O projecto sionista de Israel, concretizado há 70 anos com a expropriação e a limpeza étnica dos palestinianos, marcou anteontem uma nova etapa: a do reconhecimento oficial de Israel como um Estado de apartheid. Há sete anos que se discutia inscrever na lei constitucional o que já era realidade no terreno. Após muita discussão, foi aprovado no parlamento israelita, por uma maioria de apenas seis votos, o projecto de lei de “Estado-nação”, apresentado pela ministra da Justiça Ayelet Shaked.
A nação, aqui, é o “povo” judeu, isto é, qualquer pessoa de confissão ou de origem judaica proveniente e residente em qualquer parte do planeta. Um quinto da população de Israel, ou seja, o milhão e meio de palestinianos descendentes dos 140.000 que não foram expulsos da zona ocupada em 1948, os chamados árabes israelitas, vêem assim ser-lhes retirados definitivamente os poucos direitos que lhes eram concedidos, como o de usar o árabe como língua oficial. O presidente da república israelita tinha-se oposto à cláusula que permitia o estabelecimento de localidades exclusivamente judias, por ela ser discriminatória, cláusula essa que foi substituída pela não menos discriminatória e supremacista fórmula da “implantação judaica como um valor nacional”, um verdadeiro incentivo à expansão dos colonatos. Com esta lei, a anexação de Jerusalém oriental é formalizada e a cidade inteira passa a ser a capital do país.
Que Israel não era um Estado democrático, que os árabes israelitas já eram tratados como cidadãos de segunda classe, que já existia realmente um regime de apartheid, nada disto é novo. As semelhanças com o apartheid sul-africano há muito que são óbvias e Mandela, um bom conhecedor da matéria, já escrevia, em fevereiro de 2008, ao jornalista norte-americano Thomas Friedman: “A propriedade palestiniana não é reconhecida como propriedade privada, porque pode ser confiscada. Para a ocupação israelita da Cisjordânia e de Gaza, há um factor suplementar a tomar em conta. As chamadas ‘zonas autónomas palestinianas’ são bantustões. São entidades restritas no seio da estrutura de poder do sistema israelita de apartheid. O Estado palestiniano não pode ser um sub-produto do Estado judeu, só para conservar a pureza judaica de Israel. A discriminação racial de Israel é a vida quotidiana dos palestinianos, porque Israel é um Estado judeu, os judeus israelitas têm direitos especiais de que os não-judeus não beneficiam. Os árabes palestinianos não têm lugar no Estado ‘judeu’. O apartheid é um crime contra a humanidade.”
O governo português, assim como o presidente da República – participante entusiasta da recente celebração dos 70 anos do Estado de Israel no casino de Cascais -, podiam até agora fingir que não viam e negar esta evidência. Podiam dizer que “apartheid” é linguagem de radicais que só querem atacar Israel. Mas agora tudo ficou claro, assumido, reconhecido e inscrito na lei. Sendo que Portugal reconhece oficialmente o apartheid como um crime contra a humanidade, seria de esperar finalmente a aplicação de sanções a Israel, tal como a Irlanda ainda há poucos dias as aprovou no seu parlamento. Em vez disso, o ministro português dos Negócios Estrangeiros emitiu uma mera condenação verbal, no seguimento de declarações igualmente vazias da União Europeia.
É urgente pressionar Israel, como foi em tempos pressionada a África do Sul, se queremos pôr fim a este crime contra a humanidade, com características genocidas, que dura há sete décadas.
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