Ontem, o Senado argentino rejeitou um projecto de Lei para legalizar o aborto, até à 14ª semana de gravidez. O “Não” ganhou no Senado (com 38 votos contra e 31 a favor) mas o “Sim” ganhou nas ruas, com uma manifestação onde participaram cerca de 2 milhões de mulheres e também homens.
Por outros países do mundo, incluindo Portugal, também saíram à rua mulheres em solidariedade com a luta das argentinas. Esta foi a primeira vez que se discutiu uma alteração à Lei vigente mas perante uma assembleia conservadora e com uma forte pressão da Igreja Católica e dos evangélicos. As definições de voto pautaram-se por discursos de índole religioso e com o argumento de protecção de ambas as vidas (mãe e feto). O Brasil também abriu o debate sobre a legalização do aborto, fruto das lutas das mulheres e da pressão nas ruas.
Na Argentina vigora uma Lei aprovada em 1912, que estabelece que só é possível abortar em caso de violação ou risco de vida para a mãe. O aborto é punido com até quatro anos de prisão, embora o país tenha um índice de aborto elevadíssimo (a cada minuto e meio, é realizado um aborto). Entre 350.000 e 450.000 mulheres abortam anualmente, na Argentina, de forma clandestina, pondo em risco as suas vidas, recorrendo a médicos não profissionais ou a métodos perigosos como sondas, cabides, agulhas de tricô e até talos de salsa. Quem aborta clandestinamente, regra geral, é mulher pobre, trabalhadora, imigrante, negra, indígena, que não tem possibilidades de viajar para um país onde é permitido realizar a IVG, nem pagar processos privados. Devemos também entender isto no cenário da América Latina. Esta é uma das regiões do mundo com maior número de abortos proporcionalmente, com uma taxa de aborto realizado em condições inseguras situada nos 76%, mas onde só é permitido abortar livremente em três países – Guiana, Uruguai e Cuba, sendo que em Porto Rico, Chile e Cidade do México existe alguma flexibilidade da legislação.
A abertura da discussão sobre a legalização do aborto na Argentina e no Brasil é importante:
– Porque a Lei tem que ser alterada e o direito ao aborto legal tem que ser assegurado, por ser uma questão de saúde pública;
– Porque a legalização do aborto tem efeitos positivos a vários níveis (Portugal é exemplo disso);
– Porque nenhuma mulher deve ser presa ou morrer por não querer/poder ser mãe;
– Porque sobre os nossos corpos, nós mulheres decidimos – quando queremos ser mães, como queremos ser mães, com quem queremos ter filhos/as.
A mobilização das mulheres tem crescido e ganho força, ultrapassando as fronteiras nacionais e dando uma lição de solidariedade internacionalista. Ontem as ruas de várias cidades estiveram pintadas de verde, a cor do movimento de legalização do aborto.
Estamos solidárias com as nossas irmãs argentinas e com todas aquelas que lutam pela legalização do aborto nos seus países, contra a Igreja, contra os governos, os senados e os parlamentos que decidem retrogradamente sobre as nossas vidas, os nossos direitos reprodutivos e os nossos corpos. O “Não” ganhou no Senado da Argentina, mas as ruas não se vão calar – queremos aborto legal e gratuito para todas, já! E não baixamos os braços até ser Lei.
Rebeca Moore