Nesta sexta-feira, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou que suas forças armadas haviam começado o bombardeio sobre a Síria, em aliança com a França e o Reino Unido. A razão seria um alegado ataque com armas químicas pelo regime de Assad na região de Gouta Oriental, no subúrbio de Damasco de Douma no sábado passado.
Esse desenlace seguiu-se a uma semana de impasse que se refletiu no Conselho de Segurança da ONU, em que a Rússia vetou qualquer resolução que responsabilizasse o regime de Assad pelos alegados ataques realizados no sábado passado.
O regime de Assad é sanguinário e é responsável por centenas de milhares de mortos, desde quando resolveu atacar militarmente o levante popular há sete anos. No entanto, não está claro se as acusações do ataque com armas químicas são verdadeiras, o que não torna o governo menos criminoso. Os precedentes americanos permitem duvidar da veracidade de suas alegações, junto com franceses e britânicos, haja vista que a desculpa para a invasão do Iraque em 2003 foi a suposta posse de armas de destruição em massa pelo regime de Sadam Houssein, o que se demonstrou falso e custou centenas de milhares de vítimas e a destruição do país.
Potências mundiais disputam o futuro da Síria e região
Durante toda a semana, as ameaças americanas e a resposta russa colocaram em primeiro plano a disputa entre as duas potências mundiais, atingindo seu grau mais alto na região em muitos anos.
Houve e há um intenso debate interno na classe dominante americana sobre os alcances do ataque, em particular sobre a possibilidade de precipitar a queda do regime, o que foi o temor americano desde o começo da rebelião contra Assad. Mas o receio essencial é o de que a resposta russa possa ampliar os enfrentamentos já existentes na arena mundial.
As declarações que foram emitidas nesta noite pelo Secretário de Defesa dos EUA e pelos demais generais do Pentágono especificam que os ataques não se reduziram a um só lugar, como no ano passado, mas em vários alvos na região de Damasco e de Homs, que utilizaram mais do dobro de mísseis do que no ano passado e que, “por enquanto”, não continuariam. Segundo os generais do Pentágono, os russos teriam sido avisados do ataque para evitar choques no espaço aéreo sírio, sem especificar onde iriam atacar, como haviam feito no ano passado. Além disso, aparentemente, não houve ataques a bases do Hezbolah, nem a forças militares iranianas na Síria. Segundo o secretário de Defesa dos EUA, James Mattis, “enviamos uma clara mensagem para Assad e seus comandantes assassinos que eles não deveriam perpetrar outro ataque com armas químicas, do qual eles serão responsabilizados”.
Mais uma vez o povo sírio se vê entre uma ditadura brutal que é a principal responsável pela morte de centenas de milhares de pessoas e por transformar milhões de sírios em refugiados e as potências mundiais que lutam por ampliar ou manter a influência e poder na região.
Possíveis reflexos na situação mundial
A ação terá grande repercussão mundial, cujos alcances não se pode prever ainda. Como sempre, a ação militar possui sua dinâmica própria, mesmo que seja determinada pela política.
A vitória cada vez mais clara de Assad na guerra civil, desde a queda de Aleppo em dezembro de 2016, significou uma mudança importante na balança de forças, regional e global. A Rússia, que participa do conflito por razões próprias e não ditadas por qualquer solidariedade ideológica, foi decisiva para essa vitória. Conseguiu um papel inédito na região, com outros aliados poderosos, como o Irã, além da influência por meio deste no Iraque. Na Síria, possuem bases terrestres, aéreas e navais. Por outro lado, sua proeminência mundial no último período incluiu uma exibição de supostos mísseis super-avançados.
Essa ação poderia desencadear um conflito de maiores proporções entre Israel e Irã. O estado sionista vem aumentando seu grau de ataques na Síria, tendo bombardeado nesta semana uma base em que havia soldados e oficiais iranianos e está em estado de alerta máximo para uma guerra com o Irã, que, ainda que teoricamente limitada, poderia ter proporções imprevisíveis. Ao mesmo tempo, o estado sionista realizou alguns ataques em Gaza e ameaça uma nova sanguinária operação nos moldes do que fez em 2009, 2012 e 2014 se continuarem as manifestações de massas pelo direito do retorno em suas fronteiras.
O outro conflito que pode ser influenciado pelo ataque americano é o que existe entre a Turquia e os curdos, que presenciou nos últimos meses um contra-ataque turco, retomando parte da região síria ocupada pelos curdos durante a guerra civil.
A China, por seu lado, programou para o dia 18 deste mês um grande exercício militar com munição real no estreito de Taiwan, o ponto mais conflitivo em seus enfrentamentos com os Estado Unidos. Isso foi interpretado pela imprensa chinesa como uma sinalização de apoio à Rússia, obrigando os americanos a se preocupar mais com o seu declarado principal objetivo mundial, que é a contenção da China.
As primeiras reações russas, feitas pelo embaixador nos EUA, Anatoli Antonov, foram de que “haverá consequências aos ataques”. No sábado, Putin declarou que a ação era uma agressão contra a Síria, que provocaria uma nova onda de refugiados e que remeteria o assunto para o Conselho de Segurança da ONU. Quaisquer que sejam os desdobramentos da ação americana, da reação russa e da oposição interna dentro dos próprios EUA, Reino Unido e França, o povo sírio não é certamente a preocupação dos atacantes desta noite, nem dos russos e seus aliados.
Chega de intervenção! Paz para o povo Sírio!
Definitivamente os ataques dos EUA não são humanitários. A solução para acabar com o sofrimento do povo sírio não virá dos ataques aéreos das potências que dominaram a região por mais de um século, nem dos russos que aumentaram sua influência na região ultimamente. Nem do regime sanguinário de Assad. Somente a pressão externa e a solidariedade internacional podem ajudar a que a oposição social e laica na Síria se recomponha ou se reorganize de forma independente das forças intervencionistas e/ou sectárias e consiga derrubar Assad e seu regime, sem o que não poderá haver qualquer esperança de colocar um fim ao sofrimento do povo do país.
Waldo Mermelstein, São Paulo/SP – MAIS/Esquerda Online
Foto: Hassan Ammar / AP