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Maio de 68: a revolta estudantil que abalou a França

Com a parte Leste da Europa transformada em economias não capitalistas e com a vitória da revolução chinesa (1949) que colocou o mais populoso país do mundo sob um poder popular que expropriou os capitalistas e se libertou do domínio imperialista, as convulsões mundiais que se seguiram ao final da segunda guerra mundial desencadearam fortes movimentos sociais nos países capitalistas, particularmente entre a juventude, e os ‘anos sessenta’ do século vinte foram expressam desse ascenso mundial de movimentos juvenis e estudantis.

O mundo colonial tinha iniciado lutas pela independência que, ao não serem de imediato negociadas e aceites pelas metrópoles imperialistas se transformaram em guerras coloniais. No caso da França, as guerras da Indochina Francesa/Vietnam (1946/1954) e da independência da Argélia (1954/1962), bem como a segunda guerra do Vietnam (já entre Vietnam e EUA) foram geradoras de movimentos juvenis de solidariedade com os povos em luta, movimentos sempre reprimidos pelo regime gaullista (em vigor desde 1959).

 

Da revolta estudantil à revolta operária

Foi neste contexto internacional e nacional que se inseriu o Maio Francês (1968), o primeiro grande movimento revolucionário desencadeado num país imperialista, mobilizando 10 milhões de grevistas, com todas as médias e grandes empresas em agitação, com os funcionários públicos em greve e com toda a juventude estudantil (liceal e universitária) em mobilizações de rua.

O início desta movimentação é uma acção de resistência à repressão policial contra uma reunião estudantil na Sorbonne. Durante alguns dias, uma escalada de repressão e de resistência mobiliza dezenas de milhares de estudantes universitários e liceais, bem como tem a solidariedade dos professores. Este período de manifestações estudantis, confrontos com a polícia, ocupação de ruas do Quartier Latin e barricadas de auto-defesa tem uma semana de duração (3 a 10 de Maio).

A existência e o exemplo deste movimento de luta contra o governo gaullista desencadeia uma movimentação reivindicativa na classe trabalhadora. E as direções sindicais, da CGT e CFDT, são pressionadas a convocar uma greve geral de 24h, a 13 de Maio, a qual foi acompanhada de uma gigantesca manifestação em Paris.

Com a entrada do movimento operário na rebelião, foram os próprios trabalhadores, por fora das propostas da CGT, que começaram a decidir na base das grandes empresas e em vários sectores entrar em greves ilimitadas, fazer ocupações e participar em combativas manifestações de rua, em conjunto com os estudantes. Este novo período de revolta prolonga-se até 27 de Maio, altura em que mais de 10 milhões de grevistas já paralisam toda a França.

 

A falta de uma direção revolucionária

É nesta data (27 de Maio) que governo, patrões e CGT chegam a um protocolo de acordo para acabar com o movimento que já questionava o poder patronal e o regime político, e negociarem as reivindicações, sector a sector. É a partir desta data que as principais direções sindicais (CGT) e o (à época) principal partido influente na classe operária (o Partido Comunista Francês) passam a enfrentar o movimento revolucionário, a procurar dividi-lo e desmobilizá-lo.

É com grande indignação que os operários das grandes empresas rejeitam os ‘acordos’ que a CGT propõe, em votações massivas nas assembleias de fábrica os operários dizem não. Entra-se assim numa fase decisiva para o movimento e esta fase é a de derrubar o governo e colocar uma nova política favorável aos trabalhadores, ou ficar num impasse que acabará por salvar o poder gaullista. A CGT e o PCF por um lado, manifestam-se por uma outra política e um governo de unidade democrática, mas recusam-se a exigir o derrube do governo De Gaulle/Pompidou. Mas, por outro lado, opõem-se às greves ilimitadas e chamam a retomar o trabalho e a negociar com os patrões.

Não foi pacificamente que o movimento recuou. A resistência operária e estudantil continuou em muitas grandes fábricas e universidades e ao mesmo tempo que a CGT e o PCF dividiam o movimento, o governo manda reprimir violentamente os sectores em luta, originando numerosos feridos e algumas vítimas mortais entre operários e estudantes.

E, a 30 de Maio, a dissolução da Assembleia Nacional e a proposta de eleições gerais antecipadas (convocadas para dias 23 e 30 de Junho) por De Gaulle, têm o aplauso do PCF e colocam os partidos parlamentares do governo e da oposição favoráveis a essa saída.

A necessária unidade do movimento operário e sindical com o movimento estudantil tinha levado uma machadada fatal protagonizada pelas direções reformistas da CGT e do PCF e a inexistência de organizações revolucionárias devidamente implantadas na classe trabalhadora tinham impossibilitado uma resposta política alternativa e com apoio de massas. A grande combatividade de uma ampla vanguarda estudantil e operária verificou-se insuficiente para dar continuidade a um combate que já questionava o poder capitalista nas empresas e o regime político da V República. Perante essa ausência de direção revolucionária na classe trabalhadora, as forças reformistas fizeram o serviço que tinham que fazer (e que haveria de os penalizar mais tarde, como aconteceu ao PCF que se tornou um partido residual e eleitoralmente menos expressivo do que os trotskistas). Esse serviço foi o de enfrentar o movimento e canaliza-lo para a negociação sindical e para as eleições gerais que salvaram da morte anunciada o regime presidencialista saído da V República e que, 50 anos depois, ainda hoje vigora em França.

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