Entrevista a Alexandra Martins, militante do MAS e operadora de call center.
MAS: Passado 2 anos e meio da governação da Geringonça, o que mudou na tua vida?
Alexandra Martins: Na minha vida nada mudou. Como filha de Lisboa, custa-me muito viver cada vez vejo mais longe do centro. É impossível o sonho de viver na cidade onde nasci. Queria mudar de casa, mas é impossível pagar o custo actual de uma renda em Lisboa, e até já nos subúrbios começa a ser bastante complicado. Além das rendas, junta-se a quem vive nos subúrbios, a dor de cabeça da falta de uma boa rede de transportes. O metro anda sempre avariado e tem um grande espaçamento temporal entre os comboios, os autocarros são escassos e os comboios da CP nunca vêm a horas.
Com os combustíveis cada vez mais caros, o carro serve apenas para um mínimo de necessidades essenciais, porque o orçamento é curto para passeios motorizados.
MAS: E na saúde? Sentes mudanças?
AM: Sinceramente não! Eu esperei cerca de 7 meses para ir a uma consulta de ortopedia por causa de problemas na coluna e o médico pediu-me uma ressonância magnética. Ao marcar o exame fui de imediato avisada que estavam a levar entre 9 meses a 1 ano para chamar…
MAS: O que mudou no teu local de trabalho?
AM: Também não vejo mudanças. Eu trabalho num call center, a precariedade e os baixos salários mantêm-se. Não vejo um aumento de salário há 3 anos. Não temos feriados, as férias estão sempre muito condicionadas.
A pressão sobre os agentes é constante, sofremos muito assédio moral, a constante chamada de atenção para os resultados, os números são sempre mais importantes que as pessoas.
Além disto, no meu call center há falta de condições como cadeiras decentes para as pessoas se sentarem 8 horas de trabalho, o ar condicionado é tão mau que há sempre pessoas doentes com problemas respiratórios e de alergias.
A Geringonça nunca se interessou por regrar este sector, que é um dos mais precários com empresas de trabalho temporário a deixarem as pessoas anos com contratos mensais como eu já tive.
A Geringonça ao não reverter as leis laborais impostas pelo Governo anterior e a Troika continua a permitir que os trabalhadores sejam vítimas de um sistema de contratos em outsourcing.
Estive 1 ano a contratos mensais, depois passei para outro contrato de 6 meses com o nome de outra empresa, embora tenha estado sempre no mesmo sítio a fazer o mesmo trabalho, e perdi esse ano de antiguidade, depois renovações de 10 meses. Significa que passei para o quadro da empresa 4 anos depois de começar lá a trabalhar.
Devido a tudo o que somos sujeitos, já fui obrigada a ficar de “baixa”, porque entrei em burn-out.
Claro que deveria ser considerado doença profissional, mas não pode, porque legalmente a profissão não existe. Como tal, são sempre os trabalhadores que pagam essas maleitas do seu bolso porque recebem metade do salário quando ficam de “baixa”.
Os patrões aproveitam sempre para se safarem. Só conta para o seguro da empresa se alguém tiver um acidente, tipo torcer um pé a caminho do trabalho, à saída a caminho de casa ou mesmo dentro da empresa.
Tudo quanto são infecções respiratórias advindas da péssima qualidade do ar e do ar condicionado sujo e cheio de bactérias não são reconhecidas e o agente não tem outro meio que não seja a tradicional “baixa”. Obviamente nesse mês não só não recebe todo o salário, como perde todos os prémios a que porventura teria direito. É triplamente prejudicado.
A Geringonça não interfere e empresas como a minha continuam a ter milhões de lucro à custa de nos explorarem deploravelmente. E já que dizem que o país cresce então eu quero os meus direitos de volta!
MAS: Qual a consequência da tua situação laboral para a tua vida?
AM: Por exemplo, dado os salários que eu e o meu companheiro auferimos, pusemos de lado completamente a ideia de ter crianças. Isto porque não teríamos condição de pagar os custos de ter um filho como por exemplo uma creche privada e não podíamos passar 3 anos em casa à espera de uma vaga numa IPSS. É inacreditável como não existe uma rede de creches públicas em Portugal.
Viajar e frequentar eventos culturais também são miragem. Os preços são geralmente muito altos para podermos comprar bilhetes. Museus e exposições a mesma coisa. Tenho família fora de Lisboa e muito raramente os visito devido aos preços elevados das deslocações, mesmo de comboio.
E é família chegada, são primos direitos com quem cresci na minha infância. Uma pessoa até se sente desenraizada e desamparada, se não tiver mais ninguém à sua volta. O que é péssimo para qualquer ser humano.