicado originalmente no Esquerda Online
NOTAS
[1] “Alemães vão às urnas e Merkel tenta reeleição”: https://esquerdaonline.com.br/2017/09/21/alemaes-vao-as-urnas-e-merkel-tenta-reeleicao/