O atual presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, 64 anos, foi o vencedor das eleições que ocorreram neste domingo (24) com 52,2% dos votos. Com esse resultado se livra do segundo turno e terá um novo mandato de cinco anos.
Erdogan está no poder desde 2003, quando chegou ao cargo de primeiro-ministro e, em 2014, se tornou o primeiro presidente da Turquia eleito por voto universal. Com essa nova vitória, Erdogan se consolida no poder naquele que é um dos países mais importantes em termos geopolíticos, adquirindo poderes quase ilimitáveis.
Estas eleições foram consideradas por muitos analistas como a mais importante da história da Turquia moderna. Enfrentando uma desaceleração em sua economia, acompanhada da desvalorização da moeda, o país caminha para uma recessão e uma forte crise econômica. Este foi o fator principal que fez com que Erdogan antecipasse estas eleições, que estavam marcadas para ocorrer em 2019. Temendo o efeito da crise, o fortalecimento da oposição e a queda de popularidade, as eleições ocorreram um ano antes do previsto.
Estas eleições tiveram tamanha importância por diversos fatores, seja pela crise de refugiados sírios, pelo peso político que os curdos tiveram durante esse processo e por também representar uma disputa entre o secularismo e o crescimento da intervenção religiosa na política. Além de todos estes fatores, essas eleições foram as primeiras realizadas após uma reforma constitucional aprovada por meio de um referendo em abril de 2017.
Erdogan vai começar seu novo mandato sob um novo sistema presidencialista, criado pelo próprio, onde diversos poderes do Parlamento são transferidos para o presidente. Acumulando o comando de setores de inteligência militar, podefechar o parlamento, extinguindo o cargo de primeiro-ministro, além de decretar estado de emergência e emitir decretos executivos.
Eleições parlamentares
Nas eleições de domingo, os turcos escolheram também quem seriam os representantes nas 600 cadeiras para o parlamento. É a primeira vez que as eleições presidenciais e parlamentares ocorreram no mesmo dia. O partido de Erdogan, Partido da Justiça e Desenvolvimento – AKP, conservador islâmico e seu aliado, o Partido de Ação Nacionalista – MHP, de uma direita ultranacionalista, obtiveram 53,6% dos votos no legislativo, na coligação chamada de Aliança Popular. O bloco da oposição somou 34,1%.
A Turquia tem a segunda maior forças armadas entre os países membros da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), e ocupa uma posição de estrema importância geopolítica, fazendo fronteira com Irã, Iraque e Síria, onde o Estado Islâmico tinha uma forte atuação, assim como as forças curdas.
O contragolpe de Erdogan
Praticamente todos, de apoiadores aos mais ferrenhos opositores, consideram que a Turquia é hoje um país muito diferente do que era quando Erdogan chegou ao poder, 15 anos atrás. A república fundada e idealizada por Mustafa KemalAtatürk[1] não seria mais a mesma. A economia turca sofreu uma evolução antes difícil de imaginar. Foram construídas grandes obras públicas e de infraestrutura. Por outro lado, houve um avanço do conservadorismo religioso e o Estado secular foi se perdendo. Esta é uma das grandes críticas da oposição à Erdogan. O exército foi praticamente desmontado, após a tentativa de golpe de 2016.
No combate a este golpe, que terminou com 240 pessoas mortas nos confrontos, mais de 40 mil pessoas, de jornalistas, a juízes, passando por generais e milhares de oficiais do exército foram parar nas prisões. Outras 120 mil pessoas acabaram sendo suspensas ou despedidas no funcionalismo público. O fato é que este golpe permitiu Erdogan se livrar de seus opositores e adversários, ganhando ainda mais popularidade. A imprensa agora é controlada por uma mão de ferro. Dezenas de revistas, jornais, rádios e estações de TV foram fechadas. O presidente acusou o clérigo Fethullah Gulen, que vive nos Estados Unidos, de ser o mentor do golpe. Este, por sua vez, afirmou que o golpe não passou de um teatro, tendo sido uma fabricação do próprio Erdogan para aumentar seu poder.
Quem é Erdogan?
No comando do país desde 2002, o ex-jogador de futebol Erdogan acumula 14 eleições no currículo, e entre disputa de vagas no legislativo, plebiscitos, disputas para presidência e prefeitura, ele saiu vitorioso em todas elas.
Líder e fundador do Partido da Justiça e Desenvolvimento – AKP, Erdogan, é visto pelos seus apoiadores como o responsável pelo milagre econômico que colocou a economia turca entre as 20 maiores do mundo. Ele é fortemente apoiado pelos mais conservadores, por restaurar costumes islâmicos tradicionais e investir em escolas religiosas, combatendo o ensino público laico. As escolas religiosas tiveram no último ano um crescimento de 68% em verbas. Em 1999, passou quatro meses preso, após condenação por incitação religiosa, ao recitar um poema com as frases “as mesquitas são nossos quartéis, as cúpulas nossos capacetes e os fieis nossos soldados”.
Uma das coisas que faz com que Erdogan tenha a simpatia e ganhe apoio de muitas pessoas é a sua capacidade de desafiar e criar desafetos, quando necessário, com diversos lideres mundiais. Ele já aumentou o tom de voz para Benjamin Netanyahu, entrou em desacordos e trocou farpas com Vladimir Putin, Donald Trump, Barack Obama e uma extensa lista. No conflito Sírio ao mesmo tempo apoiou grupos islâmicos rebeldes contra Bashar al-Assad, invadiu territórios sírios para combater as forças curdas.
Seus críticos o acusam de um crescente autoritarismo. Mantendo adversários políticos atrás das grades e expandindo seu poder, Erdogan controla 90% dos meios de comunicação do país, sendo comparado com um sultão. O crescimento da inflação em mais de 10% e a desvalorização da moeda, tem aumentado a pobreza entre os turcos, o que tem feito a oposição crescer e até ter sonhado em chegar ao segundo turno dessas eleições, coisa que não ocorreu.
Este descendente de georgianos, vindo de uma família muçulmana conservadora, caminha a passos quase que solitários para consolidar seu comando, e chegar a mais de 20 anos no poder. Agora com o novo presidencialismo, este homem que sempre assumiu ser um saudosista dos tempos do Império Otomano, vai acumular poderes de um sultão, para o temor dos fundadores da Turquia moderna.
O fortalecimento da oposição
Para muitos, o que estava em jogo nestas eleições turcas não era uma disputa de partidos pelo poder, mas sim, que tipo de regime se queria para o país. Um regime cada vez mais autoritário e menos democrático, ou se as medidas antidemocráticas seriam abandonadas.
Para combater o sultão do século XXI, diversos grupos de oposição fizeram uma aliança inédita. Um bloco foi formado pelos sociais-democratas do Partido Republicano do Povo (CHP),o Partido da Felicidade (SP, um partido islâmico) e o Bom Partido (IYI, um agrupamento nacionalista de direita). Estes três grupos se unificaram e formaram a Aliança Nacional, que pela primeira vez, chegou a ameaçar Erdogan. Alguns analistas apontaram que a coligação que apresentou Muharren Ince como candidato poderia inclusive chegar ao segundo turno.
Ince, 54, é deputado pelo CHP. Este antigo professor de química fez discursos inflamados, conseguindo devolver a esperança para a oposição. Seus comícios em Ancara chegaram a ter 5 milhões de pessoas, um número extraordinário. Ince é um critico do sistema presidencialista que começara a ser praticado, assim como do estado de emergência, dos abusos autoritários feito pelo atual presidente, e do crescimento do conservadorismo religioso por parte do governo. Ince terminou o processo com 30,7% dos votos, não indo para o segundo turno, mas conseguindo um importante crescimento no número de votos que o partido obteve, se credenciando como uma forte oposição ao governo.
A questão curda
Um dos pontos mais importantes envolvendo estas eleições foi à questão curda. São 16 milhões de curdos no país, que historicamente sofrem com perseguição política e cassação de direitos. No passado, os votos curdos ficaram divididos entre o AKP e o Partido Democrático do Povo – HDP.
Em nome de uma maioria parlamentar com os ultranacionalistas do MHP, em 2015, Erdogan lançou por terra o acordo de paz que vinha sendo feito com as guerrilhas curdas, reiniciando o conflito que gerou diversos confrontos em áreas rurais do país. Com o acirramento da guerra civil na vizinha Síria, o presidente turco bombardeou por diversas vezes áreas controladas por forças do exercito curdo. Tudo isto fez com que ele passasse a ser cada vez visto com péssimos olhos pela população curda.
O Partido Democrático do Povo, fundado em 2012, é abertamente uma organização que defende a autonomia e liberdade do povo curdo, assim como atua na defesa dos direitos humanos, liberdades democráticas, feminismo e anticapitalismo. O governo de Erdogan enxerga o grupo como braço político do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que é considerado pelo regime de Ancara como terrorista. Milhares de membros do HDP têm sido presos desde protestos massivos contra Erdogan em 2013. Selahattin Demirtas, que foi o candidato da sigla a presidência, concorreu estando dentro de uma prisão. Dermitas, assim como vários outros dirigentes da HDP estão presos desde novembro de 2016. Ele sofre 34 inquéritos e podendo pegar 182 anos de prisão.
Utilizando as mídias sociais, em especial o twitter, Dermitas tem sido uma voz a ecoar na defesa dos direitos humanos na Turquia, fazendo toda sua campanha por meio de redes sociais e vídeos, ajudou a pela primeira vez o HDP a superar a clausula dos 10%, essa é a quantidade mínima de votos necessário para que um partido tenha representação no parlamento. O HDP conseguiu 11,6% dos votos e 66 cadeiras no parlamento. É a primeira vez na história que os curdos terão representação parlamentar.
Sem dúvida, a Turquia vive um novo momento histórico com Erdogan.
Gabriel Santos, de Maceió/Alagoas – Esquerda Online